"Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada."
Fernando Pessoa
Chegávamos ao marco de nossa sétima viagem juntos. Felizmente, nesta etapa de viagens, cruzaríamos o litoral nordestino inteiro. Haveria uma boa dose de praias e forró nos horários vagos. Soava como música aos meus ouvidos.
A primeira noite no hotel à beira-mar fora divina. Foder de frente para o mar rendia o dobro do prazer — ao menos comigo.
A despeito da volta das interrupções da dona Cricri, correu tudo certo e eu pude ver estrelas no melhor sentido da expressão — depois de a visão de seu roupão nada lisonjeiro ter destroçado a imagem da Amanda sexy e libertado minha mente daquele transe.
O melhor, para minha surpresa, veio pela manhã. Com os quartos um ao lado do outro, pude acompanhar sua rotina matinal por acaso. Estaquei na varanda para admirar o mar e, em vez disso, acabei perdido em outras ondas.
No varanda à esquerda, ela estendeu um tapete no chão, acendeu um incenso e deixou a fumaça subir antes de realizar qualquer outra ação. Espero que esse não contenha alguma indireta.
Quando ela juntou as mãos em um gesto de prece, logo imaginei: Alá, a miçangueira vai saudar o sol. Por um instante, tive a certeza de que seria um ritual "gratiluz" para entrar em dissonância com seu jeito ranzinza de ser.
Errei. Errei feio. Seu próximo ato foi um tapa na minha cara.
E eu adoro um bom tapa na cara.
Ela praticava ioga (para minha sorte). Isso combinava com seu jeito de ser. Mantinha a coerência do estilo saudável de quem descia as escadas, pedalava às 5 da manhã e ainda voltava com energia para trocentas atividades tediosas do trabalho.
Se eu não a visse esgotada e estressada ao fim do dia, juraria que ela era a Mulher Maravilha disfarçada de humana. De qualquer forma, observando-a, constatei que, apesar de não ser uma heroína, ela chegava pertíssimo de alcançar o status de deusa.
Pensei que havia ticado a sessão "contorcionistas" da minha lista de desejos "Antes de Partir" nas Olimpíadas de 2016, quando consegui arrastar a equipe alemã de ginástica artística — cortesia de Hoffmann, meu intérprete oficial — para um after na minha suíte em Copacabana.
Ah, como eu descontei o 7x1... Mas isso nem se compara, atestei quando Amanda ficou de ponta-cabeça e inclinou as pernas.
Naqueles poucos minutos de seu ritual matinal, eu me rendi a mil fantasias e me odiei por não conseguir desviar o olhar por um segundo.
O jeito como ela sustentava o próprio corpo enquanto executava movimentos fluidos para alcançar as asanas desejadas era sobrenatural. Daí para imaginar aquele corpo flexível colado ao meu, aquelas pernas me envolvendo, foi um pulo.
A Amanda do body de renda acabava de ganhar uma nova companheira: a Amanda de top e legging praticando ioga ao amanhecer. Do jeito que a mente do palhaço andava, seria capaz de as duas interagirem ou se fundirem em uma só Amanda imaginária.
Até antecipei o desastre de mais tarde. Ao menor sinal de excitação, ela brotaria do nada para me atiçar. E lá se ia a esperança de ter um tiquinho de tranquilidade durante o sexo.
Dentro do que a minha mente poluída por pensamentos impuros permitia, ruminei as inquietações. Não me parecia sensato perder a cabeça por simples obras da minha própria cabeça, muito menos perder a paz por conta de uma atividade simples. E tão sedutora...
A falta de paz valia a pena, cheguei à conclusão depois de meia hora assistindo àquele espetáculo de flexibilidade. Minha imaginação nunca trabalhou tanto quanto naquele instante, nem na adolescência eu fantasiara com tamanho empenho. Nem na adolescência eu ficava com o pau latejando por pouca coisa.
Aquela mulher me arrasava.
Despertava o meu lado animal. O lobo alfa que vivia dentro de mim tinha sede. Tinha uma fome específica que só seria cessada com um único alimento.
Com a manhã vaga e a necessidade de apagar certas imagens da minha cabeça, desci para a praia. Tomar caipirinha com os pés na areia com certeza me revigoraria. Ainda mais depois de ter desperdiçado uma ereção daquelas assistindo ao show particular de Amanda.
Sentado à sombra do quiosque, revirando a areia com os pés, curtia meu drink. Então, nessa hora de descontração, ela chegou, acompanhada. Trouxe o desapontamento consigo.
Amanda passara a caminho do mar. E não somente isso. Cruzara a minha vista com um desses maiôs de senhora da hidroginástica. Uma roupa de banho nada lisonjeira para um corpo que merecia muito mais que uma simples lisonja.
Parecia que ela se esforçava para não ser atraente mesmo tendo todo potencial para ser a mulher mais linda que eu já vi nesta minha existência. Seu desmazelo desafiava toda e qualquer lógica.
Matutando sobre a breguice ultrajante de Amanda, tive uma ideia. Não era das mais geniais, precisava confessar. Mas serviria para provocá-la e, em retorno, gerar entretenimento (e descontar o tumultuo que ela causava no meu interior).
À tarde, comprei um biquíni fio-dental e deixei a caixa de presente em frente à sua porta. Ela iria ficar puta com a insinuação de que suas roupas eram horríveis (apesar de isso ser a mais pura verdade)? Sim. E eu não me importava. Se ela podia me cobrir de indiretas-diretas, nada mais justo que retribuir com a mesma moeda.
Assobiando como quem não quer nada, afastei-me do pacote e fui embora com uma sensação de missão cumprida. Recado dado, fim de papo.
[*] "Antes de Partir" (2007), dir. Rob Reiner: filme em que os protagonistas listam os desejos que querem realizar antes de morrer.
O gato querendo pagar as indiretas na mesma moeda. Atenta só...
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