Micael foi almoçar com a mãe aquele dia. Conversaram bastante e mais uma vez ela o tentou persuadir a respeito dele se inteirar com os negócios do pai, mas ele deu desculpas e tirou o corpo fora.
Passou o dia no hotel com a mãe, repudiando o momento em que tivesse que voltar pra casa.
— Por que não dorme aí? Morar com recém-casados já é chato, quando se gosta de um deles então... — Solange falou com o filho, que estava avoado desde que comunicou que iria embora.
— São visitas surpresas mãe, eu não sei quando vão acontecer. — Suspirou. — Tenho que estar lá.
— Isso é uma palhaçada! — O moreno encarou a mãe. — Está acabando com você ficar naquele apartamento, você devia estar se recuperando e seguindo a sua vida, mas fica olhando o Guto com a Sophia o tempo todo, te faz mal.
— Faz sim. — Assumiu. — Mas eu superei coisa pior, mãe. Você pode ter certeza que não vai ser isso que vai me derrubar. — Levantou e foi dar um beijo na mãe. — Eu vou indo. Diz um "oi" pro meu pai, mesmo ele não querendo.
— Se você não for conversar com ele, nunca vão se entender. — Solange seguiu o filho até a porta. — Um dos dois tem que dar o primeiro passo.
— Ele não acredita que eu sou inocente, nem eu mesmo acredito. Por isso que eu não falo nada, ele vai me perguntar o que aconteceu naquela noite e eu não vou saber responder.
— Você não é culpado! — Disse com certa raiva. — Você é o maior romântico que eu conheço, Micael. Fora que é bonito, charmoso, essa garota quis você!
— Não tem como saber, mãe. A não ser que ela apareça do nada confessando a verdade. — Deu outro beijo na mãe. — Vou indo, outro dia eu te ligo, tá bem?
— Eu espero que ligue mesmo. — Abraçou o filho apertado e o observou ir embora.
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Micael chegou ao prédio pouco mais de oito da noite, era muito cedo, os dois com certeza ainda estariam na sala e não queria vê-los. Ficou sentado no hall, conversando com o porteiro de plantão por horas, quando subiu, já passava de meia-noite.
Enfiou a chave que tinha ganhado do amigo na fechadura e quando abriu, se surpreendeu ao ver Augusto no sofá, mexendo no notebook, no escuro como um fantasma.
— Boa noite. — Cumprimentou e caminhou para dentro, não queria mais brigas com ele, era melhor até não falar nada.
— Micael, espera. — Ouviu a voz amigável chamar e se virou, ainda parado longe. — Será que podemos conversar?
— Já conversamos cedo, eu entendi o recado e disse que estou fazendo de tudo pra sair do seu caminho o mais rápido possível. Não vejo o que mais há pra ser dito. — Cruzou os braços e observou, Guto passou as mãos no cabelo, parecia nervoso.
— Me desculpa. — Pediu e surpreendeu o amigo, que abriu a boca. — Eu fui um babaca de manhã, não devia ter falado metade das merdas que disse.
— Não. — Disse seco. — Mas eu entendo o seu desespero, Sophia troca de amor rápido.
— Não fale assim.
— Está na hora de assumirmos que a nossa amizade acabou. — Micael caminhou pra perto de Guto com as mãos no bolso. — Acabou faz tempo, na real.
— Nada disso! — Franziu a testa. — Somos amigos da vida toda, Micael! Nossos pais são amigos! Isso não vai acabar por conta de uma mulher.
— Você jogou na minha cara os meus maiores medos, Augusto. Todas as minhas inseguranças sobre ter alguém e seguir a minha vida. Você jogou como se não fossem nada.
— Eu estava com ciúme, estava não, eu estou! — Confessou. — Eu odeio o cara inseguro que me tornei, mas é isso.
— Não se preocupe, já disse que não vou atrapalhar vocês. Vou chegar tarde, sair cedo e não pretendo ver ou falar com vocês enquanto estiver aqui. — Augusto negou com a cabeça. Não vou comer ou usar as coisas daqui. Vai ser como se eu já não estivesse mais.
— Não seja absurdo! — Disse alto. — Você acha que eu vou te negar um prato de comida?!
— Você me expulsou daqui, eu não duvido de nada. Hoje eu vou pôr o meu celular pra carregar e tomar um banho, tudo bem? Prometo que a partir de amanhã eu já venho com isso pronto.
— Você está sendo muito dramático. — Rolou os olhos. — Para com essa porra.
— Boa noite, amigo. — Disse num tom diferente e saiu de perto. Sem esperar resposta.
