Banho de chuva

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Ele faz um gesto com a mão para que eu vá até ele. Começo a andar devagar, me preparando psicológicamente para o que quer que vá acontecer.

Fico parada ao lado do banco e ele me encara sorrindo.

- Oi, Gabi - diz ele, como se a situação fosse completamente normal.

- Oi - eu respondo, ainda em choque.

Ele dá risada da maneira como estou agindo.

- Você não vai sentar? - ele pergunta.

Me sento na outra ponta do banco. O mais longe possível.

- Como você está?

- Bem - digo - e você?

- Também - ele começa a falar - faz tanto tempo que não venho aqui, é até estranho.

Dou uma risada fraca, conforme a conversa avança vou ficando mais calma.

- Eu entendo, mas com o tempo você se acostuma.

- Tem razão, o tempo nos obriga a ficarmos acostumados com muitas coisas - ele responde e volta a olhar para o nada.

Mentalmente, me pergunto o quanto daquela frase tem a ver comigo.

- É, e o melhor é que de fato conseguimos nos acostumar.

- Nem sempre - ele se volta para mim.

Ficamos um tempo em silêncio, pensando nisso.

- Mas e então - diz ele - vai ficar na casa dos seus pais por quanto tempo?

- Ah, uma semana eu acho. E você, vai passar as férias inteiras aqui?

- Acho que sim, ainda não tenho uma data certa pra voltar.

- Entendi - é minha resposta.

Depois de respirar fundo e pensar mais um pouco, ele começa a falar de algo que realmente interessa.

- Escuta, sei que você ficou brava com a maneira como agi lá na chácara, mas eu não sei o que deu em mim - ele diz - eu fiquei tão feliz por te ver de volta e ao mesmo tempo triste porque você tem namorado, não sei porque falei tudo aquilo pra você. Espero que me perdoe um dia, Gabi.

Ele parece ter pensado apenas nisso desde o último fim de semana. E olhando nos olhos dele, enxergo a verdade em cada uma de suas palavras.

- Eu já te perdoei - respondo e dou um sorrisinho.

- Que bom - ele fala, aliviado - e aquilo de sermos amigos? Ainda está de pé?

O jeito como ele fala me faz rir, ele parece o garoto que conheci no ensino médio agora. E, de certa forma, preciso admitir que senti falta desse garoto.

- Claro que sim - eu falo e nós sorrimos.

Ta, isso parece até um pouco esquisito se pararmos pra pensar na nossa última conversa na chácara. Mas quem se importa?

- Seria muito estranho a gente se abraçar agora? - pergunta Paulo.

Eu caio na gargalhada com o jeito que ele me pede isso.

- Não, não seria - digo sorrindo.

Ele desliza no banco até ficarmos próximos e me abraça como se eu fosse a coisa mais importante no mundo pra ele. Só então percebo o quanto todos esses anos separados me deixaram com saudade desse abraço. Ficamos assim por um bom tempo, provavelmente pensando a mesma coisa: como eu senti falta disso.

O que nos afasta são os pingos de chuva que começam a cair sobre nossas cabeças.

- Quer tomar banho de chuva? - ele pergunta, rindo da maneira como já estamos ensopados.

Balanço a cabeça, dizendo que sim. Nós levantamos e começamos a correr pela rua. Não tem problema porque não tem sinal algum de carros.

Não sei o motivo, mas nós não paramos de rir! Esse dia com certeza já pode entrar na lista dos melhores dias do ano. Não, não tem uma lista, mas se tivesse você sabe tanto quanto eu, que esse estaria lá.

- Vamos apostar uma corrida? - pergunto.

- Se você não se importar de perder pra mim - ele brinca e nós continuamos rindo.

- Então ta, quem chegar primeiro lá naquela caixa de correio - aponto a caixa que fica a uns vinte metros de onde estamos - ganha.

Sem avisar que a corrida já começou, eu saio correndo na direção da caixa e ele grita alguma coisa como "isso não vale!".

Talvez seja praga que alguém jogou em mim, ou eu é que sou a pessoa mais atrapalhada do mundo, mas eu escorrego numa poça de lama e por pouco não caio de cara nela! Quando o Paulo chega perto de mim, ele não sabe se continua rindo ou se me ajuda a levantar. Mas pra falar a verdade, até eu estou dando risada.

- Você precisa parar de escorregar o tempo todo, sabia? - ele brinca e estende a mão pra me ajudar a levantar.

- Ai! - dou um berro - acho que machuquei meu pé!

- Será que torceu?- faço que sim com a cabeça - Calma, vem, vou te levar pra casa.

A chuva não ajuda em nada. Ele me pega no colo como se eu fosse uma criança e segue andando pela calçada. Meu coração começa a gritar dentro do meu peito.

- Me sinto tão idiota - digo, irritada por sempre estragar tudo.

- Não diz isso, podia ter acontecido até comigo - ele me acalma.

Decido não dizer mais nada por conta da dor que estou sentindo no pé direito. Isso tudo me desespera! Eu. Paulo. Eu no colo do Paulo. O que minha irmã vai dizer. O que o Nathan diria se soubesse. No caminho, vou me preparando pra responder a um interrogatório.

Quando estamos quase na frente da minha casa, peço pra que ele me coloque no chão, acho que consigo andar até a porta.

Estamos de frente um para o outro agora, bem próximos. A chuva continua caindo sem parar.

- Obrigada, Paulo - faço uma pausa e nossos olhos se encontram - por tudo.

- Você sabe que sempre vai poder contar comigo, é pra isso que os amigos servem, não é?  - ele responde com o sorriso mais lindo do mundo nos lábios.

Mesmo com a dor, não consigo deixar de rir do jeito bobo dele.

- É isso aí - digo antes te dar um beijo em sua bochecha - mas agora preciso entrar. A gente se vê por aí.

- A gente se vê.

My Best MistakeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora