Capítulo 02 - Beatriz

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2006 
Beatriz Oliveira.


Segurei com força no colar, ele era meu companheiro na Instituição “Amor para Meninas”. Não era fácil encontrar amigas em um lugar, onde as garotas eram abandonadas, esperavam na fila de adoção há anos ou enfrentavam algum trauma. 
As freiras que trabalham na instituição são rígidas, até mesmo severas. Elas não facilitam, castigando quando é necessário e nunca sentem remorso. 
Cheguei aqui com sete anos, quando a família Vasconcelos descobriu o que meus pais faziam comigo dentro do quartinho escuro. Não vou dizer que estou feliz, satisfeita com minha vida, mas não sou atormentada pela loucura e a doença dos meus pais. Suponho que eles estão presos, e meus únicos parentes vivos são meus avós paternos que fizeram de tudo para evitar minha guarda judicialmente. Alegando extrema pobreza, que não era verdade! 
Agora estou na fila de adoção há anos, ninguém quer uma pré-adolescente atormentada. Meu único refúgio está nos livros, passo horas na biblioteca do instituto, lendo, estudando e saboreando a minha própria companhia. Eu posso sobreviver sozinha, se os livros estiverem ao meu lado. 
Os personagens dos livros se tornaram minha família, meus melhores amigos e minha salvação. São as palavras, as aventuras e os romances que encontro nas páginas de um livro que não permitem a minha total ruína, já pensei muitas vezes em como tirar minha própria vida, mas fico pensando: mortos podem ler? Mortos conseguem cheirar as folhas de um livro ou sentir a capa com as mãos?
Acredito que não! 
Prefiro viver dormindo com ajuda de remédios controlados, frequentar milhares de sessões de terapia, mas continuar respirando com ajuda dos livros. 

— Aqui fica a biblioteca; — A diretora da instituição entrou, acompanhada por duas mulheres. A Freira não olhava diretamente para elas, tinha uma expressão enojada no rosto. — Muitas meninas da instituição não gostam de ler. 

Reparei nas mulheres elegantes, que estavam caminhando de mãos dadas. Elas trocavam olhares apaixonados e intensos, uma cena que só encontrava nos meus romances ilusórios. 
Fiquei encantada no mesmo instante, elas mantinham um sorriso majestoso no rosto. Não se importando com a carranca mal-humorada da diretora, acho que elas precisam enfrentar muitos olhares preconceituosos no dia a dia. 
Segurei novamente no pingente do meu colar, sentindo a pedra na minha mão… um dia já amei de verdade! 

— Que besteira, Bea. — repreendo-me. — Leia o seu livro, não pense nele. 

Rapidamente presto atenção nas páginas do livro. Estou relendo pela milésima vez “Morro dos Ventos Uivantes”. 
Ouço alguns sussurros na biblioteca, barulhos de saltos no chão, mas controlei a minha curiosidade. 

— É uma bela leitura, mas muito complexa. — comentou uma voz suave. 

Parei de ler, levantando o olhar, às duas moças estavam olhando-me com certa indiscrição. 
Uma delas tinha a pele negra, cabelos cacheados iguais aos meus, no entanto, eram mais bonitos e longos. Ela era uma mulher alta, diferente da sua companheira… A outra mulher era mais baixa, tinha uma pele clara e cabelos pretos como penas de um corvo, e seus olhos são verdes-claros. 
Lindas…
Às duas mulheres eram lindas.
Duas Deusas que inspiravam poesias, até mesmo canções românticas.

— Não é complexa; — respondi. — apenas descreve um amor doentio. 

— Concordo com você, Cathy precisava urgentemente de um terapeuta. — Disse a mulher de olhos-verdes. — Meu nome é Fernanda, você é? 

— Beatriz… Beatriz Oliveira! 

— Eu sou Naya, a esposa da Fernanda; — ela estendeu a mão para um cumprimento formal. — É um prazer conhecê-la, Beatriz. 

— É um prazer, senhora. 

— Você sempre fica na biblioteca? — Indagou Fernanda. 

— A maior parte do tempo, os livros são meus melhores amigos. — Digo com sinceridade. — Eles me permitem viver as suas histórias, salvando a minha vida. 

Às duas trocam aqueles olhares apaixonados que me fazem suspirar. 

— Quantos anos você tem?

— Eu tenho doze anos. 

Naya sentou-se na cadeira a minha frente, pegando um livro da pilha espalhada na mesa. 

— Você ama romances; — depois pegou outro livro. — Também gosta de fantasia; — repetindo o processo com outro livro. — Mitologia Nórdica? — olha-me fascinada.

— As Mitologias Nórdica e Celta, são as melhores. 

— Impressionante, uma pré-adolescente apaixonada pela Mitologia Nórdica; — Naya olhou em direção da porta, onde a diretora estava aguardando com sua carranca azeda de sempre. — Há quanto tempo está na Instituição? 

— Há cinco anos. 

— cinco anos é muito tempo; — murmurou Fernanda. — Gosta de viver aqui? 

Um nó formou-se na minha garganta. Eu queria dizer que era feliz, que gostava de viver na Instituição “Amor para Meninas”, mas seria uma hipócrita. 

— Tenho alguns dias felizes… mas… mas… é difícil a maior parte do tempo. 

— Eu imagino o quanto é difícil. — Naya tinha uma certeza na voz, como se ela já estivesse passado por situações semelhantes. 

— Bom, voltaremos amanhã. Estamos conhecendo a instituição. Podemos encontrá-la na biblioteca novamente? 

— Eu fico na biblioteca no período da tarde, de manhã estou executando minhas tarefas diárias. Ajudar na cozinha, cuidar da horta e ajudar na limpeza dos quartos. 

— Você faz tudo sozinha? — Fernanda ficou boquiaberta, entendendo errado a minha explicação. 

— Não, é claro que não. Todas as meninas do instituto tem suas tarefas diárias e aulas, precisamos ocupar a mente. As freiras nos ensinam a cozinhar, limpar nossa própria sujeira, precisamos ter responsabilidades; — fechei meu livro. — Muitas quando completam dezoito anos ganham um final mais triste, porque são obrigadas a deixar a instituição. 

— E são jogadas no mundo sem ter para aonde ir; — completou Naya, suspirando fundo em seguida. — É um final muito triste. 

— Você já pensou em ter uma família? 

Olhei em direção da mulher de olhos-verdes, ela tinha uma ternura amigável na voz, desde que cheguei no instituto ninguém conversou comigo com tanto carinho. 

— Todos os dias, só queria ter alguém com quem conversar. Não quero apenas viver as histórias dos meus livros, mas também ter a minha própria história com muita alegria, romances, aventuras e um lar para voltar. 

Elas ficam em silêncio por longos minutos, apenas observando meu perfil. 
Fernanda tinha uma doçura em cada gesto, mas Naya olhava-me como se entendesse os anseios da minha alma. 

— Senhoras; — A voz rouca da diretora cortou o silêncio profundo que dominou a biblioteca. — Existem mais setores que deveriam conhecer na Instituição. 

— Está certo! — Naya levantou-se, garantindo: — Voltaremos amanhã. 

Senti meu coração perder o ritmo, acelerando dentro do meu peito. 

Eu queria acreditar nas palavras delas, mas muitos dizem que voltam no dia seguinte. 

Infelizmente, eu estava certa… 

Naya e Fernanda não voltaram no instituto, os meus dias sucederam normalmente. 

Participava das tarefas, das aulas e depois corria na biblioteca. Passava a tarde lendo os meus livros, encontrando conforto neles. 

— BEATRIZ!

Sobressaltei, sentindo o livro escorregar das minhas mãos e cair em cima da mesa, fazendo um barulho alto.
Viro-me em direção da porta. 
A diretora da Instituição estava parada, mantendo seu semblante severo. 

— Diretora, eu fiz alguma coisa errada? 

— Arrume as suas coisas… Você foi adotada! 























Milionário Sedutor (DEGUSTAÇÃO).Where stories live. Discover now