Capítulo 24 - Não olhe para mim.

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A metade de um amigo é a metade de um traidor.

- Victor Hugo

***

Talvez eu não quisesse acreditar na verdade. Acreditar que o Lucien - que parecia se importar tanto comigo - pudesse ser a mesma pessoa que agora conversa com um cara desconhecido sobre me usar como moeda de troca para adquirir o perdão do grupo.
Entretanto, isso não me surpreende. Sam já havia escrito no diário sobre o caráter duvidoso de Lucien. Ele é um assassino. Traidor. E eu fui trouxa demais por me permitir criar sentimentos em relação a sua pessoa e mais trouxa ainda por permitir que essas emoções me cegassem.

Agora estou aqui. Com os braços dormentes devido a posição desconfortável que estão, Sam desmaiada ao meu lado na mesma situação que me encontro e com o coração batendo cada vez mais desesperado por saber que não sairei vivo.

— Faça logo o interrogatório, okay? E não demore muito. Estou com presa. Tenho reunião com os chefões ainda hoje e já está quase escurecendo. — disse o cara de cabelos grisalhos penteados em topete e vestindo um terno preto. Não pude deixar de notar as rugas na testa dele enquanto falava e nas da região próxima à boca. Com certeza ele deve ter mais de 30 anos. — Se eu chegar lá e tiver a informação que precisamos, vai ser ótimo.

— Não se preocupe. — disse Lucien com firmeza encarando o senhor e pondo as mãos dentro do sobretudo. — Serei rápido. — quando termina de falar, ele olha pra mim.

Engulo em seco e estremeço sobre o olhar indecifrável de Lucien. Mexo os braços impacientes tentando afrouxar a corda, mesmo sabendo que seria em vão. Pois, se eu conseguisse me soltar, o que eu faria?
No exato momento que isso acontecesse Lucien me agarraria e me mataria. Ou seja, estou literalmente preso aqui. Grunho raivoso pesando nas várias vezes em que eu poderia ter fugido dele, mas não fugi.

Me deixei ludibriar por esse par de olhos azuis.

"Agora aguenta as consequências Charlie." Me martirizo mentalmente enquanto encaro meus pés sobre o feno. Não consigo mais olhar para o Lucien.

Ele me traiu.

Escuto passos de alguém vindo na minha direção, mas não ouso levantar a cabeça para ver quem é. A cada pisada que a pessoa dá, meu coração bate mais forte.
Permaneço imóvel. Derrotado. Não há como evitar o que irá acontecer. Os passos param e sapatos sociais pretos entram no meu campo de visão. A pessoa que está a minha frente se agacha, coloca os dedos em meu queixo e ergue meu rosto poucos centímetros até ficarmos cara a cara e olho no olho.

Dou de cara com o olhar penetrante de Lucien e meu sangue gela. Seu olhar é algo assustador, vazio e quase diabólico. Parecia que ele enxergava dentro do meu ser, vasculhando cada canto da minha integridade.

— Charlie, você tem algo que a gente precisa muito.

Fico em silêncio ainda encarando cada um dos seus olhos, sem acredita no que ele tava fazendo. Ele percebe isso e continua.

— Cadê o Pen Drive que seu pai deixou?

"O que? Pen drive?"

— O que meu pai tem haver com isso? - digo confuso.

— Ele nem sabe? — ouço o senhor de terno preto próximo a porta de entrada do celeiro. Eu havia esquecido dele — Então você e esse garoto são inúteis para gente.

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