8. Aceitação

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Rafaella respirou fundo, ainda estava com aquela amizade colorida entre Marcela e Bianca bem entalada na garganta, não aguentava os comentários uma na foto da outra, as menções nos stories e a estadia da médica na casa de Bia sempre que estava em São Paulo.

Mas, não podia falar nada então apenas guardava tudo para si. Como todo resto. Rafa estava cansada de ficar na defensiva e engolir tudo, simplesmente não aguentava mais.

- Eu vim tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dessa infantil da Bianca! - exclamou irritada. - Você acredita que ela está recusando um contrato maravilhoso só porque teria que trabalhar comigo?

Marcela se aproximou vendo que talvez aquela seria a chance de conversar com Rafaella abertamente sobre toda aquela situação e tentar, de alguma forma, ajudar as duas cabeças duras.

- Rafa, você é uma mulher inteligente, sabe se portar, se impor, escolher bem as palavras e medir suas atitudes. Agora eu quero que você respire fundo, acalme a raiva dentro de você e se coloque no lugar da Bianca - sentou-se na calçada do lado de fora da casa sendo acompanhada por Kalimann. - No lugar dela, depois de sempre ser ignorada por você, você aceitaria esse contrato?

Rafaella sentiu o peso do mundo sobre seus ombros. Não, se fosse Bianca ela não aceitaria. Sentiu a culpa remoer seu coração, como sentia todas as vezes que machucava Bianca para afastá-la ainda mais.

E ela finalmente havia conseguido, finalmente havia conseguido fazer Bianca Andrade odiá-la.

- Você sabe de toda história, né?! - perguntou, tímida, Marcela fez que sim com a cabeça. - É engraçado que eu sempre pensei que se fizesse a Bia me odiar, eu poderia sofrer sozinha por nós duas, mas misericórdia, é impossível fazer Bianca Andrade odiar um ser humano!

Marcela riu do termo "ser humano" e concordou:

- Ela realmente se esforça para entender todos os lados, e isso acaba fazendo ela se machucar ainda mais. - Rafa concordou, na sentindo a garganta abafada e a vontade de chorar. - Mas por que raios você quer afastar a Bianca tanto assim?

A médica sabia a resposta, mas queria levar a influenciadora a falar em voz alta todo aquele absurdo para ver se ela finalmente enxergava a besteira que estava fazendo.

- Porque eu gosto dela, Ma! Porque eu fiquei com ela por curiosidade e se tornou algo muito maior que isso, eu nunca pensei que chegaria no nível que chegou, o problema é que meu medo me embarreirou - deu de ombros -, eu não conseguia me aceitar, sempre tive essa pressão de casar, vestido de noiva, dar os netos que minha mãe quer, essas coisinhas de interior. Eu pensei que entre decepcionar minha família e decepcionar a Bia, seria melhor a segunda opção.

Rafaella nunca tinha falado sobre aquilo com absolutamente ninguém, e expressar em voz alta aquele sentimento foi, para ela, um soco no estômago. Como havia sido injusta e egoísta com Bianca! Ela estava enxergando aquilo.

- Rafa, eu vejo pelo que você posta que seus pais e sua família te amam, você tem certeza que eles não aceitariam?

- Eu não sei, meu medo não me deixou sequer pensar nessa possibilidade.

- E você se sente bem, feliz e completa se relacionando com homens?

- Não.

A resposta saiu imediatamente e naturalmente, Rafaella não precisou sequer ponderar.

- Bom, essa resposta me pareceu bem certa.

Rafa abaixou a cabeça, nervosa.

- Quando eu fiquei com a Bianca pela primeira vez eu juro juradinho que foi em nome da curiosidade, nada além. Só que eu não conseguia parar de pensar nela nem por um segundo, meu corpo nunca reagiu daquela forma com ninguém e eu não sabia mais o que fazer, aí procurei ela de novo - contou Rafaella, com lágrimas nos olhos -, entramos em um ciclo, eu ia satisfazer esse meu lado, que eu entendo hoje que não era um lado, mas sim a minha verdadeira identidade, e corria para aparecer com um homem publicamente para que ninguém desconfiasse. Mas eu sempre voltava para a Bia, sempre!

- Bom, eu posso ver o porquê - Marcela comentou, rindo. - Essa mulher tem um negócio mesmo, cruz-credo.

- Vocês estão juntas?

- Não! Namorando? - Marcela perguntou e Rafa fez que sim com a cabeça. - Não! - voltou a exclamar. - A Bia não cria raiz, e eu também não, a gente fica quando tá bêbada e é basicamente o relacionamento que a gente tem. Mas eu vejo que ela gosta de você, e você gosta dela, Rafa, eu vi o que aconteceu naquele ensaio fotográfico, vocês criam uma bolha quando estão juntas, é surreal.

- E cê acha que eu não sei? - Rafa riu, negando com a cabeça. - Teve um momento que eu pensei "ok, já deu, já que eu estou criando um sentimento pela Bianca eu vou atrás de outra".

- Então você teve outras experiências com mulheres?

- Sim! Eu não sou Biancassexual - fez a piada. - Eu estava fora do país para um trabalho e pensei que como ninguém me conhecia, eu poderia experimentar e assim eu fiz. Saí com algumas mulheres e constatei o óbvio, eu não sinto prazer algum estando com um homem.

- Você percebeu que gosta de mulher e que estava apaixonada pela Bianca - Marcela deu seu palpite.

- Exato!

- Rafa, você entrou em um casamento por não conseguir se aceitar, você tem noção?

- Mas claro que tenho, uai - Rafaella soltou. - Eu sei que nada justifica uma traição mas eu tive parte da culpa de todas as vezes que fui corna, eu fugia daquela trem lá igual o diabo foge da cruz. Só de pensar em sexo com qualquer homem eu já me desesperava.

- Ok, essa conversa está me deixando até enjoada - Marcela fez uma careta. - Eu não posso nem cogitar que um mulherão como você nunca teve prazer de verdade com ninguém.

- Só comigo mesma - Rafa comentou, sentindo-se repentinamente a vontade com Marcela.

- Rafaella, você precisa de uma noite com Boca Rosa, é só isso que eu te falo.

Rafa ergueu as sobrancelhas, dizendo:

- Cê tá doida? Tu acha que eu não sei que se eu transo com essa mulher eu posto até foto de casal no Instagram dedicando meu amor eterno à ela?

Marcela gargalhou.

- Ela me falou que tu sempre fugia dela, maldade, Rafa Kalimann, isso é maldade.

- Pra nós duas, né?! Eu também ficava desesperada, mas é incrível como o medo prende a gente.

Marcela segurou as mãos de Rafa obrigando-a a olhar em seus olhos, ela deu um sorriso leve, como se quisesse passar confiança, e falou:

- O Brasil todo te viu vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, enfiada em uma casa cheia de câmera e mesmo assim todo mundo te amou! Rafa, você ganhou um mundo de admiradores do dia para a noite, e não, eu não te culpo por ter medo pois eu sei como a comunidade LGBTQIA+ sofre nesse país, eu entendo isso, mas por outro lado você já provou que é um mulherão da porra que merece respeito. Quem você beija ou deixa de beijar não muda quem você é! E se alguém não concordar com isso, que suma da tua vida! O que não dá mais é que você continue abrindo mão da sua felicidade por medo da opinião alheia.

Rafaella sentiu uma lágrima escorrer pelo seu rosto e fungou, respondendo:

- Mas agora já é tarde, Ma. A Bia já me odeia.

- Bianca Andrade não odeia ninguém! - afirmou a médica, levantando-se. - Vem, eu vou te enfiar nessa casa nem que a gente tenha que pular esse muro!

Rafa sentiu o coração palpitar e foi tomada por uma súbita coragem, ela iria reconquistar Bianca, Jeniffer, Boca Rosa e todas as mil personalidades daquela mulher, pois tinha absoluta certeza que amava cada uma delas.

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