Uma Nova Vida Real [One Chica...

By RaniGouveia

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"- Não há registros de uma Amanda Rodrigues, em nenhum lugar do mundo... É como se ela não existisse". Amanda... More

Playlist
Personagens Principais
Dedicatória
Trailer
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 30.1
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
NOVIDADE!!!

Epílogo

582 44 72
By RaniGouveia

São Paulo, SP, Brasil

— 3 anos depois


Mais um dia fracassado, o cansaço de Amanda gritava, mas isso não a faria desistir, por mais que a vontade de fazê-lo fosse enorme. Estava exausta, chegando num limite que já não sabia quanto tempo duraria as forças para não desistir daquela busca que parecia inútil. Três anos se passaram e ela ainda se via presa ao que foi arrancado dela.

Ao soltar o corpo no sofá e fechar os olhos, tentou afastar a saudade, sem sucesso. Lembrava de cada sorriso, cada abraço, cada brincadeira. Aquilo tornava tudo ainda mais doloroso e difícil. Quando foi jogada no universo de Chicago, não se lembrava do passado. Mas agora... lembrava de tudo com muita clareza.

— Ah! Já chegou. — A voz de Clarissa a fez abrir os olhos e tombar a cabeça para olhá-la, sem mudar de posição no sofá. — Nada ainda?

Amanda apenas negou com a cabeça e se levantou, indo até a mulher de pele clara e olhos azuis como os de Pedro.

— Quem é essa mulher que precisa encontrar?

— Uma pessoa importante para alguns amigos. — Respondeu, logo se lembrando de Voight, Justin e Erin, um sorriso triste brotou em seus lábios — talvez ela saiba como posso reencontrar esses amigos que... Eu perdi contato.

— O Pedro te faz muita falta, não é? — a pergunta trouxe um silêncio pesado, cheio de dor e lembranças. Então Amanda cobriu a mão da mulher com a dela.

Quando voltou ao mundo real, teve algumas respostas depois que conseguiu se acalmar e raciocinar. No dia que foi para Chicago estava voltando do velório de Pedro, seu melhor amigo e irmão adotivo, que faleceu ao sofrer um acidente de carro. Dar-se conta daquilo triplicou a dor de deixar Chicago. As palavras de Mia fizeram mais sentido, o que a puxou para o Universo que era seu ponto de paz e refúgio, foi a dor de perder a única pessoa que lhe deu uma família. E naquele dia, ela desejou, em meio a lágrimas dolorosas, ao estacionar o carro em um dos lugares preferidos dela e Pedro, ir embora dali, ir para um lugar onde se sentisse em casa e tivesse uma família como Pedro era para ela. Então a vida, Deus ou alguma força que ela não entendia, realizou seu desejo.

"O tempo funciona diferente aqui e no mundo real". E realmente funcionava, como Mia lhe disse. Oito meses em Chicago, foram apenas algumas horas dentro do carro, com a testa apoiada nos braços sobre o volante.

— Como é mesmo o nome da moça que está procurando? — Clarissa quebrou o silêncio e respirou fundo, se afastando para disfarçar as lágrimas que se formaram depois que Amanda assentiu em resposta.

— Ana. Ana Barroni.

Clarissa assentiu devagar ao ouvir a resposta.

— Espero que a encontre. — Amanda apenas deu um leve sorriso com uma ponta de tristeza. Era tão dificil se manter confiante.

— Também espero.

•••

— Mais 2 anos depois

Talvez Ana, Chicago, tudo que viveu, foi um sonho. Um sonho bem real, mas apenas um sonho. Foi isso que Amanda passou a acreditar.

Aquela tarde de buscas que não levaram a lugar algum, foi a última vez que procurou por Ana ou qualquer pista de caminho que a levasse de volta a Chicago. O cansaço falou mais alto e ela decidiu que precisava seguir em frente e deixar tudo aquilo para trás. Nos anos que se passaram depois disso, Amanda se obrigou a viver o presente.

Fez alguns amigos, se é que podia chama-los assim. Algo dentro dela sempre a fazia afasta-los quando se aproximavam demais.

