Prólogo

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Prólogo

— Meliha, não faça isso. Eu te imploro — o homem suplicou diante da mulher enfurecida.

— Você não deveria ter me traído — não havia indícios de misericórdia em sua voz.

Meliha segurava a amante de seu marido pelo pescoço, as garras que ela sempre  escondia, agora ameaçavam cortar a pele pálida da jovem que estava apavorada, assim como seu amado que continuava caído no chão — de joelhos —, implorando pela vida de sua amante.

— Achou que eu nunca descobriria? — Meliha sorriu. Um sorriso viperino como o de uma cobra pronta para dar o bote.

— Eu faço qualquer coisa — ele disse, e em nenhum momento seu olhar deixou a jovem ruiva que agora chorava.

— Você me trocou por esse bichinho assustado? — a bruxa passou a mão livre pelo rosto pálido da garota. — Mas devo confessar que ela até que é bonitinha — Meliha a virou para si.

A garota não conseguiu evitar fechar os olhos quando os seus encontraram o da mulher à sua frente. A menina era realmente linda, isso a bruxa não poderia negar. A pele pálida manchada com sardas na bochecha, os cabelos em tom avermelhado, os olhos eram verdes, tão verdes que pareciam os lagos de Rasalas. O corpo esguio marcado por belas curvas, talvez fosse isso que atraiu seu marido e não o fato de sua juventude, quem sabe algum tipo de magia... Não. Não era magia. Meliha era a bruxa mais poderosa e não sentiu nenhum tipo de magia, nem mesmo um pequeno encantamento. Ela fora realmente traída.

— Meliha — ele implorou novamente.

Ela já estava cansada de vê-lo implorando pela vida daquela vadia. Um sorriso presunçoso surgiu em seus lábios quando olhou para o marido de joelhos a seus pés. Ele estava apenas com as calças, revelando o físico extraordinário para alguém com mais de cem anos. Seus cabelos na altura do queixo estavam bagunçados, eles pareciam mais escuros a luz das velas que iluminavam o quarto. A barba por fazer o deixava ainda mais belo, e os olhos... Aquela fora sua perdição. Aqueles olhos azuis. Não qualquer azul. Um azul tão profundo que não havia nada que pudesse se comparar aquilo. Todos da linhagem Rein tinham aquele olhar. Um olhar que prendia qualquer um, até mesmo a líder do mais poderoso clã.

Fazia um século que eles se conheceram, e um século que enfrentaram o mundo e seus exércitos para juntar o reino de Morningh e o clã de Meliha. Todos pensaram que ela o havia enfeitiçado, outros que ele havia lhe lançado algum tipo de magia antiga. Mas nada disso os impediram de se unirem. Meliha era imortal e temia que seu amado envelhecesse e a deixasse, então procurou formas de o manter jovem para sempre, não foi difícil, já que ela era a mais sabia que já existira. Agora ele havia jogado isso tudo fora.

Com um último olhar para ele, ela se voltou para a garota cujo o nome ela desconhecia, suas garras se enterraram em sua garganta levando o seu marido a emitir um grito agudo. Meliha o olhou por tempo suficiente para ver as lagrimas em seus olhos. Raiva. Dor. Ódio. Uma confusão de sentimentos que ela não via a muito tempo.

Mas nada disso importava diante do novo sentimento que acordava dentro de si. Ah, como era bom sentir aquele sangue quente em suas mãos novamente. Como era bom ouvir a respiração dela cessar. O olhar se tornar vazio. Sentir a morte. A morte, sua velha amiga que não via a tantos anos.

Tudo isso impediu que ela desse importância ao homem destruído a alguns centímetros de onde estava. Impediu que ela visse as lagrimas que caiam no piso de mármore, que ela ao menos sentisse um pouco do desespero de seu marido ao ver a amante morta.

Deixar seus hábitos sangrentos foi algo que ela fez quando se uniu ao rei de Morningh. Abdicar de seus rituais, seus costumes mais perversos. Porém, bastou sentir o cheiro do sangue daquela jovem para seus instintos mais sombrios reaparecerem.

Laços de Gelo e Sangue Where stories live. Discover now