Décimo Primeiro Capítulo: Guilherme

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Ninguém tocou no assunto quando regressei, mas sabia que minha mãe havia chorado e custava manter uma conversa tranquila durante o jantar; a tensão ainda se mantinha. E pela manhã foi como se nada tivesse acontecido, se fosse em outros anos provavelmente teríamos voltado ao assunto. O pior de tudo é que eu não conseguiria dizer nada sensato. Minhas calosidades tornaram-se permanentes.

A buzina do ônibus escolar interrompeu minha conversa com André sobre o carregamento dos bovinos. O projeto do meu avô tinha permanecido inoperante por tempo demais. Eu não precisava dessa ajuda para arrumar amigos, os anos que me aventurei nos rodeios serviram para que perdesse o acanhamento.

— Será um dia e tanto, patrão — Nathan disse, olhando o bando gritante descer eufórico.

— Vamos mostrar para essa molecada que a cidade grande não é tão boa assim.

— Da maneira que fala parece que os prédios têm a capacidade de te engolir, Guilherme — a universitária abelhuda disse, abrindo espaço entre mim e Nathan  — Por que não admite que o equilíbrio é essencial? E larga de agir como um caipira do século dezoito, preocupado com a modernidade.

— Senhorita Moura, por que insiste? — Perguntei, um vinco se formando na testa.

— Eu? Gosto de tirar proveito de tudo — ela respondeu, sorrindo marota — Agora explica isso.

Peguei a folha de caderno onde tinha escrito nosso roteiro.

— Suas obrigações de hoje em um português claro e direito, senhorita Moura — devolvi-as, já caminhando em direção a coordenadora da escola.

Ouvi Nathan rir atrás de mim e sugestões que Bianca jamais acataria. Como Alfredo não apareceria na fazenda, eu estava dando um voto de confiança na universitária e deixado as dúvidas dos alunos para que ela sanasse. Não era um ótimo plano? Bianca teria a chance de ser uma sabichona.

— Alguém disse que você tem métodos imprecisos? — Ela perguntou, acompanhando meus passos — Primeiro me manda ficar longe do projeto e agora me joga nele de cabeça.

— Uma pena que não tenha sido no sentido literal — resmunguei, esfregando o queixo.

— Oh! E quem consultaria os equinos de graça para você, Guilherme?

Interrompi a caminhada, virando-me para ela.

— Vamos tentar uma trégua hoje, senhorita Moura.

Bianca semicerrou os olhos e com toda certeza eu não acreditaria também. Mas, eu precisava de sua ajuda e a última coisa que gostaria era de um ataque verbal e até físico.

— Não confio em você.

— Em nenhum momento disse para confiar, gata do mato, só passaremos as exatas oito horas juntos. Tem que me suportar mesmo que deseje me atropelar com o trator ou me afogar pelos próximos quatrocentos e oitenta minutos.

— Quer dizer que vamos a um riacho?

— Saberia se tivesse lido o itinerário em vez de reclamar — disse com a voz um pouco alterada.

Bianca sorriu e aproximou-me mais:

— Quem disse que não li, touro marrento? — Perguntou, mandando um beijo e saindo toda faceira, enquanto Edina andava em minha direção.

Era uma mulher de quarenta anos, pele morena e sorriso cativante, mas era de longe a educadora que mandaria para um lazer ao ar livre.

— As moças solteiras vão sofrer com a novidade, Guilherme — ela disse, mudando a bolsa de ombro — Qual o nome da sua namorada?

Em Um GestoOnde histórias criam vida. Descubra agora