Capitulo 9

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Reconheço as sombras como quem revê uma velha conhecida. Elas parecem duras como concreto, cercando-me do mundo, e, ao mesmo tempo, leves e dançantes como fumaça. Está tão escuro que Caleb, Christine e a mulher da cafeteria desapareceram, mas basta que eu pense neles para que eu veja seus rostos, claros como água em meio à escuridão.

— Mayumi? — Caleb olha para os lados, perdido. O truque só deve funcionar em uma via. Ele ergue as mãos à minha procura, e desvio para que ele não me toque.

— Mas que merda... — Christine comenta, e vejo-a tatear os bolsos em busca do celular. Ela acende a lanterna do aparelho, mas a luz se perde antes mesmo de sair pelo flash. — Mas que merda? — repete.

Afasto-me e deslizo para o corredor. Temo esbarrar em alguma coisa, mas o mero pensamento faz com que a escuridão se dobre em torno dos objetos em meu caminho, abrindo passagem. Irene e um cliente do café estão imóveis, expressões de confusão e pavor no rosto.

— Deve ter sido uma falha de energia. — Irene diz, se para si mesma ou para o cliente, não sei dizer.

— Mas e aquilo? — diz, apontando para trás — Estamos no meio do dia.

Olho para frente, e perco o ar. Ele tem razão; ainda é o início da tarde, mas podia ser madrugada. A rua desapareceu. As janelas estão tomadas por sombras, impedindo que a luz do sol entre. Se eu abrir a porta, talvez descubra que envolvi a cidade inteira em escuridão.

Que tipo de monstro é capaz de algo assim?, penso. E então me lembro.

Eu. O monstro sou eu.

— Mayumi. — ouço Caleb me chamando, e então o som abafado de dois objetos se chocando um contra o outro — Ai, merda. Mayumi, onde você está?

Quero responder, me fazer ouvir, fazer com que ele me encontre. Mas também quero fugir, a escuridão me servindo de manto, porque Caleb é uma alma boa e generosa demais para merecer o que estou fazendo com ele.

Quero que ele me veja, mas também quero nunca mais ser vista. É uma disputa acirrada, que faz minhas mãos tremerem e meu coração acelerar. Quero as luzes, a vida, mas há conforto no escuro. Não sei o que quero. Não sei quem sou. Tentei lutar antes, mas agora não posso controlar nada.

— Mayumi! — surpreendo-me com sua voz mais perto, à minha esquerda, e me viro.

A mão de Caleb toca meu ombro, e é como ser eletrocutada. Um choque que me trás de volta ao mundo real.

Curvo-me, e pareço engolir as sombras, todas de uma vez. Num minuto, elas estão lá, me cercando. No outro, é dia outra vez, e o sol entra pela janela da cafeteria como se me desafiasse a impedi-lo outra vez.

Estou tremendo, e Caleb põe as mãos sobre os meus ombros para me estabilizar. Sinto-me pequena, minúscula, insignificante, e gigantesca ao mesmo tempo. Novamente, é como se eu visse minha própria vida vista de fora. É a segunda vez agora. Caleb deve estar apavorado. Ele tem todo o direito de ter medo—eu tenho.

Mas tudo que vejo refletido nos olhos dele quando o encaro é preocupação. De alguma forma, dói ainda mais.

— Vamos pra casa. — ele murmura, e aceno que sim. Ele põe um braço sobre os meus ombros e me leva para longe dali.

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