Voltando um pouco as horas, ainda na Terça feira, mais cedo - Vidigal
Alice narrando...
Eu e a Júlia ficamos assim aninhadas, juntas.
Eu me sentia mais leve , por ter contado tudo pra alguém. Até então só a minha mãe sabia.
Sabia por alto, tirava as próprias conclusões dela....como entrar em detalhes sobre isso com ela?
Não...não dava!
Eu não tinha desabafado com mais ninguém, era uma prisioneira das minhas lembranças, dores...só tinha a mim mesmo para conselhos, para falar comigo mesma, noite após noite, que talvez o amor não fosse pra mim.
Não esse, não o amor que eu via todo dia frente a mim, acompanhando meu irmão e Luana.
Esse final feliz...não, ele não era pra mim.
Era isso que minha mente me falava, toda vez que eu pensava...
Todos ao meu redor, me cuidavam tanto, me protegiam tanto, que me sufocavam...na verdade, parecia mais que eles não me viam...viam apenas uma figurante, que estava sempre sendo fundo para alguma cena , que não era a minha.
A Júlia continua fazendo carinho nos meus cabelos, pegando finas mexas ,trançando para depois desembolar.
Minha mãe era obcecada em organizar tudo á forma dela...eu sempre ouvia o Deco reclamar , mas não tinha idéia da dimensão das coisas, até crescer...acordar.
Desde decoração de casas, festas - Até a minha festa junto com a da Luana, mesmo ouvindo o Deco dizer que ela não gostava de comemorações grandes...
Ela era super contra o relacionamento deles no início...lembro bem! E ela se metia, dava informações pra Lohana, recebia ela sempre na nossa casa da Barra...
Ela sempre quis o controle de tudo, é muito claro isso pra mim!Vejo ela fazer isso comigo o tempo todo, desde sempre!
_Acho que sua mãe chegou! - A Júlia esfrega um pouco a mão no meu cabelo, pensando que eu estava dormindo.
_Uhum _ Eu também tinha ouvido o barulho do carro.
Impossível...O que eu sentia pelo Ramon era impossível vingar...não era só minha mãe dizendo...Era a minha mente, era ele próprio, era a Júlia...
A Júlia!
Sempre porra louca, como ela mesmo se auto entitulou...Até ela achava!
Me encolho mais.
Eu amo tanto...
Lembro de uma vez em que perguntei a Luana lá em casa, na pista, quando ela estava grávida da Sol e ia fazer exames, o que era amar alguém , como ela dizia amar meu irmão...
Ela disse que o amava tanto que doía, que o amava mais que a ela mesma...na hora eu entendi como se fosse algo estranho, como amar alguém mais que a si próprio...e então ela me explicou o que queria dizer e a visão dela fez todo sentido
"É quando vc passa por cima da sua dignidade,passa por cima da sua familia, passa por cima e todos os sinais que a sua inteligencia dá,dizendo pra vc pular fora. É quando vc se põe em risco,sem pensar duas vezes. É quando,mesmo sabendo que o cara que vc está tem uma vida muito dificil,muito...complicada,o maior medo que vc tem é perde-lo. Vc não teme pela própria vida,mas sim ,pela vida de quem vc ama!"
Na época eu fiquei feliz por ouvir aquilo, pelo meu irmão, mas pensei que jamais passaria por cima da minha família por alguém...ou teria que me preocupar com o fato de temer pela vida de outra pessoa, que não fossem aqueles da minha família!
Agora eu sei bem o que ela quis dizer!
Eu temo pelo Ramon, eu temo muito!
Hoje sei quem minha família é ,e o poder que tem...sei quem é meu pai e quem é meu irmão...sei o que minha mãe pode ...e ela pode muito!
Eu não quero arriscar a vida do Ramon...Eu não quero nem que ele vá pra essa guerra!
Eu sei que a minha mãe vai articular as coisas, fazer o que for capaz para afasta-lo de mim... E se ela deixar o Deco saber disso, Ele volta na hora...Ele não vai confiar em alguém que tenha traído a confiança dele, eu sei que não vai!
Agora eu sabia tudo, agora eu sabia de tudo que ele era capaz, de tudo que minha mãe é capaz.
Eu não quero ser motivo da desgraça da minha família e muito menos, ser a derrota do Ramon!
O que ele fez com o Pablo...eu causei...eu não imaginei que ele chegaria tão longe!
Não que ele não fosse capaz, mas eu estava há muito tempo vivendo como fundo de cenário para filmes alheios...não acreditei que ele me colocaria de protagonista logo agora!
Minha mãe abre a porta do quarto, visivelmente perturbada. Talvez a Júlia não tenha notado, porque ela mantém a pose, mas eu vi e logo sentei na cama.
_Querida, a mesa de café está posta! Tem...- Ela subiu o óculos, se dirigindo a Júlia - Vai lá! A Alice vai depois - ela olhou pra mim - Precisamos conversar!
A Júlia entendeu na hora e desceu.
Até a gata sentiu o clima e na mesma hora pulou da cama , passando pela porta.
Minha mãe a fechou em seguida.
Pegou a roupa que usei ontem no show, jogada no canto da poltrona do quarto e deu uma olhada.
Ela sabia que não era minha, estranhou, mexendo a sobrancelha e me encarando , enquanto sentava na poltrona.
_Me conta tudo!
Eu senti um frio na espinha
_Tudo o quê?
_Vocês tem se encontrado?
Eu arregalei os olhos, porque ela foi muito direta e ia responder quando ela fez um sinal com dedo pra mim, me cortando.
_E não minta pra mim! Eu acabei de ir até ele!
Deixei meus ombros caírem e olhei pra minha mão.
Eu ia mesmo mentir.
O que eu temia aconteceu...Ela foi ameaçar ele!
Enquanto sentia minha mão suar e as náuseas começarem a surgir, eu apenas olhava pro lençol na cama. Não tinha coragem de encará-la. Não depois do que aconteceu com o Pablo.
_Ele não quer nada comigo, você pode ficar tranquila!
Silêncio
_Então você foi mesmo...- Ela encostou na poltrona, seus olhos me queimando como um laser.
Fiz que sim com a cabeça.
_Olha pra mim!
Eu olhei com uma lágrima correndo na bochecha.
_Onde - você - pretende - chegar? - Ela falou cada palavra marcada, ali com as pernas cruzadas e um tom baixo, potente, quase feroz. Parecia uma rainha, com os braços sobre as laterais da poltrona.
Fiz que não com a cabeça, secando a lágrima que seguia uma outra, olhando pra baixo e de novo pra ela.
_Não sabe...não é?
Eu mexia nos meus dedos.
_Só está seguindo seus instintos...querendo se divertir...não é?
Voltei a baixar a cabeça.
_Sabe... hoje me dei conta de algo... - Seu tom era de autoridade de mãe, de chefe de família que sempre foi, tendo que resolver as coisas sempre.
_Ele não está pronto!
Levantei a cabeça, inegávelmente assustada com o que ela estava dizendo.
O que ela quer dizer com isso?
_Eu sempre suspeitei que não...Mas eu estava desesperada que meu filho saísse disso o quanto antes!
O Deco...sim, ela queria que ele fosse embora o quanto antes...
Ela completou
_Você acha mesmo que eu aceitei que um ninguém como ele assumisse o lugar de novo dono de tudo aqui fora, na eminência de defender meu filho , para então entregar a ele a minha filha?
Eu sentia outra lágrima tímida, envergonhada, rolar.
_Você entende o que está em jogo? Você entende o papel dele?
Fiz que sim com a cabeça.
_Não sabe! - Ela mexe no cabelo e retoma - Eu precisei ouvir da boca desse...desse...
Eu olhei pra ela, que se conteve
_ Precisei ouvir que os esforços dele em te manter distante não são suficientes!
Ela dá um riso de consternação
_Ele disse isso...na minha cara! - Ela está indignada e eu posso entender - Ele disse que usou "muitos artíficios" pra te afastar e NENHUM DELES ADIANTOU! - Finalizou a frase, puta.
Fechei os olhos apertados ao ouvir isso, porque doía...era verdade e doía como quebrar um membro.
Pior...Era a dor de um coração quebrando.
_Ele não está pronto...Eu sei que ele não será capaz, já vi que ele não é obediente, ele não acata ordens, não aceita... OLHA PRA MIM!
Eu olho na mesma hora.
_Ele é indomável...eu vi hoje que a petulância , a arrogância , o ego dele é sem limites! Ele está a serviço dessa família, da sua família! E tem, nesse momento a missão mais importante da vida de qualquer um que se coloque na posição que ele está, que é recuperar a comunidade mais complicada do Brasil inteiro!
Sinto um mal estar terrível.
_Eu vou aguardar apenas esse momento... É justamente por esse momento que eu vou aguardar - ela repete pra que fique bem claro e eu não tiro os olhos dela - Quando essa missão acabar, ele também acaba!