Castelo Forte dos Espinhos
Henrique acorda assustado sentando-se de um salto na cama, suando frio, com a respiração entrecortada e o coração acelerado, após ter um pesadelo, onde vira suas mãos ensanguentadas e um corpo sem vida de silhueta feminina a sua frente. Ele respira fundo, passando a mão por seus cabelos castanhos em desalinho, tentando se acalmar.
Quando seus olhos com as pupilas dilatadas se acostumam com a penumbra do quarto, o Rei fita a beira do colchão e depara-se com a Sombra da Morte parada em pé, com seu rosto disforme, olhando fixamente para ele, que fica assombrado e seu coração começa a acelerar novamente.
- Você não devia aparecer assim - adverte Henrique colocando a mão no peito.
- Eu simplesmente apareço - diz a Sombra em tom calmo -, você sabe disso.
- O que você quer? - pergunta ele aborrecido.
- Eu sou a portadora da morte - diz ela sem alterar o tom de voz e ainda o encarando -, então você já sabe.
- Quem você vai levar dessa vez?
- O seu filho por nascer e ele pode não ser o único.
- Eu já esperava por isso - diz Henrique desanimado e levantando-se da cama.
- A Rainha vai sofrer muito.
- Ela sempre sofre.
- Você deveria estar ao lado dela quando acontecer.
- E quando vai acontecer? - indaga ele parando ao lado do espectro negro.
- Ela já está começando a sentir as dores do parto prematuro.
- O que você quis dizer com: o meu filho pode não ser o único?
- Vai depender de você.
- Não entendi...
Antes que ele pudesse terminar a frase, a Sombra evapora diante de seus olhos.
- Por que essa maldita Morte sempre faz isso? - resmunga o Rei furioso.
Henrique resolve se banhar na tina que ficava em seu aposento e depois de arrumado encaminha-se para o quarto da Rainha do outro lado do corredor, encontrando-a prostrada na cama com duas servas cercando-a de cuidados.
- Meu Rei - diz Cateline erguendo a cabeça ao perceber a presença dele.
- Podem nos dar licença? - ordena Henrique às servas, que se retiram do quarto imediatamente.
Ele senta-se ao lado da Rainha na cama. Ela estava com a bata branca que vestia ensopada de suor, suas têmporas brilhavam pela oleosidade da pele clara e os cabelos loiros encontravam-se embaraçados.
- Como você está?
- Com dores no ventre, começaram durante a madrugada - arfa ela voltando a apoiar a cabeça no travesseiro de pena e fazendo careta ao se mexer -, mas ainda não está no tempo certo do bebê nascer para serem dores do parto.
- O bebê deve estar querendo nascer antes do tempo - diz ele gentilmente acariciando a barriga volumosa dela.
- Ai! - grita ela se contorcendo de dor ao virar o corpo de lado e dobrá-lo sobre a barriga.
- A dor está forte? - pergunta ele colocando a mão no ombro dela.
- Muito - geme a Rainha -, acho que senti um liquido escapar por minhas pernas.
Henrique olha em direção das pernas dela e vê o colchão molhado com uma poça de sangue.
- Eu vou chamar a parteira - desespera-se ele se levantando apressado.
- Não me deixe sozinha - pede ela segurando-o pela mão.
A Rainha ao sentir outra pontada dilacerante invadir seu ventre aperta, fortemente, a mão de Henrique, que a observa se contorcer de dor mais uma vez.
- Eu preciso chamar alguém para ajudá-la - insiste ele com os olhos fixos no sangue manchando os lençóis.
- Eu sinto que não há mais tempo - grunhi ela com expressão de dor e a voz falhando.
Henrique, então, decide ajeitar o corpo de Cateline na cama com a barriga para cima. Depois ele se posta agachado na beira do colchão junto as pernas dela, que já estavam abertas esperando o nascimento do bebê.
- Você vai precisar fazer muita força. - Ela assente, sutilmente, com a cabeça.
