Na segunda feira e primeiro dia do mês de junho, os alunos estavam entusiasmados com a entrega das notas. Camila, Paty, Henrique e Lia aguardavam ansiosos na sala de aula da 1000A. Lucas estava com eles enquanto elas não eram anunciadas.
— Sabe, eu não consegui gabaritar em tudo — Lucas comentou, parecendo um pouco nervoso. —, mas eu fiz o meu melhor para não errar nada. A gente pode errar duas questões pelo menos, não?
— Você tem certeza de que, se conseguir passar de ano, vai querer continuar estudando aqui na I.E.T? — Paty perguntou. — Bem, aqui é muito puxado para os bolsistas. Sem falar das injustiças.
— Claro que quero. Se alguém da minha cidade possuir um diploma da I.E.T, vai ser uma conquista e tanto.
— Gabaritar em tudo eu também não consegui. — Henrique falou. — Ainda bem que a nota mínima para mim é seis.
— Não precisa jogar na cara! — Lucas brincou, o que fez Henrique rir.
Alguns minutos depois, Lucas voltou para sua classe, e o representante, Christian, entrou na sala com alguns papéis na mão. Ele parou na frente do quadro e começou a chamar os estudantes.
— Venice Scarlett. — Venice foi até o encontro do garoto e pegou o papel. Olhou sorridente para Melina e amostrou à amiga o conteúdo da folha. Elas deram gritinhos baixinhos. — Patrícia Narciso. — Paty se levantou e foi até Christian, pegou a folha e se sentou.
Camila olhou para o papel na mão da menina, e Henrique se empoleirou na mesa, se curvando para frente para ver também.
— Nossa, Paty. — Ele disse, surpreso. — Você conseguiu tirar dez em tudo...
— Menos em Química. — Ela bufou. — Eu sei que acertei todas as questões na prova, mas com certeza o Professor não gostou de eu ter questionado ele sobre o conteúdo.
— Mas tirou nove e meio.
— Não estou surpresa. Mas parabéns, Paty. Você merece. — Camila a parabenizou.
— Verdade. Parabéns, Paty. — Henrique fez o mesmo. — Você é muito inteligente.
— Obrigada, gente. — Ela sorriu, orgulhosa.
— Pedro Miranda. — Camila escutou o representante falar.
Pedro, o garoto que havia tido sua prova tomada em História, foi até Christian pegar o resultado. Quando o fez, olhou para o conteúdo e, no mesmo instante, a raiva foi visível em seu rosto. Ele rasgou a folha, a transformou em uma bolinha e jogando-a no chão, saindo da sala em seguida, de cara emburrada, e batendo a porta com força. Um burburinho tomou conta do local.
— Com certeza repetiu. — Henrique cochichou para Camila e Paty.
— Leyla Scarlett.
Sentiu seu coração dar um pulo. Se levantou e foi na direção do representante, nervosa pelo resultado. E se ela não conseguisse? Iria fracassar até nisso?
Pegou a folha e caminhou de volta ao seu lugar, ainda sem olhar o conteúdo. Ao se sentar, respirou fundo e olhou para o papel. No alto da folha, viu o brasão das duas espadas azuis escuras entrelaçadas, ao lado do nome da escola:
Instituição de Ensino de Telúria.
Resultado das notas dos Exames prestados pelo(a) Aluno(a): Leyla Scarlett Brugière
Biologia: 7,0
Educação Física: 9,5
Filosofia: 8,0
Física: 6,0
Geografia: 8,5
História: 6,0
Literatura: 8,0
Matemática: 6,5
Português: 7,5
Sociologia: 9,0
Química: 10,0
O(a) aluno(a) está:
Aprovado(a)
Camila sorriu e suspirou de alívio. Havia conseguido passar de ano. Pelo menos conseguiu essa conquista antes de morrer. Desfez o sorriso ao pensar nisso, e uma angústia enorme tomou conta de si, novamente.
