ALICIA
Acordei cansada demais pra conseguir levantar pra faculdade. O dia anterior tinha sido correria demais: faculdade, andar pra tudo quanto é lado com Jade pra ela resolver parada dela, depois saímos com Eduarda e por fim ainda tive que cuidar do melhor amigo bêbado.
Aproveitei que só tinham palestras bobas na faculdade no dia de hoje e resolvi dormir até a hora do almoço. Quando acordei Duda tinha pedido quentinha, só tomei um banho e me sentei na mesa com ela.
— Tudo bem? — perguntei pra ela que tava um pouco caidinha.
— Mais ou menos, ainda tô brigada com Matheus. — ela disse passando a comida da quentinha pro prato.
— Ele foi pra casa da Raissa, né? — ela assentiu e eu balancei a cabeça em reprovação. — Sei de mais nada, quero me meter nisso não.
— Nem precisa, Ali. Eu sei que você é melhor amiga dele, não precisa ficar do meu lado, ainda mais não tendo certeza do que me causa essas inseguranças. — ela disse cabisbaixa.
— Ô querida Eduarda, desde que vim morar aqui com você, sou tua amiga também, na real, tô mais sua do que dele. Ele tá distante.
— É foda, mas deixa isso pra lá, eu me resolvo com ele depois. — ela deu de ombros.
Eu resolvi me calar, já que Dudinha parecia bem afetada mesmo com toda situação e ela com certeza precisava de um tempo sozinha.
Só continuei meu almoço. Não deu nem dez minutos e Matheus me mandou mensagem querendo me encontrar pra conversar. A sorte era que eu ainda tinha alguns minutinhos e ele tava por perto na casa da irmã, porque onde ele morava mesmo era longe pra caralho.
Levantei da mesa, dei um beijo no alto da cabeça da Duda que ainda tava sentada, fui escovar meu dente e pegar minha bolsa que direto eu ia pro job.
— E aí Licinha, de boa? — ele disse vindo me dar um abraço assim que desceu do uber.
— Licinha, Matheus? Esse apelido não já deu não? Tínhamos 12 anos, cara, sai fora. — empurrei o ombro dele.
— Insuportável! — ele bufou. — Bora conversar aonde?
— Quer me acompanhar até o brt? — perguntei saindo pela portaria. Essa era a única opção mesmo, até porque eu tinha horário.
— Pode ser! — ele disse me acompanhando. — Duda tá bem?
— Mais ou menos, meio quieta. — contei.
— Aí Alicia, ta foda, sabe? Eu não entendo essa insegurança dela com a mina, tudo bem que eu sei do passado delas, mas que que custa confiar em mim? — perguntou indignado.
— Matheus, você sabe que eu sempre estive no seu lado pra tudo, tipo, tudo. Mas dessa vez eu não tenho como te defender, e acho que nem ela, porque não sei se ela tá com paranoia a mais ou se você é cego, eu quero ver com meus próprios olhos. — disse sinceramente.
Essa tour deles pra mim era muito confusa. Eu entendo o Matheus por não querer se privar de andar com gente que ele curte por conta das inseguranças dela, que talvez seja paranóia, mas entendo ela porque neurose de mulher sempre tá certa e também pelo simples fato do namorado ser insensível com os incômodos dela.
— Cara, a Ra é muito de boa, na maioria das vezes ela nem fica muito próxima. Eu de verdade não acho que ela dê em cima de mim. — ele disse super inocente.
O problema é que como eu sempre disse o Matheus nunca foi muito esperto pras coisas, sempre foi meio lerdão, depois que se mudou pra cá quis bancar o sagaz.
— O problema é que você relutando tanto por uma garota que nem é tão sua amiga assim é estranho, brigando com tua namorada por ela é mais estranho ainda. Dava pra entender se fosse comigo, que sou sua melhor amiga, mas uma mina que nem é nada tua?! — fiz careta.
— Por esse lado é verdade! — ele assentiu pensativo. — Valeu, Ali. Amo tu pra caralho! — paramos em frente ao brt.
Graças aos céus era pertinho do meu apê e isso me facilitava bastante.
— Eu também te amo, seu babaquinha. Se resolve com a Duda, pelo amor de Deus! — disse batendo no braço dele.
— Vou lá agora!
Eu dei um sorriso sincero de orgulho pra ele e mandei um beijo no ar assim que ele virou as costas. Agora era só esperar meu busão.
Hoje eu tinha aula com as turmas mais avançadas, ou seja, as meninas mais velhas. Já cheguei na academia cumprimentando Livia, que eu tinha curtido muito conhecer, parecia bem porra louca e eu gostava de gente assim, apesar de não ser tanto.
Cheguei na sala colocando a trilha sonora que eu tinha preparado, larguei minha bolsa em cima da mesinha, sentei no chão pra colocar minha sapatilha e depois fiquei aquecendo na barra em frente ao espelho.
As aulas com essas turmas eram bem mais fáceis e práticas, até porque com criança pequena a atenção é redobrada, então passou muito rápido, quando fui ver já eram quase 21h da noite.
Mesmo com poucos dias minha imaginação já estava a milhão. Já pensava em espetáculos com as turmas, pensava em conversar com o Patrick pra colocar outros tipos de dança pra ficar mais divertido, aulas ao ar livre, muita coisa.
E por isso já passava na minha cabeça várias coreografias legais pra fazer. Coloquei o som na caixa e fiquei inventando passos, segmentos. Ballet era tudo bem mais clássico e tradicional, mas mesmo assim eu tinha o meu estilinho mais ousado, eu gostava de incrementar.
— Posso entrar!? — a voz de Livia ecoou pela frecha da porta.
— Ah, pode sim. — eu parei o que tava fazendo e dei pause na música.
— Fazendo o que aqui até essa hora, doida? — ela perguntou ajeitando a mochila nas costas.
Olhei no relógio e a hora tinha passado voando. Já eram onze horas da noite e eu arregalei os olhos pensando em voltar pra casa sozinha.
— Meu Deus, fiquei ensaiando sozinha e perdi a hora. Que idiota! — eu ri de nervoso arrumando as coisas às pressas.
— Bem que eu imaginei. — ela riu. — Vim só te dar tchau, se tivesse mais cedo eu ia pedir uma aulinha particular.
— Sério? — franzi a sobrancelha. — Você não parece curtir muito ballet. — olhei pra ela de cima a baixo.
Era péssimo estereotipar, e eu sei que era. Saiu sem querer.
— Eu gosto de tentar novas coisas! — ela disse e eu assenti voltando a arrumar minha bolsa. — Vou indo, até amanhã?
— Até sexta, na verdade. — me virei sorrindo pra ela que mandou uma piscadela e saiu.
Queria ir embora logo, mas precisava trocar de roupa pelo menos. Tranquei a porta da sala, peguei uma calça jeans e um blusão antigo do traste do Rodrigo que eu tinha jogado na bolsa, coloquei a bolsa de lado e apaguei as luzes pra descer.
A academia tava praticamente toda apagada, olhei mais uma vez no relógio e essa brincadeirinha de só arrumar coisas rendeu uma hora.
Decidi ir de uber porque as ruas provavelmente estavam desertas e eu não queria andar até o ônibus. Me sentei num banco que ficava próximo aos tatames pra esperar meu uber se aproximar.
— Seu filho da puta, você não cansa de acabar com minha vida não? — escutei de longe gritos.
Já me assustei pela voz grossa e meu coração disparou na hora. Até levantei do banco no susto.
— Me respeita, Patrick, eu ainda sou teu pai você queira ou não. — a outra voz falava mais baixo, mas ainda sim alto.
Foi a hora que eu escutei um estrondo, onde fiquei mais nervosa ainda. Parecia barulho de algo indo contra aqueles armários de alumínio e depois barulho, barulho e barulho. E só podia ser briga.