Micael ficou ansioso por notícias depois da visita da mãe. Nunca tinha tido tanta vontade de sair como tinha agora, que se encheu de esperanças de que fosse acontecer.
— Você devia relaxar. — Bruno estava de pernas pro ar. Depois de tanto tempo na mesma cela, os dois aprenderam a conviver. Gil já havia conseguido a liberdade. — Ficar nesse nervoso todo não vai agilizar o processo.
— Eu não aguento mais ficar aqui, essa é a verdade. — Se sentou na cama. — Porra, minha mãe veio e encheu minha cabeça com expectativa pra sair daqui, coisa que eu nem cultivava. O advogado dela disse que me tiraria daqui em uma semana.
— Se passaram quatro dias. — Bruno deu risada. — Pra fechar a semana tem mais três.
— Eu ainda sem fazer conta, cuzão. — Bruno ergueu a mão e ficou em silêncio, rindo do nervoso que Micael passava.
E a angústia levou ainda mais aquele dia. Na manhã seguinte, por volta de nove da manhã, um guarda bateu na grade e acordou alguns detentos que ainda dormiam.
— Borges! — Chamou e Micael não demorou a se apresentar. — Vamos, seu dia de sorte. — Ele sorriu, ansioso pra se livrar daquilo. Se despediu dos colegas com um breve adeus e saiu, atrás do guarda, sem levar nenhum de seus pertences.
Micael caminhou pra fora da área da carceragem e já se sentia livre antes mesmo de sair, um sorriso estava amplo em seu rosto. O agente o fez sentar em uma pequena salinha com uma cadeira e logo lhe entregou um documento.
Não demorou a ler e logo descobriu que se tratava da soltura. Estava em condicional, não podia ficar fora até tarde, dormir fora do endereço citado. Receberia visitas em dias aleatórios para testes de drogas.
— Esse endereço, não tem como mudar?
— Esse é o endereço que o seu advogado disponibilizou no primeiro momento, quando você foi preso. Para mudança, vai levar uns dias, precisa trazer um comprovante de residência atualizado.
— E eu continuo preso até trazer os documentos? — O guarda assentiu e Micael negou com a cabeça, e assinou sem pensar duas vezes. — Você pode solicitar mudança, é só conversar com o seu agente de condicional, mas não é algo rápido, acredito eu.
— Tudo bem, eu aguento um tempo lá. — Entregou uma cópia e ficou com a segunda. Em seguida foi encaminhado pra fora. Respirou fundo e sorriu, o céu parecia diferente, o ar parecia diferente.
— Ei, vai ficar aí olhando pro céu? — Ouviu a voz da mãe e olhou para os lados, procurando. — Vamos tomar café da manhã, aposto que faz tempo que não come um queijo Brie.
— Faz tempo que eu não como queijo. — Abraçou a mãe. — Obrigado, mãe.
— Eu não fiz nada, filho. — Lhe deu um beijo na bochecha. — Nada que não devesse ter feito há muitos anos.
— E meu pai? — Perguntou ao ver a mãe sozinha no carro. — Ainda com vergonha do filho estuprador dele?
— Filho, fala a verdade pra mamãe, você fez isso com a moça? Eu sei que não convivemos muito, mas eu sei que te criei bem.
— Eu não lembro. — Colocou o cinto de segurança e suspirou. — Passei quase cinco anos tentando me lembrar do que aconteceu aquela noite, mas eu não consigo.
— As vezes é até melhor, você tenta esquecer o que passou e recomeça sua vida.
— Impossível esquecer todos os anos que passei aqui, mas eu vou tentar. Tudo que eu quero é realmente esquecer e superar.
.
.
.
Após o café da manhã com a mãe, a mesma tentou fazer com que o filho fosse com ela pro hotel. Disse que podiam encontrar um apartamento pra ele e que o manteria até que conseguisse sozinho.
Micael teve calma pra explicar que tinha que ficar no endereço que havia sido cadastrado como seu no início do processo.
A mãe aceitou por hora, mas disse que não iria embora assim tão rápido. Micael pediu carona até o restaurante de Arthur e perto das duas horas ele desceu e bateu a porta do carro.
— Obrigado por tudo mãe. — Disse pela janela do carona. — Você foi incrível.
— Toma aqui. — Entregou uma caixa pra ele, que não demorou a perceber que era um celular. — Qualquer coisa me liga, eu já contratei um bom plano e vou pagar por ele, não me diga que não. Preciso de você comunicável.
— Tudo bem! — Pegou a caixa e se afastou, observando a mãe dar partida e sumir de sua vista. Micael caminhou pra dentro do pequeno restaurante a passos lentos e sorriu ao perceber o quão lindo era o pequeno negócio do amigo.
— Boa tarde! — Um garçom simpático o atendeu. — Posso lhe encaminhar pra uma mesa?
— Na verdade, gostaria de conversar com Arthur. — O garçom franziu a testa. — Eu sou um amigo de longa data, ele está?
— Está sim, sente ali. — Apontou pra uma mesa pra dois. — Eu vou ver se ele pode te atender. — Micael assentiu e se sentou. Olhou em volta mais uma vez e sentiu seu estômago roncar, fazia tanto tempo que não via comidas tão apetitosas que não importava se tinha comido há pouco tempo com a mãe. — Oi, ele pediu a você pra entrar. — O garçom avisou. — Segue reto nesse corredor, primeira a direita. — Micael assentiu e então entrou, bateu na porta e recebeu permissão. Arthur quase caiu da cadeira.
— VAI SE FODER! — Gritou e foi abraçar o amigo. — Quando que você saiu? O que aconteceu?
— Hoje de manhã. — Deu de ombros. — O advogado conseguiu me tirar de lá por bom comportamento. — Tirou o papel do bolso e mostrou a Arthur. — E por ter cumprido um terço da pena.
— Teu endereço fixo é na casa do Augusto? — Perguntou com uma sobrancelha erguida. — Alguma brincadeira de mal gosto?
— Foi o endereço que o primeiro advogado deu, eu até tentei trocar, mas antes eu preciso arranjar um lugar. — Suspirou. — Não acho que vai ser fácil, a parte dois do inferno começa agora.
— Ué, mora comigo. — Ofereceu. — Sabe que eu moro sozinho aqui em cima. — Apontou pro alto. — É melhor do que você ficar na casa do Augusto.
— Está dizendo isso por causa da Sophia?
— Estou dizendo isso porque os dois vão casar. — Micael tentou, mas não conseguiu disfarçar a careta. — Você não vai viver naquele apartamento com os dois recém casados, de denguinho pra cima e pra baixo. Isso vai ser torturante.
— Vai. — Assumiu. — O tempo que passei preso eu usei pra me concentrar em esquecer da Sophia, eu não quero perder a amizade com o Guto, e se os dois se apaixonaram é um problema deles.
— Já vê logo isso de mudar o endereço, pra ficar o menos possível naquela casa.
— Eu vou ter que conviver com os dois de qualquer forma. — Arthur deu risada. — Está rindo com deboche por quê?
— Você nunca os viu junto, vai doer.
— Não estou dizendo que não vai, quero dizer, pra você eu não estou dizendo isso. Pra eles eu direi, ou você acha que eu vou assumir a dor de cotovelo? — Arthur riu mais. — Eu não vou correr atrás da Sophia e nem disputar ela com ninguém. Já perdi isso, deixa ela ser feliz.
— Parece fingido às vezes. — Avisou. — Só vendo pra você entender.
— Ela já mora com ele?
— Não. — Arthur respondeu rápido. — Mas parece que sim, vive lá.
— Mas comigo lá ela vai evitar ir, aposto.
— Eu duvido que ela vai ficar longe do momozão dela. — Arthur afinou a voz pra imitar e Micael o olhou sem entender.
— Momozão?
— Momozão e momozona. — Respondeu sério, mas não demorou aos dois caírem na risada. — É ridículo demais, pra piorar eles ainda afinam a voz pra falar.
— Como a Sophia se prestou a esse papel ridículo?! — Continuava rindo. — Vou ser obrigado a rir na cara deles.
— Melhor rir do que chorar. — Deu de ombros. — Você quer almoçar?
— Eu até quero, mas acabei de chegar de viagem, sabe que não tenho um tostão. — Arthur fez uma careta debochada. — É a minha realidade.
— Eu não estou pedindo teu dinheiro, Micael. Que tipo de amigo você acha que eu sou? Te ofereci minha casa e você acha que eu vou te cobrar um prato de comida?
— É sempre bom deixar tudo as claras. — Ergueu a mão.
— Que história é esse de que chegou de viagem?
— Não quero que saibam que estive preso, será que podemos dizer que estava fora do país, por isso que não sei das novidades?
— Pode deixar, de mim ninguém vai saber. — Caminhou até a porta. — Vamos lá almoçar, imagino que sua barriga não deve saber o que é uma comida boa faz tempo.