CINCO

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— Scarlet? — Alguém me chamava do outro lado da porta com batidinhas leves, era tia Rose. Se é que ela era minha tia de fato.

Desfiz o contato visual com a garota sonhadora e confusa do espelho e caminhei até a porta abrindo-a parcialmente.

— Oi... tia. Bom dia.

— Bom dia! Tudo certo por aqui? — ela dizia enfiando a cabeça pela fresta da porta e por fim entrando. — Achei que estivesse dormindo ainda, faltam meia hora para às seis horas. Você não deveria estar no circo às seis? — disse gesticulando em minha direção.

O circo. Então eu não sonhara. Estava realmente presa naquele livro. Eu devia estar lendo-o e provavelmente pegara no sono, mas a ideia não se encaixa. Quem é que dorme e ainda sonha em um sonho?

Fui até o pequeno armário e peguei um par de meias com meus tênis.

— Claro! Acho que perdi a noção do tempo. Obrigada por avisar tia. Só vou pegar mais algumas coisas e vou me ir. — Tentei parecer entusiasmada.

— John e eu fomos correr. Você vai demorar? Preciso de um banho. — Anunciou, enquanto desgrudava a camisa úmida do corpo.

— Correr? — ri achando graça enquanto jogava um livro qualquer dentro da mochila e fechando-a pelo zíper. — Desde quando vocês correm?

Tia Rose franziu a testa. Calço os tênis no pé.

— Como assim? Desde sempre. Já até convidamos você para correr com a gente várias vezes, mas sempre inventa uma desculpa. — Ela estreitou os olhos ao dizer isso como se eu não fosse capaz de mentir convincentemente. — Sabe, é bom sair deste quarto de vez em quando e se quer saber Scarlet, você me deixou muito feliz com a notícia do emprego novo. Vai ser bom conhecer pessoas novas e também será uma boa experiência para você.

— Hum. Realmente será sim, uma experiência única — Falei mais para mim do que para ela.

Meus tios não corriam na vida real, não era o forte deles. Se eles saíam, era para aproveitar uma noite no barzinho com os amigos nas sextas-feiras, fazer compras no shopping e ir aos parques da cidade com Pablo.

Procurei manter a mente aberta já que toda a minha realidade estava distorcida devido aquele maldito livro. Coloquei a mochila nas costas e desci as escadas junto de minha tia.

Tio John ainda estava vestido todo atletico enquanto comia uma omelete na bancada da cozinha.

— Bom dia, tio — murmurei estranhando vê-lo vestido daquela forma. Tio John não se preocupava nenhum pouco em ser atlético e no mais ali estava ele, traindo suas palavras de que ele não precisava praticar exercícios físicos para ter uma vida saudável.

— Oi, bom dia para você também — disse ele. — Está pronta para começar no emprego novo?

Ah! De novo isso?

Franzo a testa com indignação me lembrando da fala de Mike, tutor de Kelsey. Eu já captara que viveria aquela história página por página, e aquelas falas ensaiadas eram como um lembrete para mim.

Fitei meus tios por um instante pensando na possibilidade de dizer a eles que estava presa em um sonho muito louco e que estava sendo jogada em direção à um precipício sem fim; Que sua sobrinha estava prestes a conhecer um príncipe amaldiçoado que tem mais 300 anos e que ela é a chave para quebrar este feitiço que o transforma em tigre.

Ri nervosa mentalmente, dizer a verdade faria com que eles decidissem me prender em um manicômio alegando que a perda dos meus pais já estava indo longe demais, me deixando com parafusos a menos, vendo coisas onde não existiam. Uma completa maluca.

Tentei sorrir para tio John e então respondi a sua pergunta, como se fosse uma pessoa normal, um dia normal:

— Muito! Estou muito empolgada. Não é todos os dias que tenho a oportunidade de conhecer um tigre, não é? — Em especial um que espera que eu quebre uma maldição, pensei com ironia.

Tio John soltou uma risadinha.

— É, parece bem legal. Mais interessante do que a administração pública, pelo menos.

Desviei o olhar. Definitivamente aquele não era o meu tio. Tio John na verdade trabalhava como professor de história.

— É.

🐯🐯🐯

Quando saí da casa o céu já estava claro, mas o sol ainda se escondia timidamente atrás das montanhas. Inalei o ar fresco e úmido sentindo um cheiro agradável de grama molhada. Sorri ao ver um passarinho cantarolar no braço de uma árvore antes de me encaminhar para garagem dupla e entrar no meu Fusca. Era tudo muito real e eu poderia facilmente me esquecer de se tratava de um possível sonho.

Tia Rose me beijou na testa e tio John me desejara boa sorte com o emprego novo com um aceno de mão. Eu prometi que ligaria para eles quando possível dando notícias, mas eles mal podiam esperar que muito em breve eu me despediria deles para me aventurar do outro lado do mundo nas selvas indianas. Será que eu realmente chegaria a este ponto? Desejei que sim, apesar de parecer assustador.

A maldição do tigre - FANFICWhere stories live. Discover now