Endossimbiose | Versão Em Por...

By ElisMariangela

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Donecea Gaxy, uma iátrica determinada, se junta ao ardiloso e charmoso Arkadi Phaga para alcançar o núcleo da... More

Capítulo 1. Pacientes
Capítulo 2. História da Doença Atual
Capítulo 3. Parasitas
Capítulo 4. Emergência
Capítulo 5. Alta
Capítulo 6. Difusão
Capítulo 7. Proteassoma
Capítulo 8. Recaptação
Capítulo 9. Mitocôndria
Capítulo 10. Toxicologia
Capítulo 11. Anemia
Capítulo 12. Sepse
Capítulo 13. Hemorragia
Capítulo 14. Nó de Sutura
Capítulo 15. Instinto
Capítulo 16. Descamação
Capítulo 17. Hereditariedade
Capítulo 19. Cicatrizes
Capítulo 20. Endorfina
Capítulo 21. Linfonodo Sentinela
Capítulo 22. Evolução
Capítulo 23. Cremação
Capítulo 24. Crisoterapia
Capítulo 25. Células
Capítulo 26. Comorbidade
Capítulo 27. Memórias
Capítulo 28. Dor
Capítulo 29. Luto
Capítulo 30. Subcutâneo
Capítulo 31. Olhos
Capítulo 32. Humanos
Capítulo 33. Mãos
Capítulo 34. Medo
Capítulo 35. Ansiedade
Capítulo 36. Pressentimento
Capítulo 37. Tremor
Capítulo 38. Inconsciência
Capítulo 39. Consciência
Capítulo 40. Necrose
Capítulo 41. Cicatrização
Capítulo 42. Sede
Capítulo 43. Ruminação
Capítulo 44. Solidão
Capítulo 45. Fúria
Capítulo 46. Digestão
Capítulo 47. Enterro
Capítulo 48. Fadiga
Capítulo 49. Coração
Capítulo 50. R.E.M.
Capítulo 51. Ouvidos
Capítulo 52. Cura
Capítulo 53. Latência
Capítulo 54. Febre
Capítulo 55. Necrotério
Capítulo 56. Apoptose
Capítulo 57. Metástase

Capítulo 18. Convergência Evolutiva

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By ElisMariangela

O brilho do sol ofuscou meus olhos por um instante, até que eles se acostumaram com a luz o suficiente para que conseguisse enxergar a cidade das columbas. Rodeadas por árvores, centenas de casinhas de madeira arroxeada que pareciam ter sido feitas para bonecas se espalhavam pela grama, conectadas por ruas de pedraria a uma mansão que mal chegava à altura da minha cintura. A terra fértil daquele mundo cantava no farfalhar de cada folha, em um refúgio na floresta; um refúgio em Ítopis.

Assim que nos notaram, as columbas voaram em um turbilhão caótico de penas brancas e piados.

– O que elas estão dizendo? – Kadi me perguntou, enquanto meu tradutor só se deparava só com barulhos fora da sua base de dados.

Algumas das criaturas pousaram nas nossas cabeça como se para fazer ninhos e cavaram nossa pele com suas garras. Senti minha mente ser invadida por agulhas que pareceram beliscar meu cérebro e tentei me desvencilhar, mas elas só se soltaram de nós e voaram em debandada depois de conseguirem o que queriam. Encarei Kadi, que tinha a mesma interrogação no rosto que eu.

Quando uma columba com asas maiores do que as demais emergiu da pequena mansão com suas penas prateadas reluzindo ao sol, eu soube que ela era aquela que nos sentenciaria. Seu corpo flutuou em nossa direção como se o ar fosse seu servo até parar diante de mim, os olhos de coruja me estudando como se houvesse tanto para saber.

– O que querem no nosso mundo? – Ela sussurrou na nossa língua humana, aprendida instantaneamente como se sempre tivesse sido sua... Provavelmente porque tinha copiado das mentes daqueles que sempre a tiveram.

Encarei Kadi, sem saber o que responder. A verdade não era uma opção.

– Queremos... Conhecê-lo. – Tentei, sentindo no ar o cheiro da minha mentira. Será que columbas conseguiam percebê-lo também?

A líder se aproximou de mim, me avaliando com um escrutínio tão profundo que achei que estivesse chegando nas minhas vísceras, e, quando pensou que sabia de mim tudo que precisava, tomou sua decisão:

– Então sejam bem-vindos! – Quando soltei o ar preso no meus pulmões meu alívio soprou suas penas. – Hoje faremos um banquete!

• • • ֍ • • •

Atrás da mansãozinha as columbas nos levaram para um círculo sobre a grama onde elas se juntavam. Sentei-me com as pernas cruzadas e Kadi me imitou, tão desconfiado quanto eu. Nós não só parecíamos alienígenas naquele mundo, mas nos sentíamos também. As columbas trouxeram frutas desconhecidas que tinham as mais diversas formas, tamanhos, cores e cheiros, se misturando em uma orquestra de aromas no ar. Quando as criaturas começaram a se servir, nos encarando para que fizéssemos o mesmo, Kadi se esticou para obedecer, mas então eu toquei sua mão, avisando-o que não era uma boa ideia. Tudo nesse mundo poderia ser venenoso para nós, por mais doce que parecesse; e, sendo frágeis como éramos, tínhamos de ser cuidadosos.

– Podem me chamar de Plumala. – Disse a columba líder. – O que querem saber sobre nosso mundo? – Ela soara tão prestativa que me senti péssima por não ter o que perguntar. Mas Kadi, conseguiu pensar em algo:

– Como seu mundo é tão paradisíaco e pacífico?

– Imagino que nosso pacifismo seja tão estranho para vocês quanto a brutalidade do universo é para nós. Não faz muito tempo que tomamos ciência dos mundos que compõem o Império... E das crueldades que seus povos cometem. – Plumala refletiu. – Veem essas árvores? Nós as criamos de sementes na frieza de nossos laboratórios, porque esse mundo nunca as teria feito. – Voei meus olhos por aquelas árvores roxas que nos cercavam, onde eu nunca teria imaginado existir tanto conhecimento de manipulação dos códigos da natureza. – Nós as construímos para mudar nossa atmosfera e transformar esse mundo no nosso refúgio.

Minha coluna estalou ereta. Atmosfera?! Nós estávamos tão acostumados com a uniformidade dos mundos de Ítopis que esquecemos da arma que podia estar naquilo em que não víamos. Eu quase me levantei para fugi dali naquele mesmo instante, mas então Kadi tocou meu braço, me avisando o quanto aquilo não era uma boa ideia.

– O que tem nessa atmosfera? – Grunhi.

– Não se preocupem. A substância foi feita apenas para os seres desse mundo. Vocês não serão afetados. – Algo em sua sinceridade me tranquilizou mais do que devia... E eu fui tomada por uma sensação nova: a de que eu podia confiar sem medo de estar errada, pelo menos uma vez na vida. – Ela torna as criaturas dóceis e as estimulam a se adaptar a um mundo onde destruição não é tolerada. – O que aconteceu com aqueles que não se adaptaram? Talvez o mesmo que ocorria quando falhavam em outros mundos; só que agora em nome da paz. Que sacrifícios poderiam ser perdoados por um universo melhor? – O mundo de vocês é brutal como os demais ou se esforça por paz como o nosso?

Eu e Kadi nos encaramos.

– Acho que nenhum dos dois o descreve bem...

– Então vocês têm muito a aprender conosco.

Depois do banquete, fiz um gesto de cabeça para Kadi, pedindo para conversar com ele em particular e ele me seguiu para longe das criaturas. Depois de conferir que nenhuma delas estava prestando atenção em nós, me aproximei para sussurrar:

– Não acho que seja certo enganar as columbas...

Kadi me encarou com um sorriso, como se meu remorso por enganar aquelas criaturas fosse apenas inocência. Ele se aproximou de um arbusto de flores pálidas e arrancou um pequeno cacho, voltando para mim com os dedos acariciando as pétalas aveludadas como se suas mãos nunca tivessem segurado algo mais precioso.

