Libertália: Raízes Piratas

☠ XII - O outro lado da luz ☠

Henrique improvisou uma fogueira para assar os peixes que Haya havia pescado com a adaga, e os três reuniram-se em torno dela para saborear a iguaria sem tempero. Elisa jamais se atreveria a comer algo assim se não estivesse em uma situação de emergência.

— Então, o que faremos agora? — quis saber Henrique entre uma mordida e outra. — Pensei que iríamos até John Fox.

— Não será necessário — tornou ela, arrancando uma barbatana de peixe com a adaga. — Ele virá até nós.

Havia um brilho estranho de excitação nos olhos dele que Elisa não conseguia compreender. Henrique parecia ansioso para encontrar aquele pirata em particular, o que não fazia sentido. Logo ela percebeu que devia tê-lo encarado por tempo demais tentando decifrá-lo, pois o garoto lançou-lhe um sorriso amarelo. Elisa pensou em algo para dizer para tirá-la do desconforto.

— E por que deveríamos encontrar algum pirata? Não podemos só tentar encontrar a saída deste lugar? Nada pessoal, mas não confio em piratas.

Haya devolveu-lhe um sorriso amargo.

— Você está certa, piratas não são nada confiáveis. São traiçoeiros, mentirosos, sanguinários. Mas para sobreviver, você terá que aprender a lidar com eles.

— Você fala como se não fosse um deles.

Ela suspirou, encarando a brasa da fogueira.

— Eu nunca quis ser pirata. Antes, era só uma empregada, levava uma vida simples até ser levada à força para o mar. A carreira de pirata não é algo que se escolha para si. No entanto, uma vez ingressada, você pode até tentar sair dela, mas ela jamais sairá de você.

Pela primeira vez, Elisa a observou de verdade, com real interesse. Suas cicatrizes, sua pele manchada pelo sol, sua roupa batida, seu cabelo desgrenhado, tudo nela indicava já ter vivido milhares de aventuras, e de repente Elisa quis conhecer a história daquela mulher que dizia ser sua ancestral.

— Quem a levou? — perguntou ela antes que pudesse se refrear. — Quer dizer, se não for um incômodo falar, é claro...

Haya sorriu de volta, um sorriso simpático e convidativo que fez tanto Elisa quanto Henrique aproximarem-se mais para ouvi-la falar.

— É claro que não. Foi um maldito pirata irlandês, de nome Goot. Eu era apenas uma garota, não tinha mais do que a sua idade, e apesar da vida dura de empregada e de nunca ter conhecido o meu pai, estava feliz com a vida que levava, nunca precisei pensar demais sobre o futuro. Até o dia em que aquele homem apareceu... gordo, sujo, jorrava uma enxurrada de xingamentos e despautérios que eu sequer entendia. Ele fez-me insinuações, disse que eu era bonita e que queria levar-me para o seu navio. Eu me recusei, me afastei, mas isso não foi o suficiente para desencorajá-lo. À noite, ele e seus homens invadiram a mansão onde eu trabalhava, saquearam tudo, assassinaram os senhores da casa, e Goot me raptou.

Ela já devia ter contado aquela história muitas vezes, porque seu rosto não demonstrava emoção.

— Que horror — Elisa comentou baixinho.

— O horror ainda está por vir — tornou Haya de forma sombria. — Goot levou-me ao seu navio e trancou-me em sua cabine, prometendo voltar mais tarde para tomar-me como sua mulher. Eu era uma garota apavorada, e quase enlouqueci durante o tempo em que esperei sozinha. Mas em meio ao desespero, decidi não me entregar passivamente. Lutaria por minha dignidade, mesmo que isso significasse a minha morte.

— E o que foi que você fez? — Elisa engoliu em seco, temendo pela resposta.

— Quando ele voltou, já estava bêbado. Era, na verdade, um valentão covarde que precisava da bebida para encarar sua prisioneira, e isso era bom para mim. Ao entrar, esqueceu-se de tirar sua adaga da cintura, ou pensou que eu fosse inofensiva demais para tentar algo contra ele. Mas ele estava enganado... Quando veio para cima de mim, cambaleando, não hesitei em puxar sua arma e cravá-la em seu peito. Goot caiu morto, mas eu ainda tinha de lidar com os piratas do lado de fora. Precisava encontrar um meio de fazê-los levarem-me de volta para casa, e o único meio em fazer isso era incutindo-lhes medo.