Capítulo 16

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Encaro o Kyle deitado no sofá e, a seguir, desvio os olhos para o relógio na parede. São quase oito da noite, e as últimas horas passaram tão devagar que pareciam que nunca mais iam acabar.

Depois da aula de tiro, o dia foi bastante tranquilo.

Até demais.

Mas sensação de empoderamento com que fiquei é extasiante.

Os efeitos dos disparos permaneceram: a dor nos ombros causada pelo recuo da arma, o cheiro de pólvora que parecia não desaparecer das minhas mãos ou da minha roupa, o ruído no ouvido que ainda ressoava mesmo tendo usado protetores auriculares, a adrenalina de apertar o gatilho e acertar no alvo, apesar de ter errado alguns dos tiros seguintes.

E mesmo que eu continue acreditando que usar armas de fogo não é solução, e espero que um dia nenhum de nós precise delas, eu estaria mentindo se dissesse que não gostei.

Até porque, neste momento, saber atirar pode ser a diferença entre a vida e a morte.

E eu não cheguei até aqui para morrer, pelo menos não sem lutar.

— Que tédio, Emily — Kyle diz e dá um bocejo longo, tirando-me dos meus pensamentos. Ele está apenas de camiseta e bermuda e um cabelo muito bagunçado. Não o efeito desgrenhado e charmoso do cabelo do Nathan, ele está parecendo uma criança de oito anos, o que me rouba um sorriso.

Faz algumas horas que estamos na sala principal no sofá olhando, pelo menos eu, para a tela branca e preta da televisão esperando algum anúncio. O ruído indicando que está sem sinal incomoda, ainda mais depois de algum tempo, mas talvez seja melhor não baixar o volume.

Fomos escalados em duplas e por turnos para ver se o Gabe vai fazer algum comunicado.

Por isso, o Philip, junto com outros soldados, instalou um alarme nesta sala. Dessa forma, se algum anúncio acontecer, basta ativá-lo e todos no prédio serão avisados.

— Tédio? — pergunto incrédula. — Você falou o tempo todo. Isso quando não estava cantando nas últimas duas horas e... — faço uma pausa enquanto cálculo o tempo exato que estamos aqui — quarenta e nove minutos. Além disso, faltam só onze minutos para o nosso turno acabar.

— Pois é, eu diverti você e você não fez o mesmo. O que custava cantar para mim também? — pergunta fazendo cara de decepcionado. — Vai, Em, me tira um pouco dessa monotonia. Você sabe dançar?

Ele próprio ri das coisas idiotas que diz.

— Estou indo treinar com a Sarah e o Philip. — A voz séria do Vitor preenche o ambiente, fazendo-nos olhar para a porta. — Todo mundo vai para lá depois.

— Eu estou preso aqui — Kyle resmunga.

— Para de reclamar, já falta pouquinho. — Olho para o relógio que avançou mais alguns minutos. — Onde ficam as instalações?

— É difícil de explicar — Vitor responde. — Mas como falta pouco, eu fico aqui para acompanhar vocês — ele se oferece, entrando na sala e sentando-se ao meu lado. Parece ter acabado de tomar banho, o cabelo ainda está úmido e consigo sentir o cheiro do gel de banho cítrico. — O Philip e a Sarah podem começar sem mim.

Depois desse comentário, Kyle se senta no sofá e fica me encarando.

Ele estreita ainda mais os olhos e, por experiência própria, sei que não vou gostar do que vem por ai.

— Eu estou vendo um sorrisinho, Em — diz, enigmático. — Mas não se anime, a possibilidade de o Philip se interessar pela Sarah é inexistente.

A Resistência | Coroa em Chamas (Livro 3)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora