Endossimbiose | Versão Em Por...

By ElisMariangela

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Donecea Gaxy, uma iátrica determinada, se junta ao ardiloso e charmoso Arkadi Phaga para alcançar o núcleo da... More

Capítulo 1. Pacientes
Capítulo 2. História da Doença Atual
Capítulo 3. Parasitas
Capítulo 4. Emergência
Capítulo 5. Alta
Capítulo 6. Difusão
Capítulo 7. Proteassoma
Capítulo 8. Recaptação
Capítulo 9. Mitocôndria
Capítulo 10. Toxicologia
Capítulo 11. Anemia
Capítulo 12. Sepse
Capítulo 13. Hemorragia
Capítulo 14. Nó de Sutura
Capítulo 15. Instinto
Capítulo 16. Descamação
Capítulo 17. Hereditariedade
Capítulo 18. Convergência Evolutiva
Capítulo 19. Cicatrizes
Capítulo 20. Endorfina
Capítulo 21. Linfonodo Sentinela
Capítulo 22. Evolução
Capítulo 23. Cremação
Capítulo 24. Crisoterapia
Capítulo 25. Células
Capítulo 26. Comorbidade
Capítulo 27. Memórias
Capítulo 28. Dor
Capítulo 29. Luto
Capítulo 30. Subcutâneo
Capítulo 31. Olhos
Capítulo 32. Humanos
Capítulo 33. Mãos
Capítulo 34. Medo
Capítulo 35. Ansiedade
Capítulo 36. Pressentimento
Capítulo 37. Tremor
Capítulo 38. Inconsciência
Capítulo 39. Consciência
Capítulo 40. Necrose
Capítulo 41. Cicatrização
Capítulo 43. Ruminação
Capítulo 44. Solidão
Capítulo 45. Fúria
Capítulo 46. Digestão
Capítulo 47. Enterro
Capítulo 48. Fadiga
Capítulo 49. Coração
Capítulo 50. R.E.M.
Capítulo 51. Ouvidos
Capítulo 52. Cura
Capítulo 53. Latência
Capítulo 54. Febre
Capítulo 55. Necrotério
Capítulo 56. Apoptose
Capítulo 57. Metástase

Capítulo 42. Sede

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By ElisMariangela

Parte 5
Ocitocina

Terceiro círculo do Império
Torre de Delitos

Retornamos para Venerna na noite seguinte, enquanto os soldados piones recém conquistados ficaram no Distrito de Veneno, para conquistá-lo em uma reação em cadeia.

Me escondi no aposento das columbas, fugindo de Kadi e dos líderes da revolução - aqueles que podiam ser os verdadeiros responsáveis pela morte da minha mãe... Mas eu não podia me esconder para sempre.

Naquela noite, quando eu estava me preparando para dormir, Korrok entrou no ambiente.

Pulei para trás e me encolhi contra uma das paredes rochosas. Como eu esmagaria a cabeça dele contra as pontas negras daquela parede de pedra se ele me atacasse? O puro terror no meu rosto o fez rir.

- Não acho que eu estaria tão bem-vestido para matá-la no meio da noite... - Korrok debochou, e então eu percebi que ele realmente estava elegante, vestindo uma espécie de terno vorrampe.

- Esse é mínimo que eu mereceria, não acha? Um traje apropriado. - Sua risada rouca arranhou meus ouvidos. - Qual a ocasião então?

- Comemorar a tomada do Distrito de Veneno.

Ergui uma sobrancelha.

- Não acha cedo demais para isso?

- Os Áulicos costumam revidar mais rápido quando acham que tem alguma chance de recuperar o planeta. - Explicou. - O silêncio deles é nossa vitória.

- E você está me convidando? - Korrok confirmou. E eu transbordei de desconfianças: - Por que não pediu que Plumala viesse me chamar?

- Porque o lugar para onde vamos não é para columbinhas.

- E é para uma humaninha?

- Você já nos mostrou que não é só isso. - Abri a boca, mas ele me continuou: - E, antes que pergunte, Phaga não quis vir chamá-la porque ele "não quer vê-la com essas camas por perto", seja lá o que queira dizer com isso. - Corei.

E imediatamente mudei de assunto:

- Por que você o chama de Phaga, afinal?

- Pelo mesmo motivo que você o chama de Kadi.

- Por que os nomes que damos são partes de nós que deixamos com os outros para que carreguem consigo?

- Não. Porque irrita ele. - Revirei os olhos. - Estaremos no estacionamento em trinta minutos.

E então ele saiu sem rasgar a minha garganta.

• • • ֍ • • •

O ecoar dos meus saltos contra o piso de pedra anunciou a minha chegada no estacionamento. Kadi me esperava do lado de fora da nave, enquanto todos os outros já estavam dentro. Ele estava usando um terno negro minimalista que se encaixava ao seu corpo com perfeição e, assim como eu o saboreei, ele me explorou de cima a baixo com os olhos. Eu estava coberta por um vestido acetinado que se prendia às curvas de meu corpo, tingido de vermelho para que ninguém nunca visse meu sangue caso ele fosse derramado. A peça tinha um decote em "V" que subia em duas finas alças para os ombros. Deles se penduravam correntes de pedrarias que caiam nas minhas costas nuas e tilintavam a cada passo que eu dava, como o chocalho de uma cascavel. Aquele vestido me transformava na criatura elegante e perigosa que eu precisava ser... Alguém que poderia sobreviver a tudo.

Ao perceber a minha presença, Kadi abriu um sorriso felino.

- Você parece estar pronta para matar um homem.

Sorri. Então ele tinha percebido.

- E você parece uma ótima vítima.

Embarcamos na nave e então Korrok a decolou para além de Venerna.

Emergimos do oceano negro que atingia a encosta e navegamos com a nave negra para além da atmosfera daquele satélite. Além de Korrok, também estavam na nave Lupan e Deinos, com um curativo no lugar do braço que faltava. Pelo visto não havia dor que o impedisse de comemorar uma vitória.

Eu e Kadi nos sentamos perto de uma janela e ele sussurrou, ainda que os seres ao redor tivessem super-ouvidos e um super-interesse em nos escutar:

- O que você fez por todos no Distrito de Veneno... Acho que ninguém a agradeceu por aquilo.

Baixei os olhos. Eu não merecia nenhum agradecimento, depois de tirar a vida de um ser com as minhas próprias mãos.

- Apenas fiz o meu trabalho.

- Não precisa esconder isso atrás da obrigação. - Kadi insistiu, os olhos nos meus. - Pode me fazer uma pergunta se quiser, como agradecimento.

Ergui uma sobrancelha, um sorriso no canto dos meus lábios.

- Está assumindo que saber sobre você é a recompensa que eu escolheria?

- Não era isso que você queria desde o início: - Kadi se inclinou para mim, cravando a faca no ponto certo depois de conhecer o alvo que eu era: - Respostas? - Eu adoraria tê-las... - Estou apenas me oferecendo de bandeja para você... Sacie a sua sede.

Deixei a perguntar escapar de mim antes que eu pudesse me impedi-la:

- O que você perdeu? - Como era a vida que ele tinha deixado escorrer por entre os dedos e ansiava tanto para recuperar? E será que eu poderia ajudá-lo a conquistar alguma que valesse a pena ficar?

Os olhos de Kadi fugiram de mim, vagando pelo piso. Eu tinha tocado em uma ferida que ele nunca fora capaz de cicatrizar, rígida como um corte antigo, mas com a dor de um sempre novo.

- Essa ainda não...

Confirmei com a cabeça, sentindo a distância crescer entre nós como a expansão do universo e me desesperando para tê-lo perto de novo.

- Então... Me conte a lembrança de uma vergonha que você já passou.

Ele abriu um sorriso e passou a mãos pelos cabelos, bagunçando as mechas que nunca conseguia controlar.

- Para sentir vergonha, eu teria que cometer erros... Mas eu não sou esse tipo de pessoa. - Kadi brincou.

