DOZE

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Ao contrário de ontem, o trabalho foi muito tranquilo. Os idosos mais dormiram do que assistiram ao espetáculo, mesmo com o som alto das músicas e da voz carregada do Sr. Maurizio.

Depois de limpar tudo após as apresentações, corri até o galpão de Kishan e abri a pesada porta empurrando-a com um pouco de dificuldade. Caminhei timidamente até a jaula do tigre negro estudando as palavras que usaria. E se eu o assustar ou deixar nervoso com minha declaração?

Acendi as luzes ansiosa e encontrei Kishan descansando a cabeça entre as patas virado em direção à porta. Será que estava me aguardando?, pensei nervosa.

Achei uma cadeira velha de madeira com o assento de bambu e me dirigi até ela para posicioná-la próximo a jaula para conversar com Kishan, mas ao limpar a poeira de cima do assento com leves tapinhas meu braço afundou ali. Estava podre.

Ri nervosa.

— Ainda bem que não me sentei aí.

Ouvi um grunhido vindo da jaula e me virei.

— Você teria achado graça ao me ver caindo e afundando meu traseiro na cadeira, não é tigre? — Bufei e ele grunhiu novamente. — Rum. Cavalheiro. — Resmunguei baixinho.

Achei um amontoado de feno perfeito para um assento apoiado na parede ao lado da jaula e caminhei até ele me aconchegando.

— Então tigre. Não deve ser muito emocionante ficar preso aí enquanto apresenta números a um bando de velhos, não é?

Ele soltou um bufo e eu me levantei sentando-me no chão a poucos centímetros da grade da jaula. O felino poderia estender as garras entre as frestas e me atacar se quisesse, mas eu estava confiante. Continuei:

— Kishan, vou ser direta com você: eu sei o que você é e estou aqui para te ajudar a ser livre outra vez.

O tigre se levantou assustado ou surpreso e caminhou se sentando de frente para mim. Agora muito próximo. Me olhou fixamente nos olhos, parecia querer me dizer alguma coisa. Mas ambos sabíamos que ele não podia falar.

Deve ter alguma maneira de nos comunicar, pensei enquanto olhava ao redor. Achei uma vassoura de palha e a peguei tendo uma ideia. O tigre não se mexeu quando enfiei o cabo da vassoura entre as grades de sua jaula e comecei a desenhar um círculo de um lado e um quadrado de outro entre os fenos soltos espalhados. Kishan grunhiu mais uma vez.

— Calma, tigre. Deixa eu terminar!

Quando terminei de desenhar o quadrado, levantei e devolvi a vassoura para seu canto, orgulhosa.

— Bom, agora podemos conversar.

Eu ri quando o tigre me olhou perdido.

— Olhe, eu tenho umas perguntas. Sei que me entende. Então você colocará sua pata em cima do círculo para "sim" e no quadrado para "não". Tudo bem?

Ouvi um ronco vindo do peito do felino.

— Kishan, a pata. — Apontei para o chão.

Ele então virou sua cara peluda para o chão e pousou a pata negra sob o círculo. Quase chorei de emoção. Era um sim.

— Muito bem. — Sorri radiante. Talvez não fosse a pergunta ideal, mas necessitava de respostas para entender. — Você sabe onde seu irmão Ren está?

O tigre me encarou fixamente pensando se responderia ou não. Devo ter o magoado por perguntar sobre seu irmão mas eu precisava saber.

— Ele está na selva? — Insisti. — Está vivo?

Incomodada com a falta de apoio, me levantei e comecei a caminhar nervosa de um lado para outro enquanto o tigre me acompanhava com o olhar. Como vou resolver isso? Como vou fazer com que as coisas fluem?

Tentei mais uma vez:

— Você consegue entrar em contato com o Sr. Kadam?

E mais uma vez o tigre me deixou sem respostas. Senti medo e desespero. E se ele não for principe coisa nenhuma e sim um tigre comum? Ora, Durga aparecera pessoalmente para mim e dissera para ajudar a quebrar a maldição. Ele não poderia ser apenas um tigre. Talvez só não confiasse em mim.

Apesar de Durga ter ido direto ao ponto, ela me deixou mais perdida ainda. Era como se me prendessem por um crime que eu não cometi. Arqueijei irritada. Para a minha frustração, minha raiva tinha ligação direta com minhas lágrimas e lá estavam elas querendo sair. Eu não sabia em quem confiar, minha única opção era o tigre parado sentado atrás das grades, mas ele não queria colaborar. O que ele está pensando?

Me virei para ele.

— Kishan — comecei, limpando uma lágrima que escorreu até a ponta de meu nariz antes de cair no chão —, eu sei que nos conhecemos a pouquíssimo tempo, mas pode confiar em mim. Sei que sou uma estranha e talvez até uma louca por estar conversando com um tigre. Mas sei quem você é e o que é. Um homem preso neste copo selvagem. — Passei a mão pelo cabelo ondulado e suspirei. — Eu não quero ficar parada. Quero fazer alguma coisa. Quero poder te ajudar, quero ser livre e... eu preciso de você.

Nesse exato momento, o Sr. Davis entrou no galpão. Kishan se deixou cair de lado, tampando os desenhos que eu fizera, mas manteve o rosto voltado para mim, observando-me de maneira despreocupada — ou pelo menos tentando.

— E aí, garota. Como vai?

— Ah, tudo certo. — Eu disse evitando olhar em seus olhos. Não queria dar motivos para o Sr. Davis questionar meus olhos vermelhos. — Bem, é melhor eu sair para ajudar o Matt nos preparativos do jantar.

Saí de cabeça baixa deixando o Sr. Davis e Kishan sozinhos. Enquanto eu me dirigia ao edifício principal, chamei por Durga inúmeras vezes para deixar claro que estava fora, mas ela não apareceu. 

A maldição do tigre - FANFICWhere stories live. Discover now