04. Save a Prayer

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Uma atrás da outra, as gavetas do freezer se abriam e fechavam repetidamente sob a conferência perspicaz de Benjamin. Alguns passos atrás, Valentine acompanhava cada movimento dele, ridiculamente ansiosa. Até a postura de Ben parecia mais dura naquela noite, e ela sabia que aquilo significava que ele havia ligado o "modo chef" na potência máxima.

Não que, àquela altura, ela conhecesse alguma faceta diferente dele. Se precisasse de uma única palavra para definir a última semana, Tin escolheria "decepcionante", sem sombra de dúvidas. Quando pediu o emprego a Wren, ela não imaginava que encararia nada remotamente parecido com o que realmente vivera naqueles sete dias.

Entrara pela porta da frente do Pub esperando viver a chance da sua vida, aprendendo diretamente do Ben Wolf simpático e carismático que conhecia através da TV, das entrevistas e dos recortes que, agora, já nem entendia porque ainda guardava. Em vez disso, se vira presa com a versão Mr. Hyde dele, tão crítico, preciosista e mal-humorado em geral que era até difícil acreditar que se tratavam da mesma pessoa.

Às vezes, quando Ben estava ocupado, ela se permitia prestar um pouco de atenção nele. A barba desgrenhada, o cabelo por cortar, a fina cicatriz atravessando a bochecha... E não demorou até que ela percebesse que ele praticamente não usava o braço esquerdo. A curiosidade lhe corroera a ponto de ensaiar perguntá-lo algumas vezes – era seu ídolo, poxa, e ela queria saber o que diabos lhe acontecera... –, mas, no momento seguinte, ele lhe encarava, sério, e ela voltava a resumir a tarefa da vez, torcendo para que finalmente acertasse o corte paisane.

A única coisa que Valentine previra corretamente foi o quanto poderia aprender com Ben. Não houve um dia em que ela não chegasse exausta em casa, mas seria absurdo tentar negar que cada uma daquelas horas na cozinha do Pub lhe rendiam um verdadeiro curso intensivo de gastronomia.

– Jones, você se lembrou de porcionar todas as batatas? – Ele perguntou, por fim, olhando-a sobre o ombro.

– Sim. – Tin concordou, a postura ereta. Sabia que tinha dado o melhor de si para que tudo estivesse pronto quando a porta do Pub se abrisse ao público, em menos de uma hora – Em porções de 100 e 200g.

– Os hambúrgueres?

– Moldados e refrigerados em um recipiente coberto com plástico filme. Dois dedos de distância entre cada um deles.

– O Pesto?

– Envasado.

– Está tudo devidamente etiquetado?

– Nome da comida, quem manipulou, data da manipulação e validade estimada – ela contou nos dedos enquanto enumerava, garantindo que não esquecera de nada.

Depois de um breve aceno afirmativo, Ben correu os olhos pela cozinha, tentando se lembrar de mais alguma coisa que pudessem adiantar, mas, ao que tudo indicava, Valentine tinha dado conta de todas as tarefas que lhe atribuíra, e tudo parecia estar em ordem.

O frio em seu estômago devia mesmo ser apenas reflexo de tudo o que aquela noite representava para ele.

– Parece que agora só nos resta esperar... – Ofereceu um arremedo de sorriso à sua assistente, que durou menos de meio segundo antes que ele tentasse ver o salão através da pequena janela que ligava os ambientes.

Agora, só restava esperar...

****

Há algo de desolador em um bar vazio. Uma aura que torna as paredes pretas muito pretas, o assoalho de madeira muito amadeirado e o neon luminoso, muito iluminado. Encarando os tijolos expostos e os pôsteres e os desenhos em giz, Wren já não tinha mais tanta certeza assim de que o Pub agradaria aos moradores de Windfield. O tic-tac incessante do relógio, que de alguma forma chegava aos seus ouvidos apesar da música animada, dava ainda mais peso àqueles questionamentos, de modo que ela conferia de novo e de novo se tinha todas as bebidas e utensílios de que precisava, se havia gelo suficiente, se estava tudo bem na cozinha e se a playlist tinha músicas boas por tempo suficiente para toda a noite.

Em Alto e Bom SomOnde histórias criam vida. Descubra agora