— Deixa-me ver. — Camila entregou a folha à Henrique, que após passar o olho por ela, sorriu. — Parabéns, Leyla! Não estou surpreso, para falar a verdade. — Ele lhe entregou de volta.
— Henrique Minelli.
O garoto se levantou para ir pegar o resultado de suas notas. Paty pegou a folha das mãos de Camila e após percorrer o olho por ela, disse:
— Você foi bem. — Paty lhe deu um sorriso quase imperceptível. — Olha pelo lado bom, você conseguiu passar de ano!
Camila retribuiu com um sorriso desanimado. Havia notado a diferença de tratamento por parte de Paty. Antes, a menina sempre a tratava rispidamente e a ignorava, até mesmo quando estavam tentando descobrir sobre o assassino de Leyla. Sabia que Paty estava com pena dela, porém, também sabia que a garota tinha noção de que era apenas questão de tempo até o assassino agir novamente.
— Passei! — Henrique foi radiante na direção delas, sorrindo. — Passei! Passei!
— Parabéns, Henrique! — Camila o parabenizou.
— Vocês passaram, gente? — Lia foi até eles.
— Sim. — Henrique respondeu. — E você?
— Eu também. — Ela sorriu.
— Eu já sabia que vocês iriam passar. — Paty explicou. — Agora temos que ver se o Lucas conseguiu.
☿ ☿ ☿
— RESPEITA! — Lucas berrou de felicidade quando encontraram o garoto no corredor. — EU PASSEI! — Ele disse enquanto pulava. — EU VOU CONTINUAR NA I.E.T!
— Que bom, Lucas! — Lia disse, radiante. — Eu fico muito feliz por você.
— Eu sou muito inteligente, vocês precisam admitir. — Ele sorriu convencidamente.
— Agora a nossa única preocupação é o baile. — Lia comentou.
Sentiu-se angustiada novamente. Queria ser uma adolescente normal, com preocupações de uma adolescente normal. Queria que a sua única preocupação fosse o baile, e não esperar por sua morte.
As aulas haviam sido suspensas depois daquele dia. No sábado, seria o tão esperado baile, e os alunos da primeira série do ensino médio pareciam ser os mais ansiosos por participarem, já que seria a primeira vez deles em tal evento.
Camila, por outro lado não estava nem um pouco a fim de ir no baile. Não tinha ânimo para isso. Além do mais, possuía outras coisas para se preocupar. Desde que soube que o assassino morava junto dela, sua atenção foi redobrada dentro da mansão, pois sabia que seu fim poderia chegar a qualquer momento.
Não conseguia dormir direito já havia algum tempo. Depois do término das provas, não tinha mais com o que se preocupar além de sua morte que poderia ser repentina, e sua mente ficou livre para atormentá-la.
Tinha pesadelos frequentes, e neles, havia uma pessoa de preto que sempre a perseguia e conseguia pegá-la, no final. Acordava assustada quase todas as noites por conta disso, quando não se pegava aos prantos, algumas vezes. Sentia-se exausta, e se perguntava por que era tão azarada por tudo que estava acontecendo. Por que justo com ela?
Ultimamente, passava noites em claro, e quando conseguia dormir, acordava durante a madrugada. Em uma dessas vezes, teve impressão de ver a sombra de uma pessoa por de baixo da porta de seu quarto, no meio da noite. Sentiu o desespero tomar conta de si quando teve a impressão de estarem forçando a maçaneta. Felizmente, desde que chegou àquele mundo, nunca confiou nas pessoas daquela casa, e quase sempre trancou a porta.
Lembrou-se de quando acordou com Alice a chamando. Poderia ter sido o assassino em seu lugar. Por sorte, eram raras as vezes que esquecia. Esse hábito pode ter salvado sua vida várias vezes. O assassino poderia muito bem ter entrado no quarto e a matado caso ela não fizesse isso.
Na quinta, foi lhe entregue, por um funcionário, uma correspondência que continha o conhecido brasão das duas espadas azuis escuras entrelaçadas, ao lado do nome da escola.
