TALIA

By hylancaster

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"Talia surgiu um dia pelos corredores de uma cidade qualquer sem nome. Quando Harper se depara com sua presen... More

DIREITOS AUTORAIS
Palavras da Autora
Trilha Sonora
PRÓLOGO
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII
CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
CAPÍTULO XXXI

CAPÍTULO VIII

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By hylancaster


Confesso que estou nervosa para saber como será falar sobre literatura para algumas pessoas, ou nenhuma delas, porque sei que vai ser difícil arrastar alguém para cá. Ainda assim, sento na salinha que a Srtª. Aberdeen disponibilizou para mim e aguardo. Cheguei cedo, mas não me importo; belisco alguns snacks que trouxe comigo e os deixo sobre a mesa, diante de alguns livros abertos e alguns cadernos em que estou escrevendo. Vejo que há coisas demais escritas e tão pouco nexo que as ligue, mas no fundo, todas as línguas falam sobre tormentas e corações.

E meus dedos sabem o que estão escrevendo agora, sabem que os traçados dirão muito mais sobre essas paixões corriqueiras e dúvidas em meu coração do que posso explicar a qualquer um, porque é a escrita o que me liberta e me permite ser o que essa casca dura e apaixonada realmente é. Flerto com a possibilidade de uma aproximação com a garota que me piscara poucos dias atrás, mas não resisto ao encanto de Talia e da forma como ela soa a mim, assim tão passageira, mas tão inteira e real.

Sei que sou um delírio ambulante em busca de saciação de meus desejos adolescentes ocultos, cujos medos insistem em me fazer segurar meus reais anseios e deixá-los livres pelas brisas e tempestades que assolam o mundo, mas falta a coragem em mim. E o que me impede? Ainda não sei como lidar com isso e, talvez, apenas talvez, seja algum bloqueio inconsciente que me faz querer a segurança de poder ser sem temer as consequências. Mas quem se vê livre delas?

E quando olho para as letras criando contornos sobre o papel, sinto que meus lábios abrem um sorriso sentido pensando no caminhar de Talia, seu sorriso enigmático e febril, com as roupas que desafiam todas as normas malditas criadas pela sociedade. Ela é sóbria demais nesses tempos líquidos e distantes e confesso que estou em queda livre por sua performance tão deliciosamente estranha.

Ela me chama a atenção pelos jeitos e pelos trejeitos que são todos ela e me vêm todas as dúvidas e todos os embaraços e vontades que me espreitam há tanto. Deixo que meu celular faça reverberar as músicas que me embalam com aquela suavidade de quem não tem medo e quando ouço a sintonia do mundo na faixa de Cliff's Edge, deixo que o que há em mim escorra para aquele papel, em sangue e carne, dilacerando o que encontrar no caminho, lavando com tinta e papel toda essa minha interioridade obscura e tão admirável.

Pela primeira vez, quero essa paixão em mim, esse fulgor com todos os seus riscos e sei que estou sendo precipitada, que não a conheço direito, que mal a vi ou lhe troquei palavras, mas quero poder fazer isso, quero poder vivenciar isso. E é aqui que eu sinto o poder das palavras me tomarem e me fazerem querer o mundo e seus delírios e não me importo com o quão vá doer lá na frente: é esse querer de agora que me faz ir em frente.

Conforme vejo as palavras e os trechos serem escritos, eu sinto que estou indo para outra atmosfera e que isso me liberta passo a passo, como quem admira a primeira órbita sem saber que será a mais importante da sua galáxia. E eu estou ali, deleitada e silenciosa, cantarolando essa canção que tem me acompanhado e me permitido tanto, me feito em sonhos e criações, inspirando todo aquele amor e aquelas vontades de ser, estar e pertencer sem temores. Escrevo como quem beija, como quem prova e saboreia a última refeição, sorrindo para mim mesma com todas as emoções me rondando o peito e me fazendo vítima cativa e liberta. Eu gosto da sensação e gosto quando ela percorre meu corpo com sua suavidade e sua força, sem medo de que isso vá me ser dor, ainda que o seja um dia.

A batida reverbera na porta, quase ao mesmo tempo em que ouço:

– É aqui a aula de dúvidas de literatura?

E é aquele garoto que me sorri com satisfação e que cora diante de outros meninos que o encaram e trocam olhares. Fico confortável com sua aparição e abaixo um pouco mais o volume da música, quase inaudível agora.

– Olá! – Cumprimento ele, ainda sem saber seu nome direito; temos o costume de nos vermos pelos corredores entre aulas e intervalos, mas nunca batemos um papo consistente. Mas algo me faz considerá-lo, mesmo sem conhecê-lo.

– Não achei que alguém realmente apareceria aqui hoje – ri o riso nervoso de um momento quase constrangedor e deixo que ele se aproxime e fique em minha frente, puxando uma carteira mais próxima.