Se apaixonou, mas tudo desandou quando viu que não tinha futuro. O que poderia esperar ao se declarar pro médico boa pinta, garanhão e extremamente bom de cama, depois de uma única noite que dormiram juntos?

Talvez tenha sido emocionada demais por causa do constante esforço para ocupar um espaço de seu coração que sempre parecia vazio demais. Por mais que tentasse ao máximo negar que esse espaço existia.

Amanda fez de tudo para afastar a dor que deixava escondida embaixo de muitas camadas de trabalho, relacionamentos rápidos como um trem bala e amizades vazias que não passavam de companheiros de bebedeira e festas. Mas essa dor sempre vinha à tona em pequenos momentos em que se via vulnerável demais, perdida demais, sozinha demais.

Clarissa via tudo isso de longe, com o peito apertado, sem saber direito o que fazer para ajudar. Sentia falta da Amanda que conheceu quando Pedro era vivo, a Amanda de vinte e dois anos, de riso fácil e os olhos brilhantes, altivos. Sabia que a morte de Pedro a quebrou, mas pensou que depois de alguns meses, ela iria se reerguer. E por um tempo, pensou que esse processo estava em andamento. Então, a viu entrar num looping de descrença e desanimo nos últimos dois anos. Ela parecia estar vivendo a vida no controle automatico, sem qualquer vontade de criar laços ou qualquer tipo de relação que a conectasse com outras pessoas, momentos ou histórias. Até seus gostos e hobbies pareciam ter sido abafados por ela com uma toalha quente.

Numa tarde, ao chegar do trabalho, Clarissa estava cozinhando, quando Amanda chegou com os olhos cansados e a maquiagem borrada abaixo dos olhos. Sabia que era sua folga e ao que tudo indicava, ela saiu do trabalho na noite anterior e foi para alguma festa. Com um leve sorriso, cumprimentou a mãe e depois de pegar uma garrafa d'água, foi na direção do quarto.

— Vai querer almoçar? — Clarissa perguntou antes de ouvir a porta se fechar.

— Vou dormir um pouco, quando acordar eu janto. Não se preocupa, não bebi tanto quanto parece, é mais sono mesmo. — Em seguida o trinco da porta do quarto ecoou e Clarissa respirou fundo.

Apesar de estar levando a vida tão no controle automático, Amanda ainda era a boa moça que conhecia. Nunca foi imprudente ou derespeitosa. Era apenas uma pessoa desiludida.

Uma mensagem chegou no celular sobre a bancada, tirando a atenção da mulher das panelas.


"Clarissa, quanto tempo! Como está a vida?

Estou de volta a São Paulo, Bianca está louca para te conhecer. Podiamos marcar um almoço, só me dizer quando pode."


Clarissa franziu o cenho por um momento, fazia tanto tempo que não via o amigo. Um investigador da polícia que conheceu na época da faculdade e se tornou um grande irmão de coração. Ele tinha se mudado para os Estados Unidos quando se separou e agora estava casado novamente, e de volta a São Paulo...

Parou e arregalou os olhos. Uma luz se acendeu em sua cabeça, lembrou-se claramente do dia que chegou em casa e Amanda estava com o olhar distante, três anos depois do falecimento de Pedro. Não sabia se o fato de não ter encontrado a pessoa que procurou por anos, influenciou no estado de espirito atual de sua menina. Mas se antes ela não tinha ideia como ajuda-la, agora estava claro feito água.

Respondeu a mensagem do amigo rapidamente e na mensagem seguinte disse que precisava da ajuda dele para encontrar uma pessoa. Levando a mão à testa, fechou os olhos e forçou a mente a voltar àquela tarde em que Amanda disse o nome da mulher. Foram necessários apenas alguns segundos, para o nome aparecer como um letreiro em néon na sua frente.

— Ana Barroni, por favor, apareça. Precisamos encontrar você. Seja você quem for.

Aquele sexto sentido de mãe dizia, ou melhor, gritava que encontrar aquela mulher traria sua Amanda de volta, seu brilho e sua esperança. E gritava ainda mais alto que sim, ela seria encontrada. Que não estivesse extremamente errada.