– Tão delicadas... – Ele sussurrou, aconchegando-a. – Elas não têm que mentir como nós, que, na Terra, mentimos em palcos, em governos, nas casas dos deuses que eram venerados antes do Império... Mas não mentimos porque precisamos para sobreviver, e sim por que gostamos de acreditar nas mentiras que contamos; até que a verdade não passe da criação de um idealista... As flores não têm de mentir. E essas aqui, especificamente, nem de espinhos precisam... – Ele tomou algumas do cacho, arrancando-as das demais. – E, tão fácil, eu posso esmagá-las. – Então sua mão se fechou ao redor das flores separadas, abrindo-a em seguida para revelar as plantas amassadas, sua pureza deturpada. Kadi soltou os vestígios na grama e me entregou o resto do cacho que permaneceu intocado. – Toda vez que olhar para elas, não pense no quão delicadas são, mas no quão perigosa você é em comparação; e no quão mais perigosa precisa ser para não ser esmagada por seres piores.

Passeei os olhos pelas flores e os voltei para Kadi quando senti um sorriso crescendo no meu rosto.

– Tudo isso para me dar flores?

O canto de seus lábios se curvou para cima a contragosto.

– Eu deveria ter dado as amassadas...

Que continuariam sendo flores.

Naquele momento as columbas se aproximaram e deixei que me levassem para longe. Com os olhos se recusando a se desprender de mim, Kadi também foi levado pelas columbas para longe. E, conforme éramos separados, eu percebi que deveria estar mais preocupada do que realmente estava... Mas eu entendia a busca daquelas criaturas por paz. Como eu poderia temê-las?

Fui guiada para os pés de uma árvore semelhante a um salgueiro-chorão, coberto de flores azuladas que se desprendiam dos galhos e forravam a grama em uma camada macia que quase não acreditei que fosse real. As criaturas enrolaram vinhas aos meus cabelos e os trançaram como se eu fosse uma princesa antiga, digna daquele tratamento. Eu me perguntava o que elas poderiam querer de mim em troca de tantas gentilezas... Mas talvez, em um mundo como aquele, arquitetado para ser um refúgio, elas dessem sem esperar nada em troca.

– Minhas filhas a estão tratando bem? – Plumala me saldou, cumprimentando também as outras criaturas tocando as testas delas com a sua.

– Por que vocês fazem isso? – Perguntei, curiosa.

– É assim que confessamos nossa conexão umas para as outras. – Ela revelou. – Não há confiança maior do que aquela que se precisa ter para entregar sua mente a outro ser, seu bem mais frágil e precioso, para ser tocado sem ser destruído... E é isso que queremos sempre passar umas às outras.

Como eu poderia temer criaturas como aquelas?

– E só existem columbas fêmeas?

– De todos os nossos embriões, apenas aqueles que nascem no inverno se tornam machos. E, quando surgem as novas gerações, eles morrem. – Meus olhos se arregalaram.

– Vocês nunca tentaram salvá-los?

– Várias vezes... Mas alguns seres não foram feitos para perdurar pelo tempo... – Ela explicou com a dor antiga de perder o que nunca pudera ser salvo. – E vocês, humanos? Como é seu mundo?

– Nós valorizamos a vida... – Tentei fazer uma propaganda da humanidade melhor do que realmente era, mas eu não sabia se acreditava nela completamente.

– Então vocês evitam guerras?

– Os melhores de nós tentam...

– Imagino que você esteja entre eles.

Senti o calor de suas palavras e deixei meus olhos caírem nas flores que Kadi tinha me dado. Eu torcia para que Plumala estivesse certa sobre mim... Mas, se Kadi estivesse certo sobre o universo, então eu não duraria muito nele.

Naquele momento uma agitação nos alertou.

Algumas columbas surgiram, trazendo em uma revoada caótica Kadi – com as flores que tinham tentado colocar nos seus cabelos caindo ao chão – e Korrok. Me levantei em um pulo.

– Ele estava tentando libertar os prisioneiros. – Disse uma das columbas que segurava Korrok. – E contou que os humanos estão com ele.

