Era o começo da tarde quando o carro parou na porta da mansão. Após alguns minutos mexendo em papéis na mala, um homem usando um conjunto composto de terno, colete e calça marrom saiu do carro. O rapaz moreno de origem indiana observa cada detalhe da propriedade. Seu cabelo estava extremamente bem penteado e os óculos escuros ray-ban um pouco chamativos.
Já havia visitado aquele bairro antes, lembrava das mansões, mas nunca aquela casa. Não sabia o que esperar, apenas lembrava da ligação do Presidente Nacional da Silver Santonelli pedindo que auxiliasse pessoalmente as compras de um convidado de um magnata local. Quando perguntou quem era o magnata, não recebeu nenhuma resposta.
Agora em frente ao imenso portal de madeira treinava sua saudação. Quando a porta abriu seus olhos cruzaram com a de Elena Medvedev, governanta da mansão.
— Acredito que o senhor seja Salman Kapoor, certo?
— Sim senhora, estou aqui para auxiliar o convidado do proprietário da mansão — respondeu ele roboticamente — Mas não fui informado quem será a pessoa que vou ajudar.
Ela fitou o homem atentamente até que ele se envergonhou da pergunta, mesmo sem saber porque.
— É o convidado do Barão de Monte Noire.
Convidado do Barão de Monte Noire? Onde ele já tinha ouvido esse nome?
Então como uma lâmpada na escuridão sua memória foi iluminada.
— O Proprietário da WTC?! — perguntou ele um pouco assustado.
— Sim — respondeu Elena secamente.
As pessoas sempre ficavam em choque ao descobrir que o proprietário da mansão era ninguém menos que Barão de Monte Noire. Até por isso boa parte das pessoas que trabalhavam nas áreas externas nem desconfiavam disso.
— Senhor Kaapor, o barão é muito reservado em sua vida pessoal — alertou a governanta.
— Entendo — respondeu Salman.
Já havia trabalhado antes para esse tipo de gente. Considerando o cuidado para manter a informação em sigilo, Salman desconfiava que o convidado na verdade fosse algum membro da realeza.
— E onde está a pessoa que vou auxiliar nas compras?
Elena pediu para que o homem a acompanhasse até um grande salão com vários sofás e poltronas. O teto ricamente adornado desconectou Salman da realidade, até que seus olhos abaixaram e deram de frente com um adolescente comum e sem nenhum brilho aparente. O jovem usava uma jaqueta de couro marrom e calças jeans casuais, apesar da nobreza das roupas, Kapoor teve a impressão que ele não estava habituado a vestir algo tão caro, era como uma máscara que ele deixava transparecer. O jovem lia "Cartas do Inferno" de C.S Lewis despreocupadamente, ignorando tudo ao redor.
— Então! Quem é a pessoa que vou conduzir? — perguntou Salman novamente.
— Esse é Richard von Ratzel. Convidado do Barão.
Salman Kaapor olhou desconfiado. Aquele garoto não tinha cara de alemão, com toda certeza o nome era falso.
— Senhor Richard?!
O jovem ignorou, confirmando sua suspeita que o nome era falso.
— Senhor Richard! — dessa vez quem chamou foi a governanta.
O jovem atendeu.
— Eu sou Richard! — respondeu Oliver.
Quase tinha estragado o disfarce!
— Senhor Richard von Ratzel, eu sou Salman Kaapor, gerente da Silver Santonelli em Theodosia. Vim auxiliar o senhor em suas compras.
Oliver mal pode acreditar. Realmente tinha um "vendedor" de uma loja famosa na sua casa.
Elena observava as reações de ambos quando seu telefone celular tocou. Era o coronel fazendo um pedido que ela não conseguia acreditar.
— Licença — ela disse aos dois ao sair da sala.
A governanta saiu com o telefone grudado no ouvido direito. Do outro lado da linha o coronel falava com uma voz quase monótona.
— Bom dia, Senhora Medvedev!
— Nada de bom dia, coronel! Eu não vou envolver minha neta em seus jogos, Senhor Botsuana!
— Não é um jogo, Senhora Medvedev! Sabe tanto quanto eu que o barão precisa se recuperar, e que a presença do filho dele aqui vai ajudar nisso.
— E porque minha neta precisa ir fazer compras com ele?
— Porque é melhor ela do que um segurança mal encarado. Isso chamaria atenção desnecessariamente.
— Minha neta não vai! — exclamou a governanta.
— Senhora Medvedev, seja coerente. Tenho certeza que ele mal conseguiu atender ao codinome que usamos.
A governanta sorriu ao lembrar da cena.
— Isso é verdade. Ele mal conseguiu atender quando chamamos o nome dele — confirmou a governanta
— Sem contar que sua neta fala russo, e o Oliver só consegue falar português e inglês.
Elena ficou em silêncio, pensando se autorizava ou não.
— E então? — perguntou o coronel.
— E a segurança? — perguntou a governanta.
— Pedi ao Comissário de Polícia para por dois policiais à paisana para acompanhar eles de longe.
— Certo, eu autorizo — disse a governanta.
— Certo. E ela está autorizada a comprar também.
— Não precisa coronel.
— É claro que precisa. Tenho certeza que o barão ficaria feliz de saber que sua filha ajudou o filho dele em um momento como esse.
Alguns minutos depois Elena voltou ao salão.
Oliver conversava despreocupadamente com Salman, enquanto tentava praticar seu péssimo inglês e percebia a dificuldade de manter uma comunicação simples com alguém disposto a ouvi-lo.
— Vou pedir que espere alguns minutos, alguém vai acompanhar vocês.
— Quem? — perguntou Oliver a governanta.
Elena respirou fundo.
— Minha neta.
Sem palavras, Oliver apenas acenou positivamente. Suas mãos suaram um pouco, mas o jovem tentou manter a mente fria, ainda lembrava da conversa dela com a avó na biblioteca, na palavra "bastardo" saindo da boca da governanta.
Alguns minutos depois Maryna Medvedev apareceu no salão usando um conjunto de inverno casual, calças pretas e casaco vermelho. Ao seu lado, Elena dava as últimas instruções à neta que apenas acenava positivamente.
Do outro lado da sala, Oliver sentiu-se um pouco envergonhado. Ninguém havia avisado que Maryna viria também.
Maryna um pouco animada demais acenou para o garoto, que respondeu timidamente ao aceno.
— Nada de muito contato — sussurrou a avó
— Tak — confirmou a jovem em ucraniano tentando conter a animação.
— E não se esqueça, o nome dele é Richard von Ratzel.
— Tak, vovó.
(Nota: так = Sim em ucraniano)
Não é que se sentisse sozinha. Era só que era bom ter mais alguém na mansão, normalmente por causa do cargo da avó na mansão, Maryna não podia dar detalhes da vida pessoal, como a casa não era dela também não podia convidar as amigas da escola. Então era bom ter alguém da sua idade na casa só para variar.
A jovem se aproximou saudando com um aperto de mão Oliver e o vendedor.
— Vamos às compras! — exclamou Salman.
Salman, Oliver e Maryna entraram no carro. Salman na frente ao lado do motorista, e os dois jovens no banco de trás. O carro partiu calmamente pela propriedade até atravessar o portão principal.
Pela janela Oliver pode ver melhor o bairro onde estava localizada a mansão do pai. Agora de dia era possível ver melhor as propriedades. Haviam casas de todos os tamanhos e modelos, era como um desfile imobiliário.
Pelo celular, Salman avisou ao gerente da loja do centro, que ele e os clientes estavam chegando.
Apesar da calma aparente, por alguns minutos o motorista do veículo contratado pela loja teve a impressão de está sendo seguido por um carro preto, que desaparecia e aparecia de tempos em tempos no retrovisor. Naquele momento teve certeza, de fato estava sendo seguido.