•••

— 12 de Fevereiro

Naquela mesma semana, o investigador mandou para Clarissa o resultado de suas buscas. E não poderia ter vindo em melhor hora, pois era o aniversário de 29 anos de Amanda. Então guardou o envelope contendo três endereços, até aquele dia, para entregar o presente.

Deu duas batidas na porta do quarto da filha com o café da manhã. Não sabia quais eram seus planos para o dia, por isso decidiu já inicia-lo entregando o envelope, torcendo para que aquilo a fizesse feliz.

— Bom dia, aniversariante do dia! — Empurrou a porta com o corpo, segurando uma bandeja contendo uma cestinha de pão de queijo quentinho, cappuccino com chantilly, torrada com geleia de morango e um brownie de chocolate. Tudo que Amanda amava no café da manhã nem um pouco saudável.

— Não precisava tudo isso, Clari. — Sorriu ao se espreguiçar para se sentar na cama. Encostou-se na cabeceira e prendeu os cabelos num coque mal feito no topo da cabeça. — Mas não vou reclamar, porque o cheiro de pão de queijo já fez meu estômago roncar.

Clarissa se sentou na beira da cama e colocou a bandeja nas pernas de Amanda, com um sorriso satisfeito.

— O que é isso? — Amanda questionou franzindo o cenho ao notar um envelope preso na bandeja. — Eu não iria reclamar de ganhar passagens para a Itália de presente. — Deu um sorriso sapeca antes de dar uma mordida no pão de queijo.

— Não dessa vez. — Clarissa abriu um leve sorriso e colocou a mão sobre a de Amanda, antes que abrisse o envelope. — Antes que abra, quero dizer que fiz isso porque sei que foi algo importante pra você por alguns anos e talvez aí esteja a resposta que procurava.

Com o coração levemente apertado e confusa, Amanda olhou para o envelope por alguns segundos antes de abri-lo. Quando leu a pequena lista de três endereços e telefones de contato, de mulheres chamadas Ana Barroni. Arregalou os olhos e depois franziu a testa para Clarissa.

— O que é isso? E como você...?

— Desculpe não ter pensado nisso quatro anos atrás, mas um amigo que é investigador voltou para o Brasil e ao entrar em contato comigo, me veio a ideia de pedir para ele procurar por ela.

— Eu não preciso mais disso. — Guardou de volta os papeis no envelope e o colocou sobre a comoda ao lado da cama, como se não fosse nada. Como se não se importasse. A mesma forma que se acostumou a agir nos ultimos anos, para absolutamente tudo.

— Seja quem for essa pessoa que procura, ou seja qual for a resposta que precisava dela, ainda por estar aí, em algum lugar. Você tem uma nova chance de tentar encontra-la, é uma droga se arrepender de não tentar, Mandy.

— Sim, sei disso. Só percebi que não quero mais ficar presa ao passado incerto, se tenho um presente para viver. — Respirou fundo e abriu um sorriso agradecido — mas obrigada pelo presente e pela intenção.

•••

— Seis meses depois

Amanda entrou em casa com os olhos vermelhos e inchados, sentindo que o peso do mundo estava todo em suas costas. Ao passar pela porta, a dor voltou com toda a força, quase a derrubando. Cada ponto da casa que a abrigou por tantos anos, que se tornou seu lar, agora parecia tão triste e frio, lembrava a mulher que a amou como filha, que foi a unica mãe que conheceu em vinte e nove anos.

Com as lagrimas molhando seu rosto novamente, soltou a bolsa no chão e escorregou encostada na porta até sentar no piso gelado. Estava sozinha, completamente sozinha. Primeiro a morte levou seu melhor amigo e irmão, agora sua mãe Clarissa. Então fechou os olhos e apoiou a cabeça na mão, lembrando dos muitos momentos que passou ao lado da mulher e de toda a alegria que ela emanava.

Um longo tempo se passou, até Amanda pegar no sono ali mesmo, no chão, enquanto as lágrimas secaram em seu rosto.

Acordou com as costas doloridas e o pescoço quase travado. Se sentiu tão patética que daria risada de si mesma se não fosse a tristeza que a dominava por dentro. Levantou devagar, meio cambaleando, e notou pela janela que já anoitecera. Respirou fundo e se arrastou até o quarto, precisava urgente de um banho quente.

Perdeu a noção de tempo no chuveiro, mas quem a julgaria? Não tinha nem mesmo quem a julgasse, mas que merda.

Ok, chega de autopiedade, Amanda. Não seja tão dramática.

Pensou consigo mesma enquanto vestia um pijama.

Ao sentar na cama, abriu a primeira gaveta da cômoda para pegar os fones de ouvido que deixava guardado ali. Então uma coisa chamou sua atenção. O envelope que Clarissa lhe deu seis meses antes, no seu aniversário. Ficou estática, o olhando fixamente, como se a qualquer momento pudesse saltar em seu rosto e ataca-la. Fechou a gaveta, balançando a cabeça e se aprumou na cama, colocando os fones de ouvido.

"(...)é uma droga se arrepender de não tentar, Mandy."

A voz de Clarissa ecoou em sua mente e ela sentiu o peito apertar um pouco. De olhos fechados, jogou a cabeça para trás na comoda e suspirou. Não tinha mais ninguem, sentia-se sozinha como nunca antes. O que tinha a perder? Se não a encontrasse naqueles endereços, apenas teria a confirmação do que já tinha aceitado por cinco anos. Mas se a encontrasse, poderia finalmente ter respostas, entender de verdade tudo que aconteceu.

Sabia que em Chicago, nunca se sentiria sozinha. Tinha uma familia lá. E se Ana soubesse como voltar?

Amanda tombou a cabeça para o lado, fitando a gaveta fechada que parecia chamar seu nome. Havia mais uma chance, não iria simplesmente ignora-la, tentaria sua ultima cartada, pela ultima vez. Estendeu o braço e abriu a gaveta, puxando o envelope em seguida.

•••

Dois dias depois, Amanda se preparou para ir atrás de um dos endereços depois do turno no Samu, onde trabalhava como paramédica em São Paulo. Entre as três Ana Barroni da ficha, duas eram da capital paulista mesmo e a terceira era do Rio Grande do Sul.

Bateu palmas no portão do primeiro, esperou alguns minutos e uma senhora de talvez uns setenta anos apareceu.

— Aqui é a casa da Ana Barroni, senhora? — com um leve sorriso simpático, ela assentiu.

— Sou eu mesma, querida. Do que se trata? — Amanda a observou por rápidos segundos, a mulher que tinha a pele branca, os cabelos extremamente lisos e olhos verdes, não parecia em nada com ela. Esperava que Ana tivesse seus traços e características. E talvez fosse mais jovem... — Moça?

— Ah, sim, claro. — Ela coçou a garganta — meu nome é Amanda, sou paramédica no Samu e bom, gostaria de saber se a senhora viajou nos últimos dez ou vinte anos.

Considerando que o tempo passava diferente nos dois universos, Amanda imaginava que no mundo real se passou muito mais que os oito anos desde que Ana esteve em Chicago. Esperava estar certa.

— Faz muitos anos que não viajo, minha filha. Apenas para a cidade vizinha, para visitar minha filha... — a senhora deu de ombros — é algum problema na cidade? Algum vírus?

— Não não, fique tranquila, é apenas... — caso de viagem entre universos paralelos — visita de prevenção para pacientes do SUS. — Amanda inventou rápido e deu um sorriso suave, torcendo para ela não ter plano de saúde e a desculpa funcionar, mesmo que aquelas visitas nem existissem. — A senhora não foi para Chicago, então?

— Oh, minha filha — a mulher riu — nunca saí do Brasil.

Amanda suspirou e depois de agradecer a atenção da senhora Ana, foi embora.

Ainda tinha mais uma opção. Olhou para o papel antes de dar partida no carro, respirou fundo e seguiu para o endereço, que ficava do outro lado da cidade, já saindo de São Paulo.

Todas as vezes em que saiu para procurar alguma pista, tentar falar com médicos e cientistas, que ficou até de madrugada pesquisando por Ana Barroni na internet, tinha em mente sua família de Chicago. Não os tirava da cabeça em nenhum momento, eram seu incentivo diário para não desistir de encontrar um caminho de volta. Até aquilo não ser mais o suficiente, começou a duvidar de si mesma e do quão real foi tudo que aconteceu.

Talvez fosse loucura, mas algo dentro dela sempre dizia que Ana tinha respostas e que fazia parte de seu universo. Se a encontrasse poderia ter uma luz, qualquer coisa. Nem que fosse apenas a confirmação de que não estava louca.

Ao tocar a campainha, ninguém apareceu. Amanda olhou pelas grades do portão, estava tudo fechado. Ela tocou a campainha de novo depois de alguns minutos e nada. Não tinha ninguém em casa. Respirou fundo e se virou em direção ao carro.

Então, o portão automático abriu e um carro branco se aproximou. Os olhares das duas se encontraram. Amanda paralisou e sentiu as pernas vacilarem, a garganta secou instantaneamente. Era como se ela estivesse olhando o próprio reflexo no espelho, mas ele a mostrasse dali uns vinte anos.

A mulher, que tinha os cabelos cacheados presos num coque abacaxi e usava um terninho social preto, também pareceu paralisar. Até voltar-se para frente e terminar de colocar o carro na garagem.

O portão automático se fechou e Amanda pensou que seria ignorada, mas logo ouviu os saltos ecoando pela garagem, até o portão social abrir.

— Ana? Ana Barroni? — Amanda perguntou com a voz baixa e viu a mulher ficar com os olhos marejados.

— Meu Deus, você é a cara dele. — Ana parecia atordoada.

— Pelo jeito, pareço sempre com alguém. — Amanda soltou um riso fraco, sem graça.

— Se me procurou, é porque você foi. — Suspirou e abriu o portão, dando passagem para Amanda — Talvez seja a hora de enfrentar meus fantasmas e te fazer entender os seus.

•••

Era assustador como Ana se parecia com Amanda. Entendia o desconforto de Justin quando estava perto dela, imaginava que era bem desconcertante ver alguém tão parecido com um pessoa que já não fazia mais parte de sua vida.

— Tome. Acho que vai precisar. — Ana voltou da cozinha com um copo d'água e estendeu para Amanda, que estava sentada no sofá.

— Você disse que sou "a cara dele". De quem? — Decidiu iniciar pelo que estava martelando em sua cabeça desde que chegou ali.

Ana se sentou na outra ponta do sofá, respirou fundo e pareceu se lembrar de algo... ou alguém.

— Do seu pai. — aquelas três palavras causaram um arrepio na espinha de Amanda e ela franziu o cenho, confusa. — Não tem jeito mais fácil ou menos estranho de te dizer isso, Amanda. Eu sou sua mãe.

Naquele exato momento, Amanda entendeu a expressão "o mundo virou de cabeça para baixo". Sua cabeça girou e sentiu a boca secar, virou toda a água que tinha no copo, numa tentativa de se acalmar.

— Mas... Como? E quem? Isso não faz sentido.

Ana abaixou os olhos e levou alguns segundos para organizar a mente, antes de contar a história que durante todos aqueles quase trinta anos, tentou deixar esquecida.

— Quando fui para o lado de lá, as coisas não foram fáceis. Foi doloroso e apavorante, espero que para você não tenha sido assim. — Amanda apenas a olhava, atenta ao que ela tinha para contar, sabia do que tinha acontecido com Ana e sentia tanto por aquilo — mas no meio de toda a dor, encontrei pessoas que me acolheram. Mesmo sendo difícil conviver com os medos e traumas que Nova York me causou, em Chicago eu renasci, graças a eles. Hank foi como um pai para mim, a Erin era a irmã que não tive e... — ela engasgou e a pausa respondeu tudo. Amanda sentiu a garganta se fechar.

Lembrou do sorriso dele, do olhar como se a conhecesse há anos, o ímpeto de impedir que ele fosse morto, como se... algo os ligasse.

— O Justin. — Amanda completou baixo e Ana apenas fixou os olhos nos dela, assentindo levemente. — Eu...

— É filha de Justin Voight.

Primeiro Amanda ficou em choque e se levantou, cobrindo a boca com uma mão. Sua cabeça girava como se estivesse num daqueles brinquedos de parques de diversão. Então, ela explodiu em uma risada nervosa.

— Isso é loucura! — disse em meio as risadas que não conseguia controlar.

— Tão loucura quanto ir para outro universo, o qual para nós é apenas um seriado? — A risada foi cessando aos poucos, se transformando em lágrimas.

Amanda sentiu o corpo todo tremer e se sentou novamente, o choro tomando conta. Agora entendia a conexão com Hank Voight, porque o queria bem, se preocupava e queria tanto que ele gostasse dela.

Os soluços aumentaram gradativamente, o choro se tornou mais intenso, toda a saudade que reprimiu nos últimos dois anos e meio veio à tona com força, uma sensação sufocante de não pertencer ao mundo real.

Ana lhe deu espaço para que se recuperasse e depois que Amanda estava mais calma, com os olhos vermelhos e o rosto molhado por lágrimas, ficou olhando para as próprias mãos e fez a pergunta que não queria calar.

— Por que me deu? Por que não ficou comigo?

— Eu queria esquecer que aquele ano aconteceu. — Amanda soltou um riso fraco, cheio de dor — não me julgue Amanda, você não tem ideia de como foi difícil abandonar você. — A fala fez Amanda olhar para ela novamente, encontrando seus olhos tristes e algumas lágrimas escorrendo — Apesar do meu amor pelo Justin e meu carinho por todos que conheci, tinha traumas e cicatrizes dolorosas demais. Nunca me senti em casa lá, foi um erro eu ser mandada para aquele universo, minha casa é aqui.

— Minha "guia" — fez aspas no ar, lembrando de Mia — disse que fui para lá como a realização de um desejo. Então para ir, você teria que querer estar lá, em algum momento.

— Comigo não foi assim. — Ela negou com a cabeça. — Meus pais biológicos são desconhecidos, fui encontrada na porta de uma delegacia. Barroni é o sobrenome do delegado que me adotou. Ele era um homem sozinho, de idade avançada e faleceu quando eu tinha quinze anos. — Amanda tentava encontrar na história o que ligava Ana a Chicago ou Nova York — não sou desse universo, por algum erro cósmico, nasci no universo errado. Eu deveria ser do universo de Law and Order, o que fez sentido eu ter gostado instantâneamente da série quando a conheci por meio do meu pai adotivo.

A cabeça de Amanda parecia um caldeirão fervente, eram informações demais para processar.

— Fui levada para o lado de lá quando tinha 24 anos. Talvez fosse uma boa idade para eu entender e ver as coisas com clareza, não me deslumbrar tanto com tudo e poder fazer uma escolha que não me arrependeria depois. — Deu de ombros. — A minha... Como chamou? Ah! Guia. — Perguntou e respondeu antes que Amanda dissesse algo — Minha guia, quando estava em Chicago, disse que o tempo funciona diferente daqui e as vezes, para cada pessoa a relação de tempo é diferente. O primeiro ano que passei lá, foram como algumas horas aqui, o que faz a gente pensar que foi só um sonho. — Soltou um riso nervoso e Amanda apenas assentiu, lembrando das inumeras vezes que pensou aquilo — Depois, seguiu a relação de um por três, cada ano longe de lá, equivalendo a três anos aqui.

— Disse que para cada pessoa é diferente, então outras pessoas já foram?

— Sim, o tempo todo. É por isso, que pode acontecer um erro e nessas idas e vindas, viagens de ida e volta, alguém nasce no lugar errado. — Deu de ombros levemente — É raro, mas acontece, fui sorteada.

Amanda assentiu e passou as mãos no rosto, pressionando os olhos, a qualquer momento sua cabeça iria explodir.

— Sei que é muito para processar.

— É, um pouco. — Respirou fundo e olhou para Ana de novo, ambas deixando o silêncio tomar conta. — Fazendo cinco anos e meio que voltei de lá, quer dizer que para eles faz quase um ano e meio. — Amanda disse baixo, fazendo as contas.

Agora Amanda sabia muito mais do que imaginava que saberia ao encontrar com Ana — que não sabia se um dia consideraria como mãe.

Sua família de Chicago era sua família de verdade. Lá era seu lar, o unico lugar que se sentia em casa, principalmente agora que não tinha mais Clarissa.

— Chicago é minha casa. — A afirmação fez Ana observá-la com atenção — acho que nunca tive um lar de verdade aqui — Ana abaixou os olhos, desconfortável com a confissão — Chicago me deu uma família, me deu um amor, amigos... — a última palavra fez a voz dela falhar, lembrou de Kelly Severide e a dolorosa lembrança a fez fechar os olhos com força, antes de respirar fundo e olhar para Ana decidida. — Eu preciso voltar. Se sou a ligação entre dois universos, tem que ser possível eu poder escolher onde quero viver. Tem que existir algum jeito. — Viu um brilho diferente nos olhos de Ana — Você sabe. — A mulher assentiu lentamente.

— Quando completa dez anos que está aqui, você tem a chance de voltar de forma definitiva. São apenas três chances, ao completar trinta anos, a cortina não se abre mais.

Aquilo apertou o coração de Amanda, agora que tinha respostas e a esperança de voltar se reascendeu com tanta força, não queria ter que esperar quase cinco anos a mais. Ana percebeu o desânimo em seus olhos e quando Amanda abaixou a cabeça, focando nas próprias mãos, lembrou das palavras que ela disse minutos antes. Se sou a ligação entre os dois universos. Uma ideia lhe surgiu, talvez pudesse, pela primeira vez em vinte e quatro anos, recompensar o que fez com a filha.

— Você tem o meu sangue, Amanda, além de ser filha dos dois universos. Se tiver mesmo certeza que quer isso, em seis meses terei a terceira e última chance de voltar. E se for no meu lugar? — Os olhos de Amanda arregalaram e seu coração pareceu que sairia pela boca — considere meu pedido de desculpas, por tudo. Volte para casa.

•••

— Seis meses depois

Amanda estava no passageiro do carro de Ana, como combinado, no dia em que Ana poderia voltar para Chicago. No exato lugar onde aconteceu o fenômeno pela primeira vez, trinta anos atrás.

Como explicado por Ana, para voltar, tinham que estar no mesmo lugar e fazendo a mesma coisa, isso ativava o portal. As duas saíram do carro e Amanda iria para o volante, no lugar de Ana.

— Tem certeza que não quer voltar? — Amanda perguntou.

— Sim — ela deu um leve sorriso — aqui é minha casa, tudo que amo está aqui.

— Eles sentem sua falta... — Ana abaixou os olhos ao ouvir e suspirou.

— Cuida deles por mim? — aquele pedido teve um peso enorme, mas tudo que Amanda podia fazer era assentir e garantir que não abandonaria Hank e Justin Voight. Eles eram parte dela, ainda mais que antes.

As duas se abraçaram brevemente e Amanda entrou no carro.

— Ana... — chamou antes de dar partida e a esperou se aproximar da janela — está tudo bem, aceito suas desculpas.

Em seis meses, Amanda nunca disse que a perdoava, algo que afligia Ana, mas o sorriso largo que se abriu, mostrou que agora estava em paz, poderia continuar seguindo com sua vida sem o peso na consciência.

— Não esqueça um detalhe, é importante para dar certo... — ela apontou para o aparelho de som do carro — coloque a música Somewhere Only We Know, do Keane. Era o que eu estava ouvindo da primeira vez.

— Sério? — Amanda riu balançando a cabeça, então ligou o rádio e ouviu os primeiros toques da música.

Cada detalhe se encaixava, tudo fazia sentido. Amanda riu um pouco e ao lembrar que foi aquela música que a fez se lembrar de tudo em Chicago.

Estava na hora de voltar para casa, para seu lugar de paz, um lugar onde só ela conhecia. Teria de volta sua vida real, a única que fazia sentido para ela.


********************


NOTA DA AUTORA: Uai Rani, mas já não tinha um epílogo? Sim! Porem, depois, quando comecei escrever a continuação que me dei conta de alguns furos que deixei passar no epilogo, como a relação de tempo nos dois universos. Ficou tudo meio bagunçado, mas agora tudo fará mais sentido e deixará também a continuação mais compreensivel. Espero que gostem das alterações, ta um pouco mais completinha e mais dramatico inclusive hahaha  

E é isso. Espero vocês dia 15, para o primeiro capitulo de De Volta a Vida Real ;)

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