Bastardo.

Uma das columbas transmitiu a linguagem do vorrampe para Plumala.

– Para que vocês querem meus soldados?! – Korrok rosnou. – Eles só servem para matar! E não acho que vocês, com suas flores e frutinhas, precisem deles!

Como se lidasse com uma criança, a líder explicou suavemente:

– Precisamos deles para construir o templo do Deus do Inverno, ou então, quando a estação chegar, seremos amaldiçoados com a infertilidade de nossas terras.

Quando o Império engolisse o mundo das columbas e apagasse o Deus do Inverno da sua história, elas não precisariam mais se preocupar com aquilo. Ou talvez ele fosse apenas uma metáfora para as maldições que o inverno sempre trazia, com ou sem templos, e o Império apenas lhes tiraria a esperança de que podiam impedir aquilo.

Achei que Korrok fosse explodir, mas, antes que ele pudesse, Kadi se manifestou:

– Eu tenho uma ideia... – Todos os olhares caíram nele. – As columbas podem se juntar à revolução e, em troca, os vorrampes as dão o necessário para lidar com o inverno.

Korrok o encarou como se Kadi fosse estúpido.

– Elas não são vantajosas ao ponto de precisarmos fazer sacrifícios para recrutá-las, Phaga! – O vorrampe rugiu.

– Você não sabe o suficiente sobre elas, então. – Retruquei, atraindo os olhares para mim. – As columbas manipularam a atmosfera desse mundo inteiro! Elas podem construir bombas biológicas! Muito mais poderosas do que garras e dentes em guerras!

Korrok permaneceu calado por um instante, o que foi um ótimo sinal. Enviei um olhar para Kadi, que sorria discretamente, enquanto arquitetávamos nossa saída daquela situação.

Mas então as palavras de Plumala arrancaram nossos sorrisos:

– Como podemos confiar em seres que nem nossas frutas comem? – Ela soltou um suspiro que trouxe os séculos de violência do seu mundo de volta para a atmosfera, por meio das suas memórias. E então suas palavras as revelaram: – Há muito tempo, antes que meu mundo tivesse leis, duas aldeias viviam em confronto no vale ao coração dessa floresta. Quando seu ódio era mais intenso do que podiam controlar, os aldeões cortavam as asas dos seus inimigos. E a retribuição era sempre igual, por anos e anos... Um dia, quando as chuvas foram mais intensas do que o normal e o rio transbordou por todo o vale, as duas aldeias foram completamente inundadas... E ninguém tinha asas para escapar. – Plumala suspirou, soprando aquela morte antiga nos nossos rostos. – Nada nos levará a guerra de novo.

Enquanto eu não sabia o que dizer, Kadi se aproximou da árvore que nos cobria e tomou de um de seus galhos baixos uma fruta azulada. Ele limpou sua superfície na jaqueta e, sem nem piscar, a deu uma mordida, quebrando a fronteira com um estalo crocante para abrir caminho à sua língua. Ele me encarou enquanto saboreava o proibido, limpando o canto do lábio onde o néctar escorria e lambendo o perigo no dedo como se a morte fosse só um obstáculo no caminho da vitória. E então ele se voltou para a columba, que o encarava incrédula com sua coragem.

– Vocês mudaram a natureza inteira em busca de um mundo melhor. Nós estamos apenas tentando fazer o mesmo. Por todo o Império. – Talvez ele estivesse mentindo para convencer as columbas, mas eu não consegui fugir do pensamento de que eu realmente queria aquilo... Ainda que por outros meios. – Então se vocês aceitam destruir criaturas de seu próprio mundo para construir seu refúgio, por que não podem nos ajudar a conquistar o nosso? Por que não podem nos emprestar suas asas para que nós possamos voar também?

Plumala o observou por um momento tão longo que pareceu uma eternidade, talvez o esperando desabar envenenado, ou talvez cogitando confiar naqueles que nelas confiaram. Em algum momento, a líder das columbas finalmente decidiu nos poupar do silêncio e sussurrou:

– O que vamos receber em troca? 

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