E eu vou me certificar de manter a minha distância
Digo "eu te amo" quando você não está ouvindo
Quanto tempo podemos continuar com isso?
Distance - Christina Perri (feat. Jason Mraz)
Acordo meio desorientada e volto a fechar os olhos quando sinto a luz forte da manhã batendo no meu rosto, vindo da janela que ficou aberta a noite toda.
Em algum momento durante as conversas e risadas da noite anterior eu havia caído no sono, provavelmente no meio do segundo filme que estávamos assistindo.
Finalmente crio coragem de abrir os olhos e a primeira coisa que vejo é a TV ainda ligada à minha frente, que agora passa algum jornal da manhã. Não preciso nem olhar para saber que Arthur também seguiu o mesmo caminho que eu ontem a noite
Me viro delicadamente em sua direção e encontro seus olhos fechados em um sono profundo e sereno, os cachos bagunçados caídos preguiçosamente por todo lado, inclusive na frente da sua testa. Pois é, ele sugeriu a maratona de filmes e acabou caindo no sono também.
Sorrio comigo mesma.
Não é a primeira vez que acabamos pegando no sono enquanto vemos um filme durante a madrugada, mas acho que agora vai demorar um bom tempo para isso voltar a acontecer.
Um barulho de carro na rua chama minha atenção, e eu desvio o meu olhar para a claridade forte da janela, e isso é o suficiente para me fazer despertar de qualquer pensamento.
Hoje é quinta, e pela claridade do lado de fora já dá para saber que meu despertador não vai demorar a começar a tocar One Direction. Preciso me arrumar e ir para o colégio.
Me sento na cama e acabo esbarrando a mão no balde de pipoca quase vazio, que está entre Arthur e eu no meio da cama.
Ontem, durante os primeiros minutos de comerciais na TV, eu aproveitei para me levantar e fazer uma pipoca de panela para a gente. Arthur até se ofereceu para me ajudar, mas é claro que eu recusei sua ajuda. Uma vida inteira de pipocas queimadas me fizeram aprender a lição. Então deixei ele encarregado de apenas encher nossos copos de suco, a tarefa menos arriscada para suas "habilidades" na cozinha.
Pego o controle, que também está jogado na cama, e desligo a TV.
— Arthur, precisamos acordar. — o chamo baixinho, e a única resposta que eu recebo são seus resmungos incompreensíveis. Tá para nascer alguém com sono mais pesado que esse garoto.
Rio da cena.
Minha mente acaba me levando a pensar, de novo, sobre a conversa que tive com as meninas na terça-feira. Já tomei minha decisão sobre não contar, por todos os motivos que já remoí para mim mesma várias vezes.
Mas, mais vezes do que posso contar, a vontade de dizer tudo bate em cheio. Como está acontecendo agora.
Abro um sorriso triste.
— Eu te amo – sussurro quase inaudivelmente. — Como bem mais que um amigo.
Pronto, agora eu contei para ele, como elas sugeriram. Ele não estar consciente disso é só um mero detalhe.
Tomo um susto quando Arthur abre os olhos e olha diretamente para mim, e o pavor que eu sinto é grande o suficiente para me desequilibrar. Em um minuto eu estou na cama e no outro eu caio de costas direto para o chão, me estatelando no piso duro como um saco de batatas.
— Ai – murmuro, fechando os olhos ao sentir a pontada de dor nas minhas costas que bateram no chão com tudo.
— Você está bem? – Abro os olhos ao ouvir a voz de Arthur, o encontrando sentado na beira da cama, me encarando de cima com a testa franzida e um olhar confuso.
— Estou – afirmo, me sentando no chão enquanto massageio as minhas costelas.
— Como foi que você foi parar aí embaixo? – ele pergunta, sorrindo.
— Eu só escorreguei – desconverso, e me levanto de uma vez. — E então… – começo a falar, e pigarreio a garganta antes de continuar. — A gente acabou caindo no sono, não é? – Solto uma risadinha sem graça.
— Pois é. Mas você dormiu antes de mim – ele afirma, sorrindo abertamente, e volta a se deitar de costas na cama, pondo a mão por trás da cabeça. — Eu quase terminei o último filme antes do sono me pegar.
— Hmm – murmuro, me virando para a escrivaninha e fingindo procurar alguma coisa no meio das minhas maquiagens.
Ele não parece ter escutado o que eu falei, mas não vou ficar em paz enquanto não tiver certeza.
— Está acordado a muito tempo? – questiono, ainda virada de costas para ele.
— Não. Acordei só a tempo de ver você caindo da cama, depois de ter sonhado com uma coisa meio louca – ele afirma, e solto o ar que nem percebi que estava segurando, me sentindo aliviada.
Volto a me virar para ele, encontrando seu rosto sério me observando.
— Com o que estava sonhando? Teve um pesadelo? – questiono.
— Não. Nem me lembro mais o que era. – Ele desvia o olhar e se senta na cama de súbito, pegando seus tênis que estão jogados ao lado da cama e já começando a calça-los. — Que horas são, hein?
Olho para o relógio na minha mesa de cabeceira.
— Seis e dez.
— Tenho que me arrumar. Não posso me atrasar para o penúltimo dia no trabalho, né? – Ele termina de amarrar os tênis e se levanta da cama. — Quer carona para o colégio? – oferece, parando ao meu lado.
— Pode ser – aceito, abrindo um sorriso.
— Ok. Então eu te vejo daqui a pouco – ele se vira e sai, fechando a janela antes que eu possa dizer qualquer coisa.
Quando tenho certeza que estou sozinha, me jogo de costas na cama, puxando o ar para os meus pulmões de forma ruidosa.
Essa foi por muito pouco.
•••
Menos de meia hora depois, saio de casa já prontinha para começar o dia.
Não preciso esperar muito por Arthur, já que ele já está me esperando no carro em frente a sua casa.
Sem sair do carro, ele abre a porta do lado do carona para mim. Abro um sorriso, ajeito a alça da mochila nas costas e caminho até ele.
— Demorei muito? – pergunto quando me sento ao seu lado.
— Não. Também acabei de chegar – ele diz, já ligando o carro.
O rádio do carro está ligado numa estação de notícias locais qualquer, o que eu estranho bastante. Durante todos esses meses que o Arthur está usando o carro do pai, a única coisa que tocou nesse rádio foram músicas que ele gosta.
— Posso por outra coisa? – Ele me encara com a testa franzida. Aponto para o rádio e ele apenas balança a cabeça em um gesto de afirmação.
Começo a mexer nas estações até encontrar uma que está passando uma música boa.
— Já resolveu tudo para a viagem? – questiono. Evitei o assunto esse tempo todo, mas agora, faltando só quatro dias para a viagem, já está passando da hora de aceitar que ela vai acontecer.
— Quase tudo.
— Seu espanhol é péssimo, mas acho que com o tempo e ouvindo a língua todo dia, vai conseguir se adaptar, não é? – comento. Há alguns tempo atrás, quando eu tinha uns 11 anos, meus pais e os de Arthur colocaram nós dois em cursinhos de meio período de inglês e espanhol. Mas, na língua que deveria ser a mais fácil, por ser a mais parecida com o português, nós dois nunca fomos muito bem.
— Acho que sim. Mas o inglês vai ajudar – ele diz, com o olhar ainda fixado no trânsito.
— Tem razão – concordo. — Está animado para a viagem? – volto a perguntar, querendo saber mais dos seus planos.
— Uhum – ele murmura. Franzo a testa. Arthur está super monossílabo, o que não é nada normal para ele.
Ele parece bem concentrado na estrada à sua frente, o rosto tenso, maxilar travado e testa franzida. Além de tudo isso, também está segurando o volante com tanta força que os nós dos seus dedos estão brancos.
Isso é bem estranho, levando em consideração que ele estava super normal quando acordamos essa manhã.
Levo a mão até o colar distraidamente, tentando adivinhar o motivo para ele estar assim.
— Ainda está usando isso? – Arthur pergunta, parando em um sinal vermelho.
— O quê? – questiono, sem entender o que ele quer dizer, mas logo lembro do colar que ainda estou segurando. — Ah, é. Estou sim. Não tirei mais ele desde o show. – Sorrio. — Você também não tirou o seu – observo, me referindo ao colar com pingente de pedrinha verde que ele comprou no Rio.
— Pois é. Acho que acabei me apegando a ele. Tô pensando até em dar um nome – ele brinca, me fazendo sorrir.
Esse sim é o meu Arthur.
— A gente podia fazer alguma coisa amanhã, não acha? – ele pergunta. O sinal vermelho abre e ele começa a dirigir, sem apertar o volante dessa vez.
— Tipo o quê?
— Sei lá. – Ele encolhe os ombros, com os olhos concentrados na estrada. — Shopping, cinema, restaurante... – começa a pontuar as opções. — O que você quiser.
Franzo a testa, meio confusa com o convite repentino. Mas logo depois minha ficha cai, e eu entendo a razão. Sexta é nosso último dia para fazer alguma coisa juntos, já que depois vem a festa de encerramento do colégio e no domingo Arthur vai estar ocupado com os últimos preparativos para a viagem.
— Ou a gente pode ficar em casa e eu cozinho para você – ele oferece, cortando minha linha de pensamentos.
— Sem chances! Prefiro viver. – Faço o sinal da cruz com os dedos.
— Ah, deixa disso. – Ele ri. — Andei pesquisando umas receitas novas e...
— Sem essa, Arthur – corto. Não quero passar os dias que antecedem sua viagem presa no banheiro. Ou no Pronto Socorro. — A gente vê um filme. É bem melhor – e mais seguro também, acrecento mentalmente.
O aspirante a assassino da culinária volta a rir.
— Cinema então?
Nossa última visita ao cinema antes da viagem de 6 meses dele...
Abro um sorriso triste antes de responder.
— Acho que cinema é uma boa opção.
•••
Esse é o penúltimo dia de aula antes do recesso, e é claro que ninguém está muito interessado em nada hoje.
Exceto pela Helô, pois assim que eu e a Alice chegamos na mesa do pátio onde ela e o Diogo já estão ocupando, ela abre um sorriso para mim e já faz a pergunta:
— E então, Cris, o que você decidiu? Vai contar?
Sorrio e me sento na cadeira desocupada ao lado dela, colocando minha bandeja com lanche em cima da mesa.
— Já contei – afirmo. Alice e Heloísa arregalam os olhos em surpresa e abrem sorrisos tão grandes quanto o do Gato de Alice no País das Maravilhas. — Enquanto ele estava dormindo – completo, fazendo os sorrisos sumirem.
— Ai, Cristine, pelo amor! Não faz isso com meu coração não. Eu quase tive uma síncope aqui – Helô dramatiza.
— Do que vocês estão falando? – Diogo pergunta, franzindo a testa.
— São só assuntos de meninas – Helô desconversa, escorando a cabeça no ombro dele e piscando para mim.
Apenas sorrio e balanço a cabeça de leve. No último mês Arthur e Diogo ficaram bem próximos, então é bem melhor ele não saber dessa história toda.
Começamos a conversar sobre outros assuntos e isso dura todo o almoço, até que o intervalo chega ao fim e nos despedimos, cada um seguindo para sua sala.
Alice e eu somos da mesma turma, então seguimos juntas pelo corredor. Mas, quando vejo ninguém mais, ninguém menos que Theodoro parado no corredor a nossa frente, tentando lidar com as muletas que foi obrigado a usar depois do "acidente", vejo a oportunidade perfeita para deixar os dois se encontrarem sozinhos.
— Amiga – começo a falar, já parando de andar. — Tô morrendo de sede. Então vou passar no bebedouro antes de ir para a sala, tá? – Sorrio, e antes que ela possa dizer alguma coisa, já viro de costas e começo a andar no sentido contrário dos outros alunos.
Se não for por mim, a vida amorosa dessas duas não vai para a frente, penso, enquanto ando sem destino pelo corredor.
— Cristine! – ouço alguém me chamar e me viro na direção da voz, encontrando Diogo vindo apressado na minha direção, com seu cabelo loiro (que ele parece decidido a nunca mais cortar), caindo por cima do seus olhos. — Eu queria mesmo falar com você – ele diz ao parar na minha frente.
— Comigo?
— É. Mas é impossível falar com você sem a Heloísa estar por perto. – Franzo a testa, sem entender onde ele quer chegar com essa conversa.
— Ok. Então pode falar. – Cruzo os braços em frente ao corpo e espero.
— Eu… – Do nada suas bochechas e pescoço ganham uma cor avermelhada, num claro sinal de constrangimento. Mas ele logo parece se recuperar, pois ajeita a postura e continua, sem hesitar dessa vez: — Quero pedir a Helô em namoro, e só queria uma dica de como… é... você sabe, fazer isso.
Abro um sorriso gigante.
— Isso é sério? – Ele assente. — Finalmente, hein? Achei que nunca fosse pedir! – Seu rosto fica ainda mais vermelho.
Esse garoto é bem fechado, mas no fundo é um fofo.
— Então… – começo a falar, enganchando o braço no dele e o puxando para que a conversa aconteça enquanto voltamos para as nossas respectivas salas. — Eu tenho uma ótima ideia de como você pode fazer isso…
Sorrio.
A Heloísa não sabe o que a espera na festa de sábado.
Não esqueça de deixar seu voto!