- JOANA FLORES -
Sentados à mesa de jantar, eu me sentia diante do conto a bela e a fera, já que Gael me olhava como se fosse me devorar a qualquer momento.
O que eu mais odiava nele, era aquele olhar altivo e aquele maldito sorriso confiante que ele exibia dizendo sem palavras que com seu dinheiro ele conseguiria tudo o que quisesse, incluindo controlar a minha vida.
Formos servidos por Luzia que chamávamos de Luz. Ela era uma senhora já avançada em idade, de corpo franzino, olhos castanhos claros e cabelos grisalhos. Pelo pouco que conversamos, ela se mostrou uma pessoa amável, embora eu tivesse dificuldades para confiar nos funcionários daquela besta humana.
A comida estava com um cheiro delicioso, embora tivesse uma aparência peculiar.
Esses ricos e seus costumes de comer coisas estranhas.
Gael sentado à minha frente, deu partida no jantar se deliciando com aquela comida junto de Isabel que estava sentada ao seu lado, enquanto eu os observava sem nenhum apetite.
— Não vai comer? — Ele perguntou deixando os talheres na mesa para me observar.
— Não tenho fome! — falei entre os dentes.
Nos encaramos por um longo tempo, havia uma rivalidade terrível entre nós, e o clima pesado poderia se sentir a "mil anos luz" de distância.
— É uma comida francesa. Sei que é diferente do que você está acostumada a comer, mas, pelo menos tente ser educada, e não faça desfeita a Luz que certamente passou horas trabalhando nisso.
Bufei irritada, quem ele pensava que era?
E quando eu estava prestes a dar uma resposta, Isabel resmungou do seu lugar dizendo que não conseguia cortar o filé que havia em seu prato.
— Eu te ajudo — ele falou levando as mãos em direção ao prato da minha filha.
Um pequeno fleche de lembrança atravessou a minha memória, daquele homem nojento, quando tocou em minhas mãos pela primeira vez, tentando ganhar a minha confiança até conseguir se aproveitar de mim. Meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração apertou no peito.
Aterrorizada, gritei:
— Não toca nela!
Todos olharam em minha direção, inclusive ele que desistiu de ajudá-la.
— Mamãe, não pode falar assim com o príncipe. — Minha filha me repreendeu.
Gael deixou a falsa postura gentil e fez uma careta de desagrado, jogou o guardanapo em cima da mesa e apoiou seus punhos nela, virou seu rosto em minha direção com o semblante duro e irritado. Eu conseguia facilmente ver um nó se formar entre meio as suas sobrancelhas.
— Quer saber de uma coisa? Deveria aprender bons modos com a sua filha, ela parece ser mais inteligente que você!
Ele se levantou da cadeira e nos deu as costas.
— Príncipe onde você vai? — Perguntou Isabel em tom desapontado.
— Pedi a fome, pequena — ele respondeu já subindo os degraus das escadas de mármore.
— Viu o que você fez, mamãe? — Reclamou ela. — Agora ele vai ficar triste! — Ela cruzou os bracinhos irritada.
***
Dormir naqueles dias eram um verdadeiro desafio, pois mesmo aquele imbecil ter mandado preparar um quarto lindo para mim e para a minha filha, achei mais apropriado dormimos juntas no meu quarto e com a porta trancada.
Sei que era inútil, se aquele demônio quisesse fazer algo comigo, certamente ele teria uma chave reserva, mas trancar a porta pelo menos me transmitia a sensação de segurança.
Deitei na cama abraçada com Isabel.
— Mamãe, você me disse que gritar com as pessoas é feio. Então porque gritou com o Príncipe? — Perguntou minha pequena.
— Desculpa, filha.
— Não, não! Lembra quando eu gritei com a titia da creche e você me fez pedir desculpas? Agora é sua vez de pedir desculpas ao príncipe.
— Ele não é um príncipe! — Murmurei zangada.
— É sim mamãe, ele é o príncipe e você a dama em apuros.
— Filha, contos de fada não existem.
— Claro que existem, mamãe.
Ah! Teimosa.
— Se continuar me apoquentando com isso, vou jogar todos esses livros bobos fora! — Resmunguei. — Então é melhor você fechar os olhos e dormir porque já está tarde, me entendeu bem? — Esbravejei me sentindo culpada por ter estragado o jantar.
Eu estava tão cansada que acabei adormecendo sem perceber. Acordei no dia seguinte com batidas na porta do quarto. Era Cristina, ela me entregou o uniforme escolar da minha filha, e disse que deveríamos estar prontas para o café da manhã em vinte minutos.