– Eu realmente gosto bastante, sabe? Sou de Artes e acho divertido conhecer mais do meio. Na verdade, não tenho dúvidas, eu queria mesmo aprender algumas coisas e ouvir você falar. A Srtª. Aberdeen gosta muito de você, dá para ver pelo olhar dela o orgulho de ter alunas assim.

É minha vez de corar. – Na verdade, sei bem pouco para o tanto que gostaria de conhecer, mas é bom saber que alguém vai vir aqui.

Ele ri de um jeito bem alegre e parece ficar confortável; como se eu não fosse julgá-lo por quem é. Afinal, nem todos realmente têm medo suficiente para esconderem quem são. Outros ponderam e tem alguns que permanecem na escuridão para sempre. É uma questão de oportunidade, sacrifício e escolha. O que perder, o que ganhar, como isso pesa naquela balança que reverbera dentro de nós a quase todo momento.

– Tudo bem? – Ele me pergunta e percebo que estou longe demais dali, talvez parecendo não presente. Ando fazendo muito disso esses dias e meus lapsos têm sido maiores. Não que eu não goste disso em alguns momentos.

– Sim, – respondo como quem apenas se distraiu e não foi a lugares escuros e longínquos. – Estava apenas pensando.

Ele me sorri com suavidade outra vez e joga os braços sem qualquer timidez, como se performasse para um público invisível. – Está esperando muitas pessoas?

Faço que não com a cabeça e sou sincera com ele. – Não, mas estou aqui. De qualquer forma, às vezes é bom estar longe, só para variar.

Ele parece entender e fica em silêncio, mas logo começa a falar novamente. – Fiquei feliz por ser você aqui; por isso resolvi vir. Não acho que muitas pessoas me entenderiam.

E quando olho em seus olhos, vejo o que ele vê em mim: reconhecimento. Como se eu expressasse algo dentro dele e expusesse isso a quem quisesse ver. Meus textos, meus jeitos e possíveis trejeitos quase nunca reparados por mim, ainda inseguros e silenciosos, rastejantes e temerosos de serem descobertos. Ele me olha e eu percebo que está dizendo: Fazemos parte do mesmo grande vale além do arco-íris, uma fala apaziguadora, mas que nunca me passara pela mente.

Mas nos reconhecíamos uns nos outros, umas nas outras, procurando autenticidade, procurando identificação, referências. Queríamos nos ver uns aos outros, encontrar quem nos fosse semelhante e trocar olhares de segredos, de promessas de que tudo ficaria bem. Então nos procurávamos pelos vãos e pelas estradas que cruzávamos, sempre questionando se éramos parte desse mesmo bote que navegava à deriva, torcendo por quaisquer indícios que nos entregasse o delicioso sim. Era uma vida clandestina, a procuras eternas e nunca findas.

– É bom estar onde nos sentimos bem – respondo a ele e então ouvimos a porta bater discretamente e mais dois alunos entrarem. Mas eles nos olham e pedem desculpas, saindo logo em seguida.

Não aguentamos e rimos pelo engano, saboreando aquela sensação de riso desmedido.

– Parece que seremos apenas nós hoje.

E ele dá de ombros, faz uma dancinha qualquer de quem já está animado e pelas próximas horas, somos duas pessoas com muitas histórias a compartilhar.

***

Ainda vou treinar, mas não deixo de pensar em todos esses sentimentos que afloram dentro de mim. Ninguém aparecera na aula, a não ser Vince e as perguntas mais interessantes que eu já pudera ter encontrado em alguém numa sala de aula. Mas tínhamos questões do mesmo universo e isso fazia surgir muito mais do que eu imaginei. Ele não me questionara diretamente nada, mas dera a entender que éramos parte desse mesmo mundo e eu não pude negar algo que sentia ser real dentro de mim. Isso me dera algum ânimo, uma força maior que eu não esperava encontrar tão cedo, tão próxima.

Lembrei de Talia, mas, na verdade, não deixei de pensar nela. E por que ela tanto me fascinava com aqueles modos de quem está em tudo com toda sua força? Eu não a vira hoje pela escola, mas desejei secretamente que ela aparecesse por aquela porta e me perguntasse todas as coisas loucas que lhe viessem à cabeça. Desejei que ela entrasse e se sentasse diante de mim e falasse sobre todas as coisas que duas adolescentes conversariam. E mais.

Mas como boa parte de meus anseios, foram apenas especulações de uma mente aleatoriamente sagaz, com seus devaneios e delírios quase infantis; tão literários. Continuo minha caminhada, enfaixando as mãos sem pressa, como uma terapia, e sinto a força crescer dentro de mim, como se cada passo me levasse mais próxima à libertação. E de alguma forma muito grande e poderosa, era isso o que eu fazia testando meus limites.