Instituição de Ensino de Telúria
Para: Leyla Scarlett Brugière
Rua Artória, 34
Marion
Quando abriu a carta, viu que parecia ser uma espécie de bilhete, ou convite. Já imaginava do que se tratava. Ouviu dizer que os alunos recebiam o tal convite para o baile por meio de cartas. Alguns diziam que isso era totalmente antiquado, pois estavam no século vinte e um. Outros, achavam legal, pois a escola continuava com o costume que sempre teve nos séculos passados.
Instituição de Ensino de Telúria
Diretor Pablo Bennist
Prezada Aluna Leyla Scarlett,
Temos o prazer de lhe informar que fora convidada para o seu primeiro baile em nossa escola. A I.E.T gostaria de lhe dar boas-vindas ao nosso evento. O baile ocorrerá no dia 6 de junho, às 19:00H. Contamos com sua ilustre presença para comemorar sua aprovação deste ano letivo. É permitida a entrada de um acompanhante não-estudante, caso este seja seu par.
Atenciosamente,
Nidalla Bennist
Vice-Diretora
Quando acordou no sábado de manhã, a primeira coisa que fez foi checar se havia alguém atrás da porta, no lado de fora do quarto, a esperando para matá-la.
Percebendo que não era o caso, suspirou de alívio. Pensou que não iria viver nem até o dia do baile. Em seguida, desceu a escadaria de mármore da mansão, coberta pelo longo carpete vermelho e foi em direção ao corredor que dava acesso à Sala de Jantar. Quando entrou no local, encontrou a família Scarlett sentada sobre a mesa.
— Estávamos falando de você, Leyla. — Miguel comentou assim que a notou entrando pela porta.
— De mim? Sobre o quê? — Perguntou enquanto se sentava.
— Sobre o baile do ensino médio que irá ter hoje. Bem, a gente estava discutindo se alguém iria ir com você. — Ele riu debochadamente. — Como seu irmão, posso dizer que não é muito saudável olhar para essa sua cara feia por muito tempo.
Jean gargalhou com o comentário do irmão, o que fez toda a comida mastigada em sua boca aparecer. Ele começou a tossir, parecendo ter se engasgado.
— Você está falando que nem a Venice. — Maria comentou.
— Não me compare com aquela sebosa! — Miguel olhou zangado para a irmã.
— Ainda tinha isso. — Carla suspirou. — Eu pensei que as aulas de vocês haviam terminado, por isso já dei férias ao Bartolomeu.
— Não se preocupe, talvez eu não vá. — Camila falou.
— Se não tivesse despedido aquele seu amiguinho segurança, poderia ter ido com ele.
Camila ergueu as sobrancelhas para Carla. Ir com Heliberto seria totalmente estranho e anormal. Por que ela sempre insistia em colocar Heliberto nessas posições estranhas?
— Você terminou com ele, não foi? — A mulher perguntou.
— Q-quê? N-não! — Sentiu se constrangida. — Ele só é meu amigo!
— Sua mãe poderia te levar. — Daniel sugeriu. — Seus amigos devem estar lá. Por que não procura... se divertir?
Olhou surpresa para Daniel. Desde quando ele se importava se ela iria se divertir ou não?
— Por que não leva você? — Carla perguntou friamente ao marido.
— Porque vou estar ocupado hoje à noite. Terei que ficar no trabalho até mais tarde.
— E desde quando se importa com a diversão das pessoas?
— São nossos filhos, Carla. É claro que eu me importo, diferente de você!
— Do jeito que você sempre foi incompetente, pensei que havia se esquecido que tinha filhos.
Daniel torceu a boca, parecendo irritado.
— Hoje não saio muito tarde do trabalho. — Carla suspirou e olhou para Camila. — Espero que já tenha se decidido até eu voltar. — Foi tudo o que disse antes de se levantar e sair do local.