Cateline começa a berrar fazendo o máximo de força que conseguia.
- Mais uma vez.
A Rainha guincha novamente tentando empurrar o bebê para fora de seu corpo.
- Você já está vendo o nosso bebê? - pergunta ela arfando e se afundando nos travesseiros com o suor, abundantemente, escorrendo por suas têmporas.
- Ainda não, continue.
- Estou sem forças - resmunga ela tentando forçar mais um pouco, mas quase perdendo os sentidos.
- Cateline, não desiste - diz o Rei tentando mantê-la consciente.
Henrique, percebendo que ela não reagia e que mais liquido viscoso avermelhado escorria pelo colchão, fecha os olhos apelando para a sua magia negra para empurrar o bebê para fora de Cateline. Aos poucos, a cabeça do bebê começa a surgir até o corpo sair completamente. O Rei segura o filho nos braços percebendo que aquele corpinho salpicado de sangue estava sem vida.
Ele fica alguns minutos comtemplando o bebê morto em seus braços até notar que Cateline estava desacordada. Então coloca o corpo da criança sobre a cama e aproxima-se ao lado da Rainha percebendo que ela não respirava.
- Cateline - chama ele cutucando-a, levemente, no braço.
Sem resposta.
- Minha Rainha - chama ele novamente sacudindo-a levemente pelos ombros.
Sem resposta.
Henrique começa a gritar o nome da Rainha segurando-a nos braços, que estavam manchados de sangue assim como suas vestes, e encosta a cabeça dela em seu peito. Seus berros chamam a atenção das servas que passavam pelo corredor fazendo-as entrar no aposento apavoradas.
- A Rainha está morta - brada Henrique ainda abraçado ao corpo de Cateline.
As servas ficam paradas sem saber o que fazer olhando para o Rei agarrado ao corpo inerte da Rainha e para o natimorto envolto em sangue no canto da cama.
○○○
O sino da capela da fortaleza soava incansavelmente em aviso sobre a morte da Rainha, cujo o corpo foi colocado em cima de uma mesa de madeira posta no altar do pequeno templo, onde toda a Corte estava presente com os familiares sentados à frente assistindo ao Monge Amis, que trajava sua túnica carmesim com cinto de couro envolvendo sua cintura, clamar as orações em honras a Cateline.
Após o término das orações, o monge retira-se do altar para que as pessoas se despedissem pela última vez da Rainha e prestassem suas condolências aos familiares.
Aos poucos a capela ia esvaziando.
Agnes abalada pelas circunstâncias é levada por Hector para seu aposento.
Dimitri aproxima-se do Rei, que permanecera sentado em seu assento com os olhos fixos no corpo de Cateline.
- Vossa Majestade, eu sinto muito - diz o cavaleiro sentando-se ao lado do outro.
- Eu também - balbucia o Rei sem tirar os olhos do corpo da Rainha.
- Eu sei que esse não é o melhor momento, mas, Vossa Majestade, merece saber.
- Sobre o que? - pergunta Henrique ainda imóvel.
- Freya e os outros, incluindo minha irmã Beatrice, foram embora do castelo ontem à noite.
- O que? - surpreende-se o Rei virando, finalmente, a cabeça na direção do outro. - Imaginei que eles iriam embora em algum momento, só não pensei que iriam sem nem avisar.
- Achei, que como eles eram seus hóspedes, que Vossa Majestade devia saber que regressaram para o Mosteiro da Graça.
- Agradeço.
Henrique dá uma última olhada para o corpo de Cateline e levanta-se saindo da capela.
Dimitri aproxima-se do corpo da irmã e fica comtemplando o rosto lívido dela, que fora vestida com um vestido verde-claro confundindo-se com sua pele pálida. Ele coloca sua mão em cima das de Cateline, que estavam pousadas sobre seu peito e sente a pele dela fria.
- Adeus, Cat - despede-se o cavaleiro deixando as lágrimas rolarem livremente por seu rosto.