As pessoas passavam por mim e eu por elas, mas sequer nos cumprimentávamos ou trocávamos olhares; éramos bichos selvagens reconhecendo e protegendo territórios com nossa própria agressividade incutida, esperando pela próxima luta. E que momentos viver assim! E estávamos ali, passando e repassando por corpos estranhos e tão diferentes dos nossos, como se estivéssemos de passagem eterna e, de algum modo estranhamente peculiar, era isso mesmo o motivo e a razão dessa bagunça toda. Então eu prosseguia, assim como todas as outras, e seguia meus caminhos com essa multidão esquecida e silenciosa que acordava os mundos por revolta e indignação.

– Hey!

E há alguém atrás de mim; viro rapidamente e me assusto ao me deparar com quem menos imaginei ver ali.

Ela está em calças de sarja, sorrindo debochadamente, mas com uma certa intenção tímida. Não recuso o sorrir dela e devolvo, cumprimentando-a.

– Olá – respondo, não muito entusiasta, mas com o frio na barriga passando em mim. – Tudo bem?

Ela assente que sim e começa a andar comigo, como se estivéssemos indo para o mesmo caminho. Então ela olha minhas mãos e move as sobrancelhas com dúvida.

– Você treina?

E a garota que me piscara e encontrara as chaves do carro dos meus pais, está diante de mim, interrogando questões e se aproximando. Acho que estou sendo paquerada, mas a ideia me parece ridícula e deliciosa. Como uma aventura inesperada.

Finalizo a faixa da última mão que falta e respondo, ajeitando a ponta para dentro.

– Sim, faço boxe.

Ela pareceu impressionada. Os olhos castanhos escuros se remexem como se tivessem algum incômodo e me pareceu que ela queria falar algo, mas lhe faltava coragem, ainda que eu já tivesse testemunhado suas ousadias.

– Estou assustando você?

Brinquei com ela, enquanto caminhávamos pelas ruas. Quase sempre que descobrem meus hobbies físicos se espantam com a ideia.

– Oh, não mesmo! Na verdade, é bem interessante. Não conheço muitas garotas envolvidas nessas áreas.

Assinto sem saber onde ela quer chegar. Não quero me atrasar para o treino, embora esteja sendo animador estar com ela aqui.

– Então, – ela começa outra vez, um pouco mais confiante – você treina todos os dias? Porque nós podíamos comer um lanche qualquer dia desses, depois da aula.

Fico paralisada por alguns microssegundos, sem saber o que responder, à espera de alguma reação minha. Disfarço minha surpresa, sabendo que não tive sucessos com isso e lhe respondo, como quem já espera, mas não tem ideia do que dizer:

– Seria legal, podemos marcar um dia desses.

Ela fica satisfeita e abre um sorriso ainda maior do que quando me abordou, ficando em silêncio ao meu lado.

– Ótimo então. Por minha conta.

Ela diminui o ritmo e percebe que estou mais acelerada; se vira para mim, para e eu faço o mesmo.

– É isso então. Vamos nos falando.

E vira as costas, mas volta e me diz:

– Jullie, afinal de contas. Meu nome.

Ela abre o ar debochado em seu rosto moreno e os cabelos soltos e lisos estão comportados conforme correm sua pele. É uma garota bonita e tem aquele ar de petulância tão charmoso de quem flerta aos poucos.

E quando estou prestes a me apresentar, ela me para com um movimento de mão e diz:

– Harper. Até mais.

E em dúvidas quanto a se aproximar e me cumprimentar ou ir embora, ela olha minhas mãos enfaixadas e ri um riso contido para si mesma, acena, me deixa sozinha com um convite para sair e uma confusão imensa de pensamentos a serem questionados.

Quando entro em casa, meus pais estão discutindo. Eles estão brigando e Ella está em seu quarto. É o melhor para ela. E subo, sem querer ser vista, mas é quase impossível do ângulo em que a escada está e de onde eles estão. Quando percebem que cheguei, não se importam em continuar todas as falas e ofensas sem disfarçarem, como se aquilo fosse o maior sinal de respeito e amor entre pessoas que resolveram estar juntas.

Eu subo rapidamente, abro a porta de meu quarto e vejo Mia levantar a cabecinha quando me aproximo dela. Está toda preguiçosa e sonolenta e conto para ela as novidades do dia. Sei que ela não vai acreditar e talvez fique até empolgada com a ideia, ainda que seja uma gata. Rio com esse pensamento bobo e digo a ela que fui chamada para sair por uma garota da escola, mas ela me olha de esguelha como se só quisesse carinho. E faço o que ela quer, porque Mia é manhosa e uma graça e eu não resisto a mimá-la.

Continuo ouvindo meus pais discutirem, as vozes mais altas, mas apenas vou conferir como Ella está e volto para a tranquilidade do meu espaço. Tomo meu banho e deixo para fazer todas as outras coisas depois, porque agora eu só quero aproveitar esses instantes e pensar que hoje eu consegui algumas coisas que até pouco tempo atrás, apenas passavam pela minha cabeça.

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