Quando acabou de tomar café, saiu pelo corredor em direção ao quarto. Porém, antes mesmo que conseguisse dar mais do que apenas alguns passos, uma voz a chamou:
— Leyla! — Parou e se virou, vendo Daniel, e esperou ele caminhar até ela. — O que houve?
— Com o quê? — Se sentiu confusa com a pergunta.
— Sua mãe pode não ter percebido, mas eu sim. Você anda estranha. Tem algo te incomodando?
Não respondeu. Apenas encarou o olhar penetrante do homem à sua frente. Apesar de a incomodar, não era nada intimidador se comparado com o de Carla.
— Está sim. — Finalmente disse, estranhando a pergunta. Daniel podia não ser tão rude e frio quanto sua esposa, mas também não parecia ser o tipo de pessoa que se importava assim com os filhos. — Deve ser impressão sua.
— Sabe que pode confiar em mim, não sabe?
Apenas balançou a cabeça positivamente. Era legal da parte dele se preocupar, mesmo sendo esquisito, e se sentiu bem com isso. Nunca teve muitas pessoas em sua vida que se preocupasse com o que ela sentia.
Logo em seguida, assistiu Daniel seguir seu caminho pelo corredor.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Camila segurava a carta que recebera da I.E.T, olhando-a enquanto se encontrava sentada no sofá, na sala da mansão. Estava pensando se deveria ir ou não, afinal, nunca havia sido convidada para nada do tipo em toda a sua vida.
Talvez fosse bom para sair do tédio, já que não havia muito o que fazer naquela mansão. Seria uma boa distração. Além disso, poderia ser uma boa experiência antes de morrer.
Não chegou a pensar nas coisas que queria fazer antes de partir, e se pegou refletindo nisso. Nunca conseguiria realizar tais desejos. Sempre quis ir a um planetário; olhar para o céu em uma noite estrelada do alto de uma montanha e fazer um piquenique.
De repente, sentiu uma estranha sensação de déjà-vu com o último pensamento. Por um segundo, teve a impressão de ver árvores grandes e verdes acima de si, e parecia ter duas pessoas a sua frente. No momento seguinte, se pegou tentando lembrar do que aconteceu, e apenas soube que, seja o que fosse, parecia ser uma lembrança. Porém antes que conseguisse, uma voz a fez despertar de seus devaneios:
— Senhorita. — Alice a chamou quando entrou na sala. — Sua tia quer te ver.
Sentiu uma pequena chama de felicidade se acender dentro de si. Poderia ver Ximú pela última vez.
Se levantou em um salto e seguiu para o corredor que levava ao saguão. Chegando lá, viu Ximú parada ao lado da mesinha de centro do local. Ela sorriu ao ver Camila, e acenou logo em seguida.
Camila esperou Alice — que havia saído da sala logo atrás de si — ir para outro local antes de falar com Ximú.
— O que está fazendo aqui? — Sorriu de volta.
— Eu vim te ver. Sou uma Scarlett, posso vir a hora que eu quiser. Ao que parece, Carla não deu uma ordem aos seguranças do portão para não me deixarem entrar, apesar de seja lá o que aconteceu entre ela e Angelina. E bem, eu fiquei com saudades!
— Eu também.
— Sabe, eu fiquei preocupada depois que você saiu daquele jeito do sexto andar, ou Andar Proibido, como você chama. — Ximú desfez o sorriso. — Como você está?
— Eu queria poder dizer que bem. Infelizmente, aquele ocorrido com o Henry não é o pior de tudo.
— N-não? — Ximú lhe lançou um olhar preocupado. — O que aconteceu?
— Descobri que a pessoa que está tentando me matar mora aqui na mansão. — Sussurrou.
Ximú prendeu a respiração e colocou as mãos sobre a boca.
— Co-como assim?
Contou tudo o que teorizou junto de Paty e sobre o que descobriu até aquele momento, o que fez Ximú parecer ainda mais assustada.
— M-mas isso é grave! Não pode continuar aqui, Camila! Por que não vem morar comigo e Heliberto? Seria legal ter mais alguém, já que o Godofredo não está mais lá. — Ela colocou uma expressão chateada no rosto. — Aquela humana, a suposta esposa do Godofredo, conseguiu levar ele há alguns meses. E dessa vez, entraram pela lareira. Mas então, o que acha sobre a minha proposta?
— Ainda tem a questão de a O.P.U saber sobre mim. Isso atrairia eles até vocês.
— Eu e Heliberto conversamos outro dia a respeito disso. Somos todos Viajantes, e somos amigos. Se tivermos que passar por algum perigo, temos que passar juntos.
— É muito perigoso, não quero pôr vocês em risco. Mas obrigada mesmo assim. — Deu um sorriso sincero à Ximú. Era bom saber que alguém que se preocupava com ela. — Eu queria poder ver o Heliberto antes de... morrer. — Se sentiu angustiada novamente.
— Por isso você tinha que ir morar com a gente! Sobre a O.P.U, poderíamos pensar em algo depois. Mas já que você não quer, eu sei de uma outra maneira que você poderá vê-lo novamente. Eu soube que hoje terá um baile na sua escola, e vou aproveitar a oportunidade para passar despercebida para ir me encontrar com o Henry.
Sentiu raiva ao escutar o nome de Henry. Como Ximú poderia continuar o ajudando depois de sua mentira? Além disso, ainda tinha sua desconfiança a respeito da teoria de Paty.
— Eu concordei em ajudá-lo até o final. — Ela se explicou ao ver o olhar de repreensão que a garota lhe lançou, parecendo ler seus pensamentos. — Diferente dele, eu mantenho minhas promessas. E pelo menos uma boa notícia: ele conseguiu fechar o Portal.
— Isso é bom. Agora mais ninguém vai precisar passar pelo o que estamos passando. Eu me pergunto como estão os outro Viajantes. — Se pegou pensativa sobre. Pelo que Henry havia lhes dito, muitas pessoas haviam ido para lá. — Mas o que isso tudo tem a ver com o Heliberto?
— Eu vou levá-lo comigo. — Ela deu seu típico sorriso cheio de entusiasmo.
— Ah..., você não acha que... seria perigoso para ele? O Heliberto pode ser meio histérico, às vezes.
— Eu já havia conversado com ele sobre isso. Meu irmão já sabe o que iremos fazer. E eu sei que vai correr tudo bem. Além disso, ele está com saudades. Aliás, você já tem um par para o baile? — Camila balançou a cabeça negativamente. — Pronto, agora já tem! Ele vai ser seu par. Isso vai facilitar as coisas, caso sejamos pegos.
Não era uma má ideia. De acordo com a carta, parecia que poderia levar alguém consigo, mesmo que não fosse um estudante. Não teria problema nenhum, afinal.
— Vamos te mandar uma mensagem quando chegarmos. — Ximú sorriu entusiasmadamente.
Camila ainda se encontrava pensativa sobre a teoria de Paty, e se perguntava se realmente seria seguro Ximú continuar se encontrando com Henry. Se o Cientista fosse mesmo um traidor, ele poderia entregá-la a qualquer momento.
— Você não acha que Henry ainda poderia... trabalhar para a O.P.U? — Perguntou repentinamente.
Ximú a olhou, confusa.
— Como assim?
— Bem..., você acha que tem chances de ele estar nos traindo?
— Cla-claro que não. Eu confio no Henry. Ele não mentiria para nós sobre isso.
— Igual ele mentiu sobre nos ajudar a voltarmos para nosso mundo? Bem, eu não confio mais nele!
— Mas ele não mentiria sobre isso. Eu sei que não. — Ximú deu uma pausa, parecendo pensativa. — Bom, eu já vou indo. Nos vemos no baile! — Ela sorriu.
Camila lhe retribuiu com um sorriso amarelo, antes de vê-la se encaminhar até a porta e ir embora. Não estava com um bom pressentimento sobre isso.
Às seis e quarenta, Carla já havia chegado do trabalho e Camila conversou com ela sobre sua decisão de ir ao baile, que aceitou, mesmo que de má vontade, levá-la à escola.
