Oliver olhou ao redor. Estava em uma espécie de base aérea abandonada. Era quase como um aeroporto clandestino no meio da floresta. Ao seu lado estava Cassius Wong, seu tio, que tomava uma bebida quente em uma mesa improvisada ao lado de outros agentes. Cassius vestia roupas casuais e estava relaxada ao ponto de ser possível esquecer que aquele homem controlava o maior banco do país.
Oliver havia escutado de alguns soldados que "os pacotes" tinham sido resgatados, isso significava que Maryna e a avó estavam a salvo, desde então tentava controlar o nervosismo. Só mais uma coisa incomodava, a ausência do barão. Era como se internamente seus instintos dissessem que seu pai desapareceria outra vez, que talvez a culpa pela relação ruim entre os dois fosse dele.
Ao perceber a inquietação do sobrinho, Cassius levantou e trouxe uma xícara de chocolate quente para o adolecente.
— Como você está, garoto?
— Bem, Senhor Wong.
Oliver pegou a xícara e tomou. O sabor não era muito bom, mas beber alguma coisa doce e quente no frio de Kiev parecia amenizar o sabor.
— Que tipo de chocolate é esse?
Cassius riu da reação do garoto.
— Achocolatado militar, o gosto é assim por causa dos conservantes... Não é muito bom, mas pelo menos está quente.
— É verdade...
— Tem alguma pergunta, garoto?
— Várias, mas a primeira é que lugar é esse?
Cassius olhou ao redor, como se tentasse recordar.
— Isso é uma antiga base aérea. Foi construída provavelmente durante a Segunda Guerra, mas agora está abandonada — o tio apontou para um galpão velho cheio de buracos e ferrugem — esse hangar abandonado não deixa dúvida, ninguém vem aqui a muito tempo. Ou seja, perfeito para o nosso trabalho!
Cassius percebeu que Oliver continuava inquieto decidiu se afastar, o garoto poderia fazer perguntas que não era a hora de serem respondidas. Por um aplicativo de mensagens criptografadas Cassius começou um breve diálogo com o irmão.
"Onde você está, Mikhail?"
"Estou terminando a operação"
"COMO ASSIM?"
"Ainda preciso RESOLVER UM PROBLEMA"
"Deixa de ser estupido, volte imediatamente. seu filho está aqui te esperando."
"Vou voltar irmão, mas preciso concluir isso."
"Tudo bem, mas tome cuidado. Não se arrisque desnecessariamente. Você ainda está se recuperando do atentado."
"Certo. Depois disso acho que acabou."
Cassius respirou fundo. Será que nem a descoberta do filho tão conseguido aplacar o desejo de vingança do irmão? Não, isso era pior que um desejo de vingança, era como uma dependência química... Como se Mikhail não soubesse como viveria depois de acabar sua missão principal.
"E a governanta?"
"Ela e Maryna estão a caminho. Nossa equipe pegará outro avião."
Cassius desligou a tela do celular e olhou para o céu. Internamente se perguntou se o velho Senhor Wong teria orgulho dos filhos. Cassius estava feliz por finalmente ter acabado a operação e poder levar a governanta e a neta para casa, mas ainda tinha dúvidas se conseguiria recuperar o irmão, depois de tantos anos trabalhando por um desejo egoísta.
— Senhor Wong! — A voz de Oliver tirou Cassius do transe.
O banqueiro olhou para o sobrinho que apontava para um comboio de carros. Os agentes que acompanhavam a operação sinalizaram para que as armas fossem escondidas. Atrás de algumas caixas e latões, atiradores treinados se posicionavam, caso aqueles carros representassem uma ameaça, seus ocupantes deveriam ser eliminados.
Os carros pararam e Oliver se aproximou deles. Cassius caminhou ao lado do sobrinho e sem que percebesse colocou o corpo entre ele os veículos, tentando protegê-lo. Quando a janela do carro abriu e uma mulher vestida com roupas militares saiu do veículo Oliver quase enfartou.
— São elas! Não fale nada sobre seu pai — pediu Cassius.
— Tudo bem — respondeu o sobrinho confuso.
Cassius se aproximou e apertou a mão direita da mulher.
— E elas?
— Estão bem! Só um pouco assustadas, o que é normal considerando o estado que as encontramos.
Quando a porta do carro na retaguarda abriu, Maryna e Elena saíram do veículo. Oliver conseguiu sentir um forte odor. O cheiro era uma mistura de sangue, suor e azedo. Maryna suja e descabelada parecia ter vergonha de alguma coisa, mesmo Elena que sempre andava impecável estava em uma situação digna de pena.
A governanta se aproximou de Cassius e o abraçou.
— Desculpe — disse Elena — Desculpe. Nós trouxemos a morte para sua casa.
Cassius afastou a governanta e olhou no fundo dos olhos dela.
— Não foi culpa sua! — disse Cassius.
— E o barão? — perguntou a governanta.
— Ele está bem. Só está em outro lugar.
