Capítulo 18

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Me permiti inspirar o ar gelado ao meu redor, sentir a brisa fria do vento, vislumbrar um floco de neve que caia lentamente diante de meus olhos. Ouvir as vozes dos inúmeros homens e mulheres que se preparavam para uma perigosa missão, e mesmo assim, sorriam com amistosidade para os que chegavam ao vilarejo.

Estava parada na praça central da vila, em frente ao centro de treinamento dos Drak, Bert e Howard me acompanhavam, como sempre. Nossos irmãos do sul estavam chegando à vila, enquanto os últimos aldeões partiam para a segurança de nossas vilas mais distantes.

Foi inevitável não notar a inquietação de Howard ao meu lado, embora eu não soubesse o motivo para seu comportamento inesperado, já que ele sempre fora o mais centrado de nós três.

A neve estava se acumulando em nossas roupas, em meu casaco de couro marrom que eu usava era possível ver os flocos de gelo transformar-se em água. Não trazia nenhuma arma comigo, ao contrario de meus companheiros, ambos não desgrudavam-se de suas espadas e adagas.

Pelo canto do olho observei minha mãe se posicionar ao meu lado, instantaneamente Bert e Howard deram um passo para trás. Ela trajava uma túnica verde sobre o vestido preto com detalhes também verde, seu cabelo estava preso em uma trança que formava um coque no alto de sua cabeça. Seu olhar permanecia atento no grupo de cavaleiros que agora estavam mais próximos.

A visão do comandante Riagáin se tornou nítida, e seu sorriso ao olhar para minha mãe aumentou. O homem de cabelos pretos na altura do queixo, olhos castanhos e o corpo largo e alto de um guerreiro, desceu de sua montaria, um cavalo de pelagem marrom. Até mesmo seus passos eram capazes de intimidar qualquer ser sobre a terra, sua postura ereta, o olhar obstinado e destemido e o meio sorriso enigmático, fazia com que sua simples presença irradiasse poder.

O comandante parou à minha frente, e me analisou dos pés a cabeça com um sorriso presunçoso. Em seguida se virou para a minha mãe.

— Bi mosteri aneite, Nulara — sua voz era grossa ao pronunciar cada palavra.

Revirei os olhos ao notar que nada havia mudado em todos esses anos, o primo de minha mãe continuava apegado aos velhos e esquecidos costumes.

— Monéste aneite, kamá — minha mãe sorriu ao responder.

A família de minha mãe ainda preservava alguns velhos costumes, e o principal era nosso antigo idioma.

— Anake monéste ama tary tolyri — seu semblante mudou ao falar sobre a perda de meu pai.

— Otorimane — minha mãe esboçou um sorriso agradecido.

O homem que parecia ignorar minha presença finalmente se voltou para me encarar.

— Comandante — mantive minha voz firme. — Obrigada por atender ao nosso chamado, e gradeceria se usasse nosso idioma.

Seu sorriso se alargou. Lembranças desagradáveis retornaram à minha mente ameaçando meu equilíbrio mental.

— Como quiser, Taryuan — ele fez uma quase reverência, ao dizer "líder" no nosso antigo idioma. — Embora essa não seja nossa língua.

— Os Drak não usa esse idioma desde Lori Balts — rebati.

— E graças a ele, estamos aqui hoje tendo essa discussão — ele emitiu um resmungo de deboche.

— Infelizmente — disse por fim.

— Não se parece com aquela garotinha assustada que sua mãe deixou nas montanhas para treinar — ele desviou o olhar para minha mãe por breves segundos.

— Muita coisa mudou nesses anos — foi minha única resposta.

Ainda recordava a dor dos ossos quebrados, o gosto do sangue na boca, o corpo pegajoso de lama, meus cabelos sendo cortado, as queimaduras de gelo, as torturas psicológicas. Me lembrava de cada cicatriz que ganhei quando fui deixada naquela montanha para treinar, quando tinha apenas cinco anos.

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