Hardin, o encontro com o passado e o ponto do insuportável

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Eles estavam bem. Era a primeira vez que Tessa conhecia Londres e se aproximava ainda mais das origens de Hardin. Quanto mais ela o desvendava, mais o compreendia e mais sentido dava ao comportamento impetuoso dele. Até que ele descobriu que ele mesmo não conhecia a própria história. O seu verdadeiro pai era outro. O tempo que ficou afastado de Ken deixou de fazer sentido, porque na verdade ele também foi vítima dos segredos de Vance e Trish. Tudo foi uma mentira. A casa (literalmente) pegou fogo. E quem pagou e apagou foi Tessa. Após toda a revelação, Hardin pede que ela vá embora sem ele.

É incrível como a única forma de afeto que ele houvera conseguido na vida era também a válvula de escape para lidar com todos os seus traumas. Tudo passava por ali, pelo relacionamento Hessa. O fato de aceitar o pai, de receber a mãe, de enxergar Landon como um irmão, de aceitar ir no casamento dos genitores com outras pessoas sem criar problemas, de bancar um relacionamento sem se preocupar com a opinião dos amigos... Tudo passou pelo relacionamento deles. Tessa inaugura para ele a possibilidade do afeto. E é ali, aonde ele suporta, que vai destinar todos os seus sentimentos: amor, angústia, raiva, perdão etc.

Já disse em outros momentos sobre como a atuação e o ato inauguram um novo. O ato de amar Tessa revela uma novidade para Hardin: é possível aceitar os afetos. Talvez o que ele ainda não havia descoberto é que seria preciso canalizá-los para outras fontes. Nem tudo tem a ver com eles. O curioso é que Tessa faz o mesmo. Aprende a defender-se, a posicionar-se, a lidar com as diferenças com a mãe, a negar um relacionamento antigo, tudo por via do romance que eles estabelecem.

O encontro com o outro para além dos pais possibilita a criação de uma autonomia, da pessoa como um sujeito que ignora o destino, porque o destino já implica estar "pré destinado" a um caminho traçado por um outro parental, que eles fazem questão de alterar enquanto estão juntos. Quando se firmam, concordam também em romper uma aliança com os pais. E assim consolidam para si mesmos, bancar o próprio desejo, independente do que a mãe da Tessa teria planejado pra ela, por exemplo.

Porém, há algo insuportável para Hardin no final dessa história. Quando descobre sobre a sua verdadeira origem, ele passa a acreditar que a felicidade era da ordem de uma utopia, de um inimaginável.

Era como se ele quisesse reviver aquele trauma por completo. Era preciso mergulhar na pulsão de morte criada pelo real da história traumática da infância que ele encontrava. Naquele momento, após incendiar a casa da mãe, ele não pensava em superação. Só havia gozo ao debruçar-se sobre a catástrofe. Era preciso enxergar de frente como a sua própria concepção tenha nascido de algo errado, de uma traição. Ele sentiu-se traído pelos pais biológicos, mas sentiu-se traído ainda mais pelo julgamento errado que fez da própria vida. Foi tudo uma mentira. E nem Tessa seria capaz de apaziguá-lo, porque ali, naquele instante, ele não queria conforto. Ele queria viver a raiva, a dor, o destino trágico.

É nesse momento em que ele volta a alienar-se no destino da calamidade traçada pelos pais. Eles mesmos já concebiam a ideia de que Hardin seria "revoltado", infeliz, como forma de pagar pelos erros que eles próprios haviam cometido. E quando Hardin diz para que Tessa volte para os EUA sem ele, ele concorda com esse destino traçado pelos pais e torna-se complacente desse plano de que seria impossível ser feliz tendo nascido de uma mentira. E ali se aliena. Nada que pudesse tê-lo feito feliz até então o bastava. Qualquer ideia de felicidade (como Tessa) era insuportável. É interessante perceber como até aquele momento, ele havia se separado dos pais, revogado todas as suas leis e vivido apenas pelo seu desejo. E quando defronta-se com a mentira (e com o passado), ele volta a alienar-se numa história que não é dele, mas do par parental.

E Tessa faz um corte nesse relacionamento como sendo o único catalizador das emoções de Hardin. Não dava pra ele sucumbir as raivas do passado punindo-a por tudo. Em Londres, ele a pune deixando-a sozinha, e isso basta para que ela faça um corte, o de ir para bem longe dele, até que ele pudesse tratar essas questões antes de debruça-las sobre esse canal afetuoso que eles estabeleceram. Ela não podia mais suportar isso. E ainda bem que ela se afasta, porque talvez essa fosse a única possibilidade dele se haver com o seu passado.

Hardin só volta a separar-se da história paterna quando consegue canalizar toda a raiva e angústia em uma terapia. Foi preciso antes de tudo, a verdade. É com ela que ele pôde nomear cada fantasma do passado. O conhecimento liberta. Foi conhecendo um a um, cada história em particular, que ele conseguiu se separar. É isso que se faz em uma análise. Nomina, identifica e coloca o sujeito de frente com cada fantasma. O que angustia é não conhecê-los, é ter que se esquivar de todos para não ter que se defrontar com a própria história. Isso é alienar-se no desejo paterno. Sair disso passa pelo processo de separação familiar, não física ou emocional, mas pela ordem do desejo.

O desejo é descolado do destino. Tessa escolheu diferente da mãe. Hardin compreendeu que a mentira e a traição foram dos pais, não dele. O caminho que ele desejava seguir era outro. A raiva sempre foi por não saber e por se alienar a esse romance familiar cheio de mistérios. A angústia é do não saber, porque quando se sabe, se trata, se liberta.

E foi libertando-os dos seus respectivos destinos, que eles então puderam fazer as próprias escolhas, dentre elas, a de escrever as suas próprias histórias.

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Esse texto atende a vários pedidos que recebi no Instagram do @afternodiva. Me pediram para comentar sobre essa revelação de Hardin com o passado e como a terapia o ajudou a sair disso. E aí está. :)

After no divãWhere stories live. Discover now