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Na manhã seguinte, ele se arrumou e saiu bem cedo, não tinha visto o casal, como havia planejado. Foi até o escritório de sua agente, onde tinha visita obrigatória toda semana.
— Bom dia, Micael. — A mulher corpuda com cara de brava disse assim que entrou. — Aqui, comece assim. — Arremessou um potinho de urina e ele pegou sorrindo. — Atrás do biombo, rapaz.
E lá foi Micael mijar no pote pela décima quinta vez, agradecia aos céus por não serem exames de sangue. Tampou o pote, fechou a baguilha e lavou as mãos na pequena pia.
— Aqui está. — Viu a mulher etiquetar o pote e colocar numa cestinha.
— Vamos lá, tem aprontado, Micael? — Ela perguntou séria, na tentativa de pegar ele na mentira pela expressão. — Saiba que estou aqui pra te ajudar, se aconteceu algo que não devia, preciso saber.
— Não, ando cumprindo todas as regras. — Afirmou sem titubear.
— Emprego, conseguiu?
— Ainda não, ninguém sequer me chama pra entrevistas, está muito complicado. — Falou com pesar.
— Eu sinto muito, mas você precisa de um emprego formal logo, isso vai ajudar muito você.
— Vânia, e aquele meu pedido pra mudar de endereço, que deixei aqui faz algumas semanas? — A mulher levou as mãos ao rosto e abriu a gaveta, tinha uma expressão de culpa.
— Me desculpa, eu acabei esquecendo de enviar a sua solicitação! — Confessou ao pegar o papel pardo com o nome de Micael. — Enviarei hoje mesmo.
— Ah, não! — Resmungou. — Você tinha me dito que levaria semanas depois de enviado e nem sequer enviou, o prazo de semanas permanece o mesmo!
— Eu tenho muitos presos em condicional pra olhar, Micael. É muita coisa na minha cabeça. — Disse com autoridade. — Você aguarda mais um tempo onde está, logo tudo vai ser resolvido.
— Estou morando com a minha ex e o atual marido dela. Consegue imaginar que estou a ponto de ser expulso de lá? — Manteve o tom bravo. — Eu preciso mudar de endereço.
— Vou enviar hoje. — Deixou em cima da mesa. — Aguenta mais um pouco, já já vai se resolver. Podemos continuar o questionário?
— Tenho opção? — Disse mal humorado e a mulher negou com a cabeça, continuando aquele monte de pergunta idiota.
Micael saiu de lá desapontado, esperava conseguir resolver sua vida de uma vez, mas aquilo parecia impossível. Viveria preso aqueles dois por sabe-se lá quando tempo.
Foi pro único lugar onde tinha paz, a casa de Arthur, passou no restaurante e ele lhe deu a chave. Ficou sozinho vendo televisão por horas.
— Vai ficar aí se lamentando? — Ouviu Arthur dizer por trás dele, havia acabado de subir, estava de mãos dadas com Laura. — Você está péssimo.
— Não é como se eu tivesse muito o que fazer. — Se lamentou ainda mais. — Eu estou no meio de um pesadelo.
— Dramaaaaaaa! — Laura debochou. — Vai conhecer gente, ficar com outras garotas...
— Que garota quer ficar com um estuprador, me diga? — Observou a amiga rolar os olhos. — Não é tão simples quanto parece.
— Ué, você é obrigado a contar sua vida inteira pra uma estranha? — Laura respondeu com mais deboche ainda, ele não sabia como era possível. — Não estou te mandando casar, mas pode curtir a vida.
— Não, obrigado. Prefiro ficar na minha sofrendo.
— Aí, a Sophia nem é tudo isso. — Arthur rolou os olhos. — Magrela demais, falta bunda ali. — Micael o olhou surpreso com o comentário. — Que é? Estou mentindo? Vamos jogar mulheres em cima de você, e com essa cara de bandido mau, todas vão ficar querendo te dar.
— Da última vez que eu comi alguém, fui preso. — Avisou brincando. — Não sei se quero de novo.
— Errado, a última vez que você comeu alguém foi a noiva do seu amigo talarico. — Laura respondeu sem pudor e Micael arregalou os olhos, surpreso. — Que foi? Ela me contou essa merda.
— Viemos aqui tentar te animar. — Arthur se sentou também. — E ver se você quer trabalhar no restaurante.
— Está falando sério? — Gritou empolgado. — É claro que eu quero.
— Não sabe nem o que vamos oferecer.
— Aceito qualquer coisa! — Reforçou. — Qualquer coisa que me faça esquecer a vida tenebrosa que eu tenho.