Já estava arrumada, apenas esperando pela mulher. Como Leyla não tinha vestidos, colocou uma calça jeans preta, assim como o moletom e o tênis. Esperava que a deixassem participar, mesmo não usando vestidos, pois era a única coisa que tinha.
— Vamos logo. — Carla disse enquanto descia a escadaria. — Mas você talvez se atrase um pouco. Não tive tempo de comer nada. Vou parar em algum lugar para comer antes.
— Talvez no baile tenha comida. Eu não sei se eu vou aguentar comer lá se eu comer com você.
— Eu falei que eu iria parar para comer, não que nós duas iríamos. Vamos.
Caminharam para fora da mansão, atravessaram o jardim e entraram no carro vermelho. As duas ficaram em silêncio por vários minutos, até o veículo parar em um estacionamento do que parecia ser um restaurante, onde alguns outros automóveis se encontravam estacionados. Ao sair do carro, pôde ver melhor o estabelecimento.
Um tapete vermelho levava até a entrada, onde havia uma porta de vidro, assim como as janelas. As paredes do restaurante tinham um tom de vinho. Haviam vários postes com luzes amarelas e chiques, junto de arbustos, em cada lado do caminho feito pelo tapete vermelho.
No alto da porta, o nome do restaurante se encontrava escrito em um letreiro aceso, com a luz amarela, com um fundo vinho: Albária Armentô.
Ao entrar pela porta dupla de vidro fumê, Camila viu que o local era extremamente chique, como aparentava ser pelo lado de fora. As paredes tinham o mesmo tom de vinho do lado externo. Várias mesas de carvalho escuras cobertas com toalhas da mesma cor das paredes estavam localizadas em direções opostas, fazendo um corredor em que o tapete vermelho que estava no lado de fora, na calçada, se estendesse por todo o lado interno também.
Ambas se sentaram em uma mesa livre, ao lado da janela de vidro fumê, de onde podia ser visto o carro de Carla, no estacionamento, ao lado do restaurante.
A mulher pegou um cardápio que estava sobre mesa e começou a lê-lo. Alguns segundos depois, um garçom foi até a mesa.
— Quero uma sopa de mosterim e um suco de maracujá. — Carla disse ao Garçom, que anotou seu pedido antes de sair.
Camila ficou confusa com o pedido de Carla. Que tipo de comida era aquela?
— É..., o que é mosterim? — Ela resolveu perguntar.
Carla juntou as sobrancelhas e lhe encarou.
— É comida albareza.
— Você quis dizer albanesa?
— O quê? — Ela a olhou com confusão. — É albareza.
— Mas não é comida da Albânia?
— O que é Albânia?
— Um país?
— Albária, você quer dizer.
Camila a olhou confusa, mas logo se lembrou de que estava em outro mundo. Muitos países existentes no Mundo Um não existiam ali.
— Eu já sabia que você era burra, mas pensei que soubesse o básico de Geografia. — Carla suspirou.
Alguns minutos depois, a tal sopa chegou. Camila não conseguiu decifrar o que eram aquelas coisas na tigela de porcelana. Era um tipo de comida que nunca viu antes.
Um barulho estrondoso a fez pular de susto, de repente. Pareceu estar vindo do lado de fora.
Olhou em direção à janela. Havia algo em chamas no estacionamento; as labaredas de fogo eram altas e fortes. Elas dançavam, e faziam as luzes dos postes, que haviam lá, parecerem fracas.
Escutou um falatório vindo de dentro do restaurante e olhou em volta. Todas as pessoas que estavam ali pareciam chocadas e olhavam para o objeto em chamas. Algumas, que estavam mais ao fundo do restaurante, se levantaram para conseguirem ver.
Seu olhar pousou em Carla, e notou que seu rosto estava pálido. Logo, percebeu o porquê ao perceber que se tratava de um veículo em chamas, mais especificamente, a quem pertencia.
Era o carro de Carla.