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Reunir o conselho foi fácil e rápido. Ettore foi o primeiro a chegar, e diferente do dia da visita do rei, ele estava com a roupa amassada os cabelos castanhos despenteados e um olhar que indicara que havia passado a noite bebendo. Ariost estava em suas vestimentas simples como sempre e um olhar astuto no rosto. Vasti estava sentada ao lado do pai, seu olhar ás vezes era direcionado a Ettore com um grande desprezo evidente.

Minha mãe fingia não estar triste, fingia que também não teve um pouco de esperança em abraçar o marido. Sei que ela o amava, e a julgar pelo olhar que ás vezes se tornava distante, ainda o amava, mesmo morto. Porém, sua criação não permitia que colocasse os sentimentos acima de seus deveres, e nesse momento seu dever era me tirar do comando dos Drak.

Já eu permanecia agarrada ao meu novo propósito: ser a líder que meu povo precisava; ser a líder que meu pai acreditava que eu seria. O cordão que sempre o acompanhava, o cordão que o rei de Morningh trouxera como prova de que meu pai estava vivo, agora estava em meu pescoço, e o pequeno dragão entalhado na madeira parecia uma brasa quente contra meu peito.

— Ela é uma criança — minha mãe repetiu as palavras pela milésima vez.

Desde que nos reunimos na sala, tudo que foi discutido era que eu era uma irresponsável que fora enganada por um jovem rei ardiloso. Ninguém me deixou falar, nem ao menos explicar o que aconteceu, muito menos o que descobri.

Dispensei Bert e Howard para suas casas, sei que Bert ansiava rever a esposa e os filhos. Já Howard, provavelmente voltaria para o quarto que ele aluga em uma das pensões da vila, já que sua família mora na vila do sul.

— A culpa não é dela — Vasti interveio. — O rei apresentou uma prova de que suas palavras eram verdadeiras. O conselho votou, e ela obteve a permissão para ir.

— A essa hora ela poderia estar morta — minha mãe continuou. — E teria sacrificado duzentos homens inocentes por um capricho.

Minha garganta secou. Um capricho? Ir atrás de meu pai não era um capricho.

— Já basta — gritei fazendo-os se calarem. — Enquanto discutimos aqui Meliha prepara seu exército para invadir o Desert.

Todos se calaram, seus olhares denunciavam que haviam compreendido a gravidade do assunto.

— Meliha virá em nosso lar — continuei tentando manter a calma. — Irá trazer um exército para invadir nosso templo e levar o Pylar, e ao invés de estarmos nos preparando, estamos aqui perdendo tempo com discussões inúteis.

— Atali tem razão — Ariost disse pacientemente. — Precisamos saber o que está acontecendo e nos preparar.

— Mas e aquele garoto que nos enganou? — Ettore perguntou com desdém na voz.

— Aquele garoto — retruquei — é o rei de Morningh, e só tentou nos avisar sobre os planos de Meliha.

— Ele mentiu — minha mãe sibilou. — Não tente defende-lo — ela fez uma pausa arqueando a sobrancelha. — Ou será que aconteceu algo nessa sua visita a Morningh, que a fez mudar de ideia quanto a sua aversão pelos Rein? — a insinuação em sua voz ficou claramente evidente.

Usei meus poderes para evitar que o rubor tomasse conta de minhas bochechas. Cerrei os punhos por baixo da mesa, para controlar as palavras inapropriadas que surgiram em minha mente, para se dizer a uma mãe.

— Sim aconteceu — obriguei-me a responder firmemente. — Enfrentei uma Colchi na Floresta Cinza — o olhar de todos pareceu ficar mais firmes sobre mim. — Uma Colchi que andava na companhia de um dos irmãos demônios. Um Dain feito de escuridão...

— Bobagem — Ettore disse com sarcasmo. — Se você tivesse encontrado um Dain não estaria viva.

— O rei o matou — quase sorri quando a expressão de todos se petrificou.

— Como assim? — Vasti quase gaguejou.

— Ele domina o fogo — respondi como se fosse a coisa mais obvia do mundo. — Ele matou um dos irmãos demônios.

— Mentira — minha mãe gritou. — Faz séculos que nenhum Rein possui magia. Eles foram amaldiçoados pelos deuses.

— Pensava o mesmo, até vê-lo derreter uma estaca de gelo que tentei atravessar em seu coração.

Eles ainda me olhavam com incredulidade. Um silêncio duradouro se instalou na sala, tudo que ouvíamos era os sons de vozes distantes na aldeia.

— Na floresta — retomei a palavra —, quando confrontei a bruxa, ela revelou que Meliha roubou o Pylar que estava na posse delas — fiz uma pausa dando tempo para eles assimilarem a informação. — O rei de Morningh capturou a imediata de Meliha, ela confirmou que Meliha quer os Pylares — disse por fim.

— Co... Como? — Vasti perguntou incrédula.

— Ela estava espionando o reino, tentando descobrir onde estava o Pylar, e pelas informações que conseguimos, havia espiões aqui também.

— O que Meliha pretende tirar do submundo? — minha mãe perguntou parecendo estar começando a se preocupar.

— A bruxa não revelou nem sob tortura. Kian... O rei pretende mantê-la em cativeiro, talvez Meliha a queira de volta e isso pode ser útil — respondi.

— Improvável — Ariost falou convicto. — Não existe lealdade quando uma bruxa é capturada.

— O que faremos agora? — Vasti olhou em minha direção.

— Simples — minha mãe se levantou de seu assento, seu olhar era de superioridade. — Precisamos de um verdadeiro líder para nos guiar nessa batalha — ela me olhou com o triunfo que tanto esperei para ver. — E mataremos aquele soldadinho do rei, e mandaremos sua cabeça como um lembrete que não se engana um Balts.

Me levantei tão rápido quanto se é possível. Quando as palavras saíram de minha boca foi possível ver o ar se condensar à minha frente. Não estava conseguindo conter o ódio que se apossou de mim... Senti a ponta da língua gelada contra o céu da boca.

— Ninguém irá matar o soldado de Morningh — sibilei.

— O Conselho decide — sua voz saiu mais baixa que o esperado.

Ali, naquele momento, ela não era minha mãe, ela era alguém que devia respeito a sua superior. Ela era Nulara Riagáin, e não uma Balts, ela não pertencia a família principal da aldeia. Mas eu era uma Balts legítima, eu possuía o sangue dos antigos líderes do Desert, eu era a escolhida, e não abaixaria a cabeça para ninguém.

— Eu sou Atali Balts, e continuarei sendo a líder dos Drak. E quem não me quiser no comando, que me desafie na arena — meu olhar se voltou para meu primo.

— Você não tem capacidade para governar um povo — minha mãe continuou. — Ettore...

— Não haverá outro líder — a interrompi mantendo a voz firme. — Eu sou a líder dos Drak, eu sou a escolhida de Conan Balts, meu pai era o antigo líder dos Drak. Eu fui abençoada pela deusa Atali, eu sou a guardiã do Desert de Neu — a encarei. — Eu carrego o sangue de Lori Balts. Eu possuo nossa única salvação contra Meliha — sorri com triunfo. — Eu te desafio Ettore — olhei para meu primo que se mantinha calado. — Lutaremos na arena pelo título.

Laços de Gelo e Sangue Where stories live. Discover now