— Entendo — respondeu Elena.
Na cabeça da governanta, Mikhail ainda estava hospitalizado. Embora tenha percebido, Cassius pareceu preferir manter essa falsa aparência. O banqueiro ordenou que abrissem o hangar, revelando o jato que os levaria de volta para Artaxia.
— Vamos! — ordenou Cassius.
Com dificuldade, Maryna e Elena caminharam lado a lado. A neta tentava apoiar a avó que ainda mancava por causa das agressões. Quando as duas passaram ao lado de Oliver, o jovem deu um sorriso simples. Para sua surpresa Maryna abaixou a cabeça com uma expressão que misturava tristeza e vergonha.
Ao entrar na aeronave Maryna ajudou a avó a sentar na poltrona de couro, depois foi a vez da neta sentar. Frente a frente, as duas gerações se encaram. sem palavras elas agradeceram aos céus pelo resgate e por ainda estarem vivas.
Oliver entrou logo depois, a primeira imagem que viu foi o rosto de Maryna. Instintivamente a jovem virou o rosto para o outro lado, era como se algo nele a incomodasse. Cassius entrou logo depois e ao ver a cena, indicou que o sobrinho deveria sentar ao seu lado, próximo a cabine do piloto.
Dois militares armados entraram e sentaram próximo à saída, um deles fechou a porta da aeronave e sinalizou para o piloto e o copiloto.
Por cima do ombro do tio, Oliver observava Maryna de costa. Era quase irreconhecível. Podia ver alguns cortes, sujeira e sangue seco preso nas roupas da jovem.
— Se continuar olhando desse jeito, seus olhos vão cair — alertou Cassius.
— Não seria melhor a gente levar elas ao médico? — perguntou Oliver.
Cassius pareceu analisar as palavras do sobrinho, era como se nada do que ele havia dito tivesse lógica.
— Nós tiramos seu pai do Brasil com uma bala alojada no corpo... Fizemos isso para evitar que a notícia espalhasse sem nosso controle...
— Mas é diferente... — retrucou o garoto.
— De fato, é diferente. Lá tínhamos autorização do governo e visto diplomático. Aqui estamos conduzindo uma operação ilegal, estamos sem autorização oficial do governo ucraniano e com homens armados que... realizaram ações especiais que causaram danos irreparáveis— explicou Cassius.
Oliver olhou para o tio como se o banqueiro fosse o homem mais cruel da face da terra.
— Tudo bem... Vai ter uma equipe médica na Base Aérea de Theodosia assim que chegarmos em casa, não se preocupe.
— Obrigado! — agradeceu o garoto — Ela parece estar tentando me ignorar. Por que acha que isso está acontecendo?
Cassius tirou a atenção do notebook e voltou para o sobrinho.
— Depende.
— Depende do que, Senhor Wong? Acha que ela me culpa
— Talvez ela se culpe.
— Se culpe?
— Sim! Acho que o mesmo vale para a governanta!
O avião começou a se movimentar. Elena levantou e sentou ao lado da neta, ambas se abraçaram com cuidado enquanto o avião levantava voo.
— O que me aconselha?
— Quer realmente um conselho meu? — Cassius perguntou sorrindo.
— Sim! - Oliver respondeu sério.
— Espere chegar em Artaxia... Espere elas receberem atendimento médico adequado... E principalmente, espere elas tomarem um banho — brincou Cassius — depois faça a pergunta que quiser.
Oliver ficou quase sem reação.
— Essa foi uma piada horrível, Senhor Wong!
— Eu sei... Por isso perguntei se realmente queria minha opinião — Cassius sorriu e voltou a digitar no notebook.
— O que está fazendo? — perguntou Oliver.
— Só pagando uma conta — respondeu o tio despreocupadamente.
Oliver sorriu e escorou na cadeira tentando encontrar uma posição confortável para dormir. A última imagem que viu foi Maryna escorando a cabeça na janela.
Na tela do computador pessoal, Cassius escreveu uma mensagem para Bartolomeo. Membro proeminente do Conselho de Estado, e o responsável por liderar a operação de longe.
"Excelência, após o bem sucedido resgate é com imensa alegria que agradeço seu generoso apoio. Fico muito feliz de saber que com o apoio de suas palavras o Conselho Real de Estado autorizou o uso de força letal para o resgate de uma valiosa colaboradora e sua neta.
Peço que informe ao Rei e ao Primeiro-Ministro que a solicitação do financiamento para os partidos de oposição nos três países africanos mencionados será autorizado e realizado sem comprometer a imagem do país.
Atenciosamente
Cassius Wong
Barão de Monte Castelo"
Cassius esticou os braços para o alto tentando se alongar, em seguida fechou o notebook e olhou para Oliver dormindo despreocupadamente. O banqueiro deitou de uma forma confortável na poltrona também tentando relaxar. Todos estavam cansados, mas ao menos a viagem agora era para casa.
Os pilotos deram início as manobras e o avião começou seu deslocamento.