☠ XXIX - A última esperança ☠

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No Revenge, em meio ao mar de rostos assombrados, empurrando-se na tentativa de encontrarem um espaço seguro para se esconder e caindo uns sobre os outros na medida em que o mar real cuspia suas ondas furiosas contra o casco do navio, um dos tripulantes caminhava entre eles, oculto por uma manta surrada que lhe cobria a cabeça e os ombros. James conseguira subir a bordo sem ser notado, mas o surgimento repentino daquela entidade desconhecida no céu retardara seu plano de se aproximar furtivamente de Skyller para dar um fim definitivo ao duelo precocemente interrompido.

Assim como todos os outros, ele também olhava para aquilo, o espanto espelhado em sua face enquanto Zumé continuava o seu discurso, a voz reverberando com a potência de mil cachalotes:

— Há muito tempo, um de seus ancestrais cometeu um crime terrível: condenou todo um povo à miséria e à extinção ao roubar um tesouro de valor incalculável. Um tesouro que não era apenas um tesouro, mas um presente dos deuses, uma dádiva concedida como reconhecimento de sua devoção e dedicação. Por muito tempo, Sumé, um espírito bom e justo, protegeu esse povo contra toda a maldade humana, alimentado pela magia pura do tesouro de Eldorado. Mas isso acabou quando o pirata Henry Avery levou embora o tesouro, enganando o povo com suas mentiras e sua lábia sedutora. Isso causou um desequilíbrio terrível no plano espiritual e como consequência eu fui criado: a contrapartida impura de Sumé. Eu sou o seu lado maligno e impiedoso, que ganhou forma própria ao ser arrancado de forma arbitrária de seu lar natural.

Ele fez uma pausa dramática, dando tempo para que suas palavras penetrassem nas almas de cada um que lhe ouvia. O vento soprava ruidoso, açoitando os navios que flutuavam sobre as águas revoltas, lutando para permanecerem unidos como um cardume de sardinhas desesperado diante de seu predador.

Ainda na encosta da gruta, com os pés fincados na areia úmida diante da teimosia de Sarah, Nadine observava com tristeza aquela forma distorcida que o espírito de seu pai havia se transformado. Por mais que seu coração doesse contra uma vida inteira de silêncios e abandono, ela recusava-se a pensar que aquela era a sua forma verdadeira.

— Pai... — sussurrou ela em um fio de voz, como se ele a pudesse ouvir contra toda a barulheira infernal. Como se ele se importasse. — Por quê?

Sarah fitou a filha com olhos torturados. A expressão cheia de culpa por ter dado a ela um pai monstruoso como aquele.

Mas Nadine nunca a culpara de nada. Sempre julgou que o envolvimento da mãe com o espírito tinha se dado por vontade e capricho dele. Para mostrar que estava ao seu lado, Nadine estendeu as mãos para ela.

— Venha, vamos subir. Teremos uma chance no mar.

Nadine sentiu o peito se expandir quando Sarah finalmente aceitou a mão estendida, deixando-se puxar. O primeiro passo para o início de uma lenta reconciliação.

Elas sacudiram as pernas a fim de se livrarem da areia, então Henrique e Zaki as puxaram para cima, cada um agarrando um dos braços, ajudando-as a embarcarem. Somente quando Nadine finalmente pisou na segurança do convés, notou que os olhos de Henrique ainda estavam fixos na areia lá embaixo, o rosto franzido em uma expressão preocupada.

Elisa continuava parada no mesmo lugar, a camiseta cheia com a última remessa de moedas do tesouro roubado, alheia ao perigo que corria.

— O que está fazendo? Suba logo a bordo!

No entanto, Elisa não parecia escutar o chamado desesperado de Henrique. Sua atenção estava totalmente voltada para cima, hipnotizada pela forma do espírito de Zumé. Antes que ele pudesse chamá-la de novo, a bocarra serrilhada abriu-se novamente para despejar o fim de seu discurso, a voz metálica cortando o ar como uma navalha afiada:

Libertália: Raízes PiratasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora