lembranças

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A hora havia chegado. No aeroporto, você se perguntava se deveria realmente ir e deixar tudo para trás. As amizades... A família... O amor da sua vida. Você sabia que não tinha nada esperando em Lua Clara, mas mesmo assim, ir realmente seria a melhor opção, Adora?

Anunciaram que seu avião estava prestes a partir. Você se levantou, caminhando em direção ao portão de embarque com o coração a se partir. A última briga ainda permeava seus pensamentos, e sem dúvidas, entrar naquele avião era uma das coisas mais difíceis que já havia feito em sua vida. Você suspirou, procurando seu assento e ajeitando a mala no compartimento acima. Sentou-se, abatida, encarando a janela. Colocou os fones de ouvido e deixou as lágrimas escorregarem de seus olhos. Seu coração já sentia saudades mesmo antes do avião decolar, e mantê-lo calado no peito ardia como se algum babaca houvesse jogado água fervente na pele e o obrigasse a permanecer naquela dor.

Olhou rapidamente para a pessoa ao seu lado, vendo uma mulher de cabelos longos de pé ajeitando sua mala. Paralisada, você continuava a encarar seus olhos bicolores. Sua boca se formou em um completo 'o' de surpresa. Por que Catra estaria ali?

"Que porra..." você ia xingar, mas as palavras travaram e suas bochechas ficaram vermelhas de vergonha ao descobrir que não era ela e sim seus pensamentos a confundindo. Você não devia ter criado expectativas. Ela não faria algo assim por você, Adora.

Voltou a olhar para a janela disfarçando enquanto esperava o avião decolar. Fechou os olhos dando um longo suspiro. Iria tentar dormir um pouco na esperança de que, quando os abrisse novamente, não se lembraria mais dela.

***********

Era uma lembrança que insistia em voltar. Catra, mais uma vez, se encontrava naquele maldito bar, afogando suas mágoas após mais uma noite arruinada. Você entrou ali com o mesmo propósito, mas seu corpo travou ao vê-la de longe. Você ia se virar para ir embora quando o seguinte diálogo alcançou seus ouvidos: "— Vadia! Agradeceria se parasse com essa merda."

Seu sangue ferveu instantaneamente ao perceber que aquele idiota estava se referindo a Felina. Você se virou furiosa, pronta para dar um belo soco na cara daquele escroto, mas não foi preciso. Catra apenas olhou de lado para o brutamontes e, com um chute certeiro, acertou-o no meio das pernas. O homem grunhiu, ajoelhando-se no chão e segurando-se como se isso fosse conter a dor.

Felina revirou os olhos, voltando a seu canto e completando o copo de cerveja. Ela não havia percebido que você estava ali e sua mente se alegrou com a ideia de poder ir embora e evitar encrenca.

Mas então o idiota se levantou, ainda mais furioso. O companheiro ao lado dele também se levantou, pronto para bater em Catra.

"Puta mal comida do caralho!!" Ele gritou, projetando seu peso sobre Felina para ganhar impulso no soco. O barulho foi tão alto que o chão tremeu e todos no local se viraram para ver o que estava acontecendo. Catra se levantou bruscamente, elevando a garrafa e o copo para que eles não caíssem. O homem alto agora estava no chão, derrubado em cima do companheiro. Você balançou a mão para aliviar a pressão do soco que havia dado no sujeito. Ao cair em si, você percebeu que havia agido por impulso e que não tinha mais volta,

Eles estavam prestes a se levantar novamente e, sem saber ao certo o que fazer, você segurou o braço de Catra, correndo para fora do estabelecimento enquanto ela ria sem parar.

Definitivamente, estava bêbada.

"— VOCÊ É IDIOTA OU O QUÊ?" Você gritou, ofegante, parando de correr ao sentir que estava longe o bastante daquele lugar. "— Eles iam te matar, Catra!"

"— Eu n..." A voz dela saía embargada e em um tom alegre. "— Ela me odeia." Catra começou a rir alto, mexendo os braços para se expressar melhor. "ME ODEIA!" abaixou a cabeça. "Eu estraguei tudo. Eu sempre... EU SEMPRE ESTRAGO TUDO."

"Não... Não! Você não estragou nada, Catr-"

"— ESTRAGUEI SIM." Gritou. "Oh? Você parece com ela, sabia?" disse, tocando sua bochecha. Felina estava desorientada e você não sabia lidar com a situação. Havia entrado naquele bar justamente para afogar as mágoas e agora estava ali sendo baba de uma adulta inconsequente quando na verdade o que mais desejava naquele momento era uma dose de álcool para se sentir melhor,

Você olhou para ela confusa, massageando as têmporas, tentando raciocinar. Segurou-a pelo braço, jogando a garrafa que ainda estava nas mãos dela fora. Ela gritou e esperneou, fazendo pirraça pela garrafa, e para distraí-la, teve que comprar os salgadinhos que estavam na estufa de uma padaria prestes a fechar.

Você chamou um táxi e a levou para casa. Durante toda a viagem, teve que impedir Catra de querer pular pela janela como o Batman que ela julgava ser, ou mexer nos botões da janela o carro até finalmente adormecer profundamente em seu ombro, roncando alto.

Você sorriu, sentindo-a abraçar você o mais forte que podia. Ah, só de estar perto dela, sentia-se mole e mais calma.

Ao chegar em casa, você abriu a porta com a chave reserva que Felina havia lhe dado. Segurou os cabelos dela enquanto ela vomitava colada ao vaso, deu-lhe banho e a alimentou. Ela acabou dormindo sentada na cadeira, com a mão segurando sua bochecha apoiada enquanto você a alimentava. Você sorriu, observando a cena engraçada, sentindo-se bem e especial por ter participado daquela experiência com ela.

"Vamos deitar," você sussurrou no ouvido dela, vendo-a resmungar que não se levantaria. "Vamos, amor, ou amanhã você não vai conseguir andar." Carinhosamente, afastou sua franja que caía sobre os olhos. Suspirou, totalmente relaxada e feliz, beijando a testa dela até que ela abriu os olhos sonolentos. "Eu vou te levar para cama, tá bom?" Catra murmurou algo que para você foi um sim disfarçado.

Você a levantou cuidadosamente, circulando sua cintura e passando um dos braços dela pelo seu ombro para levá-la ao quarto e deitá-la na cama. Aquela casa foi onde o nosso amor floresceu e que ate hoje guarda os ecos de seus sussurros e risadas, testemunha silenciosa de cada momento nosso compartilhado. Paredes pintadas com as cores do amor e cada quarto gurda memorias que o tempo não pode guardar,

Você se sentou ao lado dela, deslizando os dedos pelos cabelos rebeldes de Catra. O coração aquecia de carinho e amor, trazendo paz. Ela dormia tranquilamente, delicada e encolhida debaixo da coberta.

Pronto! Você fez o que tinha que fazer, a ajudou, agora podia se levantar e ir embora. Todavia, quem disse que você conseguia? Você é fraca, Adora. Apertou os lábios, intercalando o olhar entre a porta e o ser que você tanto amava, dormindo sereno na cama. Não sabia o que decidir.

Você fechou os olhos e se levantou, andando até a porta e fechando-a em seguida. O barulho da porta batendo no trinco ecoou alto.

**************

Você havia acordado daquela lembrança assustada. Ainda estava no avião. Havia pegado no sono sem perceber. Já era noite, os outros passageiros dormiam e agora você havia perdido o sono. Voltou a olhar pela janela, encarando as nuvens no céu, indo e indo para longe. Indo e indo como sua Catra se foi da sua vida...

AnagapesiWhere stories live. Discover now