- Me perdoe por subestimá-lo, mas acho isso bem improvável.

Ele fingiu que eu tinha acabado de fazer uma grande descoberta.

- Pensando melhor... Teve uma vez que eu passei vergonha. Mas só uma. - Me aproximei para ouvir a história. - Quando eu estava com os coletores, minha nave não era grande o suficiente para caber uma cama, então eu dormia em uma tenda no aterro. - Kadi disse, uma confissão de seu passado distante. - Uma vez eu estava trocando de roupa nela quando um vento bateu e arrancou os pregos que a prendiam no chão... Então ela voou embora e me deixou pelado na frente dos coletores, correndo desesperado atrás dela enquanto todos riam de mim... - Escondi metade do meu rosto nas mãos, abafando minha risada. - Bons tempos... Korrok estava lá... - Enviei um olhar para aquela fera, pilotando a nave. - Ele riu de mim mais do que os outros, mas pelo menos me ajudou a recuperar a tenda...

E então ele matou minha mãe.

• • • ֍ • • •

Voamos até o oceano de um planeta desconhecido e pousamos dentro de um domo de vidro alojado nas profundezas, às bordas de um precipício submarino. Dentro, um conjunto de degraus levava para a superfície, enquanto outros desciam para as profundezas do abismo, onde o chão parecia ter desistido de existir... De uma enorme janela eu observei o vazio abaixo, onde eu jurei que a escuridão tivesse voz, vida, consciência, me chamando para onde meus gritos seriam afogados e meus medos tornados realidade... Eu me perguntava até onde levava a escuridão guardada naquelas profundezas; e o que ela fazia com os que ousassem descender nela...

Quando os líderes decidiram subir as escadas, eu voltei a respirar.

- Essa é a Torre de Delitos. - Kadi sussurrou no meu ouvido. - Em cada nível alguns crimes são permitidos, mais e mais atrozes quanto mais se aproxima do fundo... O preço para chegar nos níveis mais profundos é mais alto, mas a torre paga de volta os mais atrozes. - Ergui a sobrancelha. Que tipos de seres eram aqueles que se aventuravam nas profundezas dessa Torre? Talvez aqueles que estivessem comigo... E Korrok estivesse planejando uma visita por lá em algum momento... - Dependendo do que se fizer, é possível até ganhar pedras estelares aqui.

- É por isso que estamos aqui?

- Não... Porque pedra estelar nenhuma chega aos pés da adrenalina de entrar em um antro de bestas e sair com vida.

Eu conhecia aquela sensação mais do que devia.

- Sem contar que a fossa é um ótimo lugar para desovar corpos... - Lupan acrescentou, seu tom vulpino, e eu me inclinei sobre a janela mais uma vez.

Que cadáveres poderiam estar escondidos naquelas profundezas? Será que os do meu passado estavam lá? Ou eles preferiam a escuridão distante do núcleo? Subi as escadas para longe daquelas perguntas, sem querer as respostas.

Alcançamos o nível mais alto e iluminado da torre, totalmente rodeados por janelas que deixavam entrar os feixes de luz lunar, tingidos pelo azul das águas no caminho até nós. Atrás do vidro criaturas marinhas de cores surreais nadavam e flutuavam, reluzindo abaixo das luzes como joias.

Ali dentro, prateleiras de bebidas exóticas tomavam as paredes encrustadas de conchas cujas cores variavam do dourado aos tons corais que tomavam as bordas do precipício inundado. Era difícil de acreditar que um lugar como aquele podia ser real... Um refúgio puramente belo, até que mergulhássemos nas suas camadas escondidas de depravação.

- Já estou entediado. - Korrok resmungou. - Vamos descer alguns níveis. - Ele se virou para ir, mas parou quando percebeu que nem eu, nem Kadi, tínhamos nos movido. - Sabem onde nos encontrar...

E então eles descenderam para a escuridão.

Eu e Kadi nos encaramos, cobertos pela luz azul turquesa que dançava pelas janelas. Estávamos sozinhos, rodeados apenas pelas prateleiras cheias de bebidas e pelos sons das criaturas que nadavam nas profundezas do lado de fora.

Caminhei por entre as prateleiras e deslizei o dedos pelos frascos.

- Quer uma bebida?

- Pensando bem, eu queria outra coisa na minha boca... - Ele se inclinou na minha direção, com aqueles olhos ousados que me aqueciam, e eu soube que o ângulo da minha sobrancelha erguida poderia cortar diamantes.

- Eu não estou na prateleira para tomar quando estiver com sede... - Retruquei, enquanto meus olhos distraídos liam os rótulos de alguns dos frascos. - "Flamas de supernova" ou "Asteroide invernal"?

Kadi se aproximou lentamente, seus passos caçadores o trazendo para mim, e encostou o ombro na janela ao meu lado.

- Por que não mistura os dois? - Ele ronronou. -Quente como explosão, fria como gelo... Quase uma dose de você...

Mordi o lábio e a isca do seu sorriso, enquanto despejava os dois líquidos em um copo para mim e outro para ele.

- Uma pena se a minha amizade é muito complexa para você...

- Por que eu sinto que a sua "amizade" é uma punição?

Encarei-o por trás da camada dos meus cílios.

- Talvez porque você mereça uma.

Ele se aproximou ainda mais e eu engoli em seco, mas minha boca já não estava mais pedindo pela bebida, agora que meus lábios tinham mudado de foco...

- Tão linda... - Kadi sussurrou, seus dedos deslizando pela minha face e levantaram meu queixo. - E com uma língua tão afiada... - Sua outra mão escorregou pelas minhas costas e os dedos brincaram com a pele nua, se firmando na minha cintura. - Você pode falar todas essas coisas, mas seu corpo não mente para mim... - Então ele me puxou contra si, me desestabilizando com o choque.

- E o que ele está dizendo agora?

Ele então sussurrou:

- Ele está me pedindo para tirar esse vestido...

Por um instante eu desaprendi a respirar.

Nós estávamos sozinhos, escondidos, só eu e aquele seu sorriso, ao perceber o efeito que ele tinha sobre mim; eu estava completamente refém daqueles seus olhos predadores e dos desejos do meu próprio coração, batendo tão alto que eu não tive dúvidas de que ele conseguisse ouvi-lo. Mordi o lábio em uma tentativa de me manter calada, mas eu não consegui conter meu sussurro:

- Por que eu o colocaria só para que você o tirasse?

Kadi se inclinou, os lábios pairando no meu ouvido:

- Por que os melhores tesouros estão enterrados...

Ele se afastou para voltar seus olhos aos meus, mas eu não consegui deixá-lo ir para tão longe de novo, não agora que ele estava ao alcance dos meus dedos. Quando minha mão envolveu sua nuca e se aventurou pelas mechas onduladas dos seus cabelos, ele abriu um sorriso surpreso. Seu toque então me puxou mais para perto, mais suave do que o tecido acetinado que me cobria, mas capaz de abrir caminhos de fogo em mim, e eu me derreti nos seus braços.

- Kadi... - Suspirei...

E então seus lábios voaram nos meus.

Eles me incendiaram mais do que a bebida de supernova jamais teria sido capaz, macios e intensos, raspando, sugando, meus lábios nos seus dentes, meu corpo nas suas mãos, e os meus pontos sensíveis entre as pontas dos seus dedos, tomando, torcendo... Senti sua sede abrir caminho na minha boca e o convidei para dentro, enquanto suas mãos firmavam meu corpo contra o seu e os braços ao meu redor me seguravam como a humanidade inteira, não me deixando cair naquele precipício que tanto tinha me chamado para o fundo.

Perdi o fôlego quando sua mão passeou pela minha perna através da fenda do vestido, em uma trilha que me escalava mais e mais para territórios perigosos no pico daquela montanha. Seu corpo se encaixava tão perfeitamente ao meu que eu me perguntava o que as roupas ainda estavam fazendo no caminho, e, quando senti os efeitos da minha presença no seu corpo - seu olhar, sua respiração, seu coração e tanto mais abaixo - deslizei meus dedos por dentro delas e acariciei a rigidez do seu corpo, tão determinado a me destruir, invadir, residir...

Ele arfou e rasgou os lábios dos meus, me deixando cair nos olhos perigosos do homem mais atraente do universo, duas esmeraldas pelas quais eu mergulharia tão fundo para encontrar... Seus dentes tomaram a minha orelha, me devorando das partes mais macias até chegar no meu coração, os lábios desceram para a pele do meu pescoço, clavícula e mais abaixo, e a mão tomou a minha perna, coxa e mais acima, acariciando, entrando... E, a cada ofegar meu, os frascos na prateleira às minhas costas cantavam. Tomei o ângulo cortante da sua mandíbula e o puxei de volta para os meus lábios, como a boca de uma garrafa para a minha.

- Eu preciso de você em mim... Agora... - Ronronei, e Kadi se afastou para me estudar. Por um instante eu achei que ele nunca mais iria voltar, mas sua mão suavemente envolveu a minha face, como se eu tivesse me tornado frágil. Nas suas mãos me sentia tão preciosa... Eu queria estar nelas o tempo todo.

- Paciência... Eu não vou a lugar nenhum, antes de quitar as minhas dívidas... Comigo mesmo, e com você também...

- Um dia você me disse que não era um homem de palavra...

- E ainda assim eu estou aqui, pronto para cumprir com a minha parte do acordo quando você pedir.

Mas por mais quanto tempo?

Um sorriso se abriu no seu rosto e eu não consegui não fazer o mesmo. Ele me fazia rir, me encarava como se eu fosse encantadora, me beijava até que minhas pernas perdessem o sentido e entendia as minhas dores... Eu queria estar com ele, queria estar envolvida pelo som da sua voz, queria a sua respiração no meu pescoço à noite e o seu abraço pela manhã...

Eu queria que ele não fosse embora.

Kadi se esticou e pegou os copos cheios que se equilibravam precariamente na prateleira atrás de mim, me oferecendo um deles.

- Um brinde... - Eu sugeri e ele ergueu seu corpo em resposta. - Ao universo... Criador dos mundos e das companhias com quem os exploramos...

- E ao tempo... Que torne eternos momentos como esses...

Então o tilintar dos nossos copos tomou a noite.

• • • ֍ • • •

Quando criei coragem, descendemos para o nível onde estava Korrok, Lupan e Deinos, sentados em um canto escuro da torre, intocados, enquanto criaturas se digladiavam por todos os lados, porque ninguém ousaria perturbá-los... E aquele privilégio se estendeu a nós quando nos aproximamos deles.

Mas eles não estavam sozinhos.

Outro ser estava se juntava aos líderes na mesa, uma criatura cuja espécie era fácil de identificar até mesmo de longe: um humano. E, quando ele se virou por sobre o ombro para nos encarar, percebi que era o anfitrião.

- O que ele está fazendo aqui?! - Rosnei.

- Olhem só! Todos os humanos estão aqui agora! - Korrok nos cumprimentou, cínico e venenoso, com suas garras ao redor do anfitrião de forma que o humano nada podia fazer além de se encolher. - Nosso amigo aqui estava nos contando que Phaga o sugeriu entrar para a revolução em algum noxdiem, se não tivesse nada melhor para fazer...

Todos nos voltamos para Kadi, que ergueu as mãos em rendição.

- Achei que vocês gostassem de recrutamentos.

- De fato. - Korrok continuou. - E é isso que estamos discutindo aqui...

Não... Ele não podia estar falando sério!

- Essa é uma péssima ideia! - Retruquei. - Ele não é confiável!

E não merecia conseguir nada que queria!

- Pelo visto eu não sou o único que pensa isso. - Deinos acrescentou. - Bom saber que há outra criatura sensata entre nós.

- E você, Lupan? Não consegue farejar o quanto isso é uma péssima ideia? - Tentei. E o canouro bufou.

- Eu não farejo nem pensamentos, nem o futuro, Donecea. Mas o medo que esse humano está sentindo me parece suficiente para não me preocupar com ele. - Se estava com tanto medo, então o que fazia aqui, em primeiro lugar? - E, algumas vezes, a escolha mais sábia é a de não discordar de Korrok.

- Por isso que eu confio no seu julgamento. - O vorrampe brincou, mostrando seus dentes afiados, talvez sorrindo, talvez não. - Além do mais, se demos uma chance para a filha de uma Áulica, por que então não para ele?

- Porque eu tenho motivos para odiar os Áulicos! - Tentei, mas eu não sabia mesmo se tinha... Talvez eu devesse deixar a revolução ruir de dentro para fora com os seus próprios erros, mas, quando eu me lembrava do que Deinos tinha me contado sobre o seu passado e sobre as esperanças que a revolução carregava, eu tinha dificuldade em simplesmente deixar isso acontecer... Mesmo que quisesse tanto destruir os responsáveis por ela. - E ele só liga para aquele que pagar mais...

- Phaga não é muito diferente. - Korrok rosnou, enviando um olhar afiado para ele. Será que o vorrampe sabia que ele queria ir embora? - Se você o julga o nosso novo amigo tão inadequado para essa causa, sapiens, então o carregue para o último nível e o mate com esse seu novo... Aprimoramento. - Ele disse, simples e assustador, enquanto eu me encolhia. - Não seria um crime aqui...

- Eu adoraria. - Rosnei, sem saber se estava mesmo sendo sarcástica. - Mas assassinato não está na minha lista de atividades para celebrar a nossa vitória.

- Não sabe o que está perdendo... - Korrok sibilou. - Está decidido, então! Seja bem-vindo à revolução, Judin!

Abri a boca para retrucar alguma coisa, mas Kadi me puxou para a ponta oposta daquele ambiente caótico, desviando das cadeiras lançadas pelos ares.

- Às vezes não vale a pena discordar dele. - Kadi sussurrou e eu confirmei com a cabeça. Éramos frágeis... Eu não podia esquecer. - E talvez ele só esteja negociando aprimoramentos para a revolução...

- Mas ele nem vai obrigá-lo a passar por um teste de lealdade!

- Eu posso tentar convencer Korrok a mantê-lo aprisionado, se isso a acalmar... - Kadi tentou e eu concordei. - Ele deve ter comprado uma entrada fácil na revolução... E esses testes começaram a ficar mais fáceis com o tempo. Uma hora ou outra iam acabar desaparecendo.

"Mais fáceis com o tempo"? Ergui uma sobrancelha. Se Kadi achava que o meu teste tinha sido fácil, então...

- O que você teve de fazer?

Ele não respondeu por um tempo que pareceu longo demais, até que caiu no meu olhar, um porto seguro para o seu, o único que parecia ser capaz de entendê-lo. Seus lábios então revelaram aquela parte do seu passado que o torturava, aquilo que esconder por mais um minuto sequer o destruiria:

- Eu matei alguém...

Não... Eu não era a única...

- Quem?

- Um humano... - Ele confessou. - Mas eu nunca cheguei a saber o nome dele ou ver seu rosto... Foi apenas um tiro nas costas, impessoal o suficiente para que eu não sentisse culpa. - Sem culpa? Aquilo soou vazio, como mentiras que se conta para si mesmo, porque eu conseguia vê-la à altura do queixo, obrigando-o a se manter nas pontas dos pés para não afundar na escuridão dentro de si.

Ele tinha matado um humano... Como eu nunca conseguiria, como Judin tentara, como minha mãe fizera...

Minha mãe...

Morta pela rebelião e encomendada por Korrok... Um vorrampe que não se impediria de mandar um humano fazer o serviço, em troca de algum propósito, de algum sentido para existir nesse universo, e, talvez, de pedras estelares também...

- Aquela pessoa pode ter sido a minha mãe.

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