TRÊS

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— Ah não. — Disse tio John. — Ops!

— Você se queimou Scarlet? — perguntou tia Rose apressada e preocupada.

— Não... — comecei, devagar — eu deixei cair de propósito.

Ela balançou a cabeça levemente e riu como se eu tivesse contado uma piada. Riu até com simpatia. Então caminhou até o cômodo na lateral e rapidamente retornou com um pano de chão nas mãos. Olhei para ela e a mesma não demonstrou raiva ou indignação, estava amena como se não fosse nada demais derrubar uma travessa no chão com seu jantar. Tia Rose normalmente era uma mulher estressada e vivia reclamando que tio Jhon só sabia chegar em casa pegar sua latinha de cerveja e se esparramar no sofá, se esquecendo que tinha uma família, esposa e filho e, que não morava mais com sua mãe que era como uma empregada particular.

Me senti idiota e me amaldiçoei mentalmente por ter agido feito uma lunática. Aquela era minha vida. Minha vida real. Eles eram meus tios, minha família, embora parecessem mais calmos que o normal.

— Não se preocupe, vou limpar isso num instantinho. — Ela se agachou e eu me intrometi pegando o pano de sua mão enquanto ouvia tio John se afastar dizendo que iria pedir uma pizza para o jantar.

— Deixa que eu limpo, tia. — Falei baixinho para ela. — Fui eu quem fez essa bagunça toda. Me desculpe. Não sei o que deu em mim.

— Relaxe Scarlet. Foi só um acidente. — Ela caminhou até o lixeiro trazendo-o até mim. — Aqui, jogue no lixo.

Uns cinco minutos mais tarde tio Jhon voltou com um Pablo saltitante e feliz.

— Oba! Pizza! — dizia ele. — Amo pizza! Oi Scarlet.

Sorri para ele.

— Oi meu anjo.

— Fiz biscoitos para os amiguinhos de Pablo — ouvi tia Rose dizer com orgulho para tio John atrás da bancada da cozinha. Encarei o casal por sob o ombro esperando pela próxima fala "Vou separar o melhor para você". — Vou separar o melhor para você. — Disse minha tia como se lesse meus pensamentos.

🐯🐯🐯

Mais tarde quando a pizza chegara nos reunimos na mesa da cozinha nós três junto de Negão que não parava de miar implorando pelas bordinhas da pizza que Pablo deixava no prato.

— Scarlet, me passa o Catchup? — pediu Pablo com a boca cheia.

— É pra já!

Peguei o molho na minha lateral e estendi para ele.

— Pablo, não fale de boca cheia. — Disse tia Rose franzindo a testa para o filho.

— Desculpe, mãe.

— É, é muito feio — disse tio Jhon com as bochechas cheias, mastigando a última bocada na pizza, piscando para o garoto.

— Jhon! — Exclamou tia Rose, mas todos rimos na mesa.

Eu me sentia bem, sentia que ainda poderia ser feliz e ter uma vida normal ao lado daquelas pessoas amorosas. Elas eram a minha família, tínhamos o mesmo sangue e eu não estava sozinha, embora sentisse falta dos meus pais. Mas mesmo estando morando em um ambiente novo, diferente ao qual eu estava habituada, aquela era a minha família agora e eu deveria abraçá-la.

Subi as escadas para o meu quarto após tomar conta de limpar a cozinha, lavando a louça como se tivesse todo o tempo do mundo. Eu não compreendia o porque deveria dormir se já estava sonhando, mas caminhei até meu quarto esperando que no dia seguinte eu tivesse uma oportunidade única de conhecer melhor aqueles personagens que eu tanto adorava.

Não havia percebido antes, mas meu quarto era exatamente como o de Kelsey: pequeno e aconchegante. Embora eu não tivesse fitas de cabelo como a protagonista tinha, eu encontrei uma cestinha com fitas de cabelo coloridas em cima da cômoda com espelho. Não me lembrava de usar fitas de cabelo e aquilo não tinha nenhum significado para mim além de coincidência. Não encontrei nenhuma colcha de retalhos, apenas um edredom comum se estendia na minha cama de solteiro.

Coloquei o pijama e afofei o travesseiro me deitando completamente sem sono. Será que quando dormir, irei acordar deste sonho sinistro? Me virei de lado para encarar a mesinha de cabeceira e me deparei com duas fotos: uma delas com mamãe e papai quando jovens diante de um jardim, ambos sorrindo um para o outro apaixonadamente. A outra foto era de nós três na minha formatura de ensino médio há exatamente seis meses. Senti uma pontada no peito e não resisti, permitindo que as lágrimas escorressem pelo meu rosto livremente.

Funguei.

— Sinto a falta de vocês mamãe e papai. Se eu pudesse vê-los novamente... Eu faria qualquer coisa!

Toquei o vidro deslizando o polegar pelos nossos rostos contentes e felizes. Eu me parecia muito com mamãe, éramos ruivas. Mas ao contrário dos olhos verdes, eu puxara os castanho-escuro de papai. Papai era o típico galã de novela — palavras de minha mãe —, era alto, forte e tinha uma barba de dar inveja e humilhação aos demais homens. Eles eram o casal fofo e apaixonados que haviam se conhecido no colegial.

Sorri ainda encarando a fotografia. Eu queria que alguém olhasse para mim daquela maneira. Me virei de frente para a parede e procurei dormir, desejando poder ver meus pais novamente.

Por mais que eu achasse impossível, naquela noite eu sonhara. Sonhei com um lindo príncipe indiano de olhos dourados preso em uma cela sussurrando meu nome, pedindo que eu o libertasse.

A maldição do tigre - FANFICWhere stories live. Discover now