Capítulo 30

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Embora eu tivesse me comprometido a não mais me envolver com os trabalhos no Morro da Luz, foi impossível deixar de me preocupar depois de assistir no jornal local quão grave foi o confronto entre as duas gangues, Pão com Nescau do Morro da Luz e Café com Leite do Morro das Trevas, deixando muitos inocentes feridos.

Meu coração doeu e se aterrorizou, ainda mais porque Céu ficou alguns dias sumido, sem ao menos dar um sinal de fumaça. Tentei ligar para ele várias vezes e, para a minha raiva, fui completamente ignorada. Meu desespero foi o bastante para me forçar a contatar o pastor Sérgio em busca de informações. Ele prontamente garantiu que James, apesar de muito abatido, apareceu nas aulas de discipulado e até combinou uma visita do pastor ao seu amigo Paulo Ricardo, vulgo Pão. Sem pensar duas vezes, eu implorei para ir com ele e, sendo gentil, o pastor avisou que reuniria alguns jovens e todos poderíamos acompanhá-lo na visita.

Os dias de tensão foram se arrastando enquanto eu me mantinha em oração, intercedendo pela vida de todos os feridos naquele embate. Foi então que numa sexta-feira eu recebi uma mensagem de Eric, confirmando pelo seu pai em qual horário eles passariam para me apanhar o que recobrou meu espírito abatido.

Fiquei animada, mas ainda assim, precisei convencer papai de que estaria segura e não sairia do lado do pastor nem mesmo para tomar um copo de água. Ele só me deu sua autorização quando, conforme suas exigências malucas, me viu colocar um spray de pimenta na bolsa.

Quando entrei no carro, além, é claro, de encontrar o reverendo e seu filho irritante, notei a inusitada presença de Kimberly e Flávia, que se apresentou muito orgulhosa como a nova namorada do Eric.

— Foi horrível — Kim começou quando já estávamos a caminho e o pastor perguntou como foi presenciar o conflito de facções tão de perto. — Edgar e eu estávamos tomando um café com a mulher do querido Pipoqueiro quando ouvimos alguns barulhos, pareciam ser fogos de artifício. Já conhecendo todo o processo, a dona Rochelle mandou a gente se esconder no quarto e orar para Deus não permitir que nada grave ocorresse. — Minha amiga estremeceu e eu segurei a mão dela oferecendo apoio. — Sentimos tanto medo, Edgar até chorou. Os tiros pareciam cada vez mais perto e eu vi até um filme passando diante dos meus olhos, sabe?

— Não deve ter sido fácil. Sinto muito por não ter estado ao seu lado, oferecendo apoio — declarei sentindo um aperto na garganta. — Graças a Deus vocês não se machucaram.

— Sim, mas então o coitado do Pã... Paulo Ricardo chegou. — Ela secou algumas lágrimas escorrendo pelas suas bochechas. — Ele pareceu desesperado e queria saber se eu... Quer dizer, se nós estávamos bem. — Fez uma pausa. — Então ele anunciou que tudo já havia acabado e eu já podia relaxar. Entretanto quando me levantei e fui de encontro a ele, um homem entrou mirando em minha direção. Foi então que Paulo entrou em minha frente, tomando um tiro antes do Pipoqueiro derrubar o atirador.

— Coitado do rapaz — comentou o pastor Sérgio. — Certamente estava no lugar errado, na hora errada.

Kim e eu trocamos um olhar no mesmo instante. Ambas tínhamos ciência que Pão não estava ali por mera coincidência e acidente.

— Sim. Foi traumatizante. — Kimberly suspirou. — Por isso Edgar não veio. Nem sei mais se meu companheiro vai querer subir ao morro novamente, mas eu — ela bateu no próprio peito — preciso agradecer ao homem que salvou minha vida.

— É tão nobre a atitude de vocês — a tal Flávia falou com sua voz anasalada. — Quando eu me formar nas minhas duas faculdades e Eric e eu nos casarmos daqui três ou quatro anos, vamos para uma comunidade carente na Angola. Não é, bebezinho?

Uni os lábios segurando o riso. A pobre coitada estava tão iludida que não conseguia enxergar a verdade estampada na cara dela. Eu não queria estar na pele dela.

O dono do morro da Luz e a missionária cristãOnde as histórias ganham vida. Descobre agora