☠ XXXI - Vislumbre ☠

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* AVISO: Esse capítulo contém cenas de violência explícita, o que pode ser um gatilho para algumas pessoas. Por favor, não leia se esse for um tema sensível para você! *

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O vórtice continuava a tragar tudo em uma fome insaciável. A proa do Revenge estava totalmente comprometida enquanto Skyller recuava na prancha, procurando manter-se afastado do ponto em que James havia caído, o que se revelava uma tarefa quase impossível, pois a tábua formava um ângulo quase reto com o centro do vórtice.

Skyller agarrou-se firme ao ponto mais alto da ripa de madeira, esperando que não tivesse o mesmo fim de James. E pela primeira vez em muito tempo, lembrou-se de rezar.

Enquanto isso, lá embaixo, Elisa ainda olhava paralisada para o bracelete em seu punho. Sabia que precisava tomar uma decisão. Todos a aguardavam. Mas ela poderia realmente fazer aquilo? Apoderar-se do poder do bracelete e usá-lo para acabar com a maldição, colocando em risco a vida de todos ali presentes? E se no fim tudo fosse em vão? E se ela não pudesse salvar a vida do irmão?

Elisa prendeu a respiração, erguendo o rosto para olhar para cada um dos piratas do Revenge e das embarcações próximas. Não conseguiu enxergar neles os seres cruéis e corruptos que Zumé proclamara aos quatro ventos. Não passavam de homens e mulheres miseráveis, castigados pelo tempo e por uma vida de privações. Se é que haviam cometido algum crime no passado, eles já haviam pago por ele. Todos mereciam o perdão, era o que ela se lembrava da época do catecismo. Como poderia ela, uma garota problemática e cheia de imperfeições, julgar todas aquelas pessoas e condená-las com a própria vida?

Em meio ao turbilhão de pensamentos, ela tentou encontrar algum conforto na lembrança do avô, mas até mesmo sua imagem lhe escapava da mente. Ele havia morrido de maneira tão precoce e injusta. Mais uma vez, sentiu lágrimas amargas descerem pelo rosto. Seus olhos percorreram os tripulantes do pequeno barco: Eric, parecendo completamente perdido no tombadilho, as mãos pairando sobre o timão; Nadine, ainda apoiando-se nos braços de Zaki, tentando recuperar-se do feitiço protetor enquanto Sarah os rodeava, demonstrando uma fragilidade que lhe era atípica. Então seus olhos detiveram-se nas figuras de Henrique e Omar, lado a lado em uma cena improvável de amparo mútuo. Ela queria poder abraçá-los. Toda a raiva pelas mentiras de seu tio-avô haviam desaparecido por completo. Ele era um deles também. Vítima da maldição de Kidd, assim como o segundo filho de Haya. Sua tia. Seu irmão. Tantas vidas, tantas gerações perdidas...

Então, em um gesto súbito, virou-se para o compartimento de carga onde o tesouro permanecia aguardando, incompleto. Reluzindo em toda a sua imobilidade passiva. Elisa sentiu o peito inflar em um desespero tão puro, tão completo, que era praticamente um milagre não ser dilacerada por ele. Um gosto salgado de lágrimas, suor e mar impregnou-se em seus lábios. Ela ergueu o punho fechado para o céu, sentindo-se sozinha. Sentindo-se partida ao meio. Um grito de desabafo profundo saiu do fundo de sua garganta.

— Eu nunca o quis para mim, ouviram bem? — Ela esperava que de algum modo o espírito que estava causando tudo aquilo lhe ouvisse através dos sons da tempestade. — Nunca quis esse maldito tesouro, só estava tentando salvar a vida do meu irmão!

Elisa não sabia bem o que esperar de seu furor. Ficou olhando para o céu, para a grande massa cinzenta de nuvens, esperando por um milagre. As batidas de seu coração aceleraram-se no peito.

Ela sentiu um toque suave em cada lado de seus ombros e, ao abaixar o rosto, percebeu que Haya e Omar estavam ali, a apoiando com uma mão de cada lado do seu corpo. O peito inflou de gratidão por aqueles dois.

— Chegou a hora, Elisa — assentiu Haya. — Você precisa tomar uma decisão. Precisa terminar com isso.

Ela olhou para Omar, ainda incerta sobre o papel do garoto ali. Percebendo seu olhar, ele sorriu de viés.

Libertália: Raízes PiratasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora