02. Ramble On

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A chegada da noite havia sido antecipada em algumas horas pela ameaçadora aglutinação de nuvens no céu de Windfield, a luz fraca do fim de tarde conferindo tons opacos, chumbados e nada animadores a tudo que tocava. Marteladas, furadeiras, brocas e o bip incessante de maquinário pesado compunham uma sinfonia desafinada que ia se desfazendo aos poucos, à medida em que os trabalhadores da obra percebiam a aproximação do horário de dispensa.

Apertando-se dentro de seu casaco, Zachary Byrne respirava aliviado por finalmente poder ir para casa. Seus dedos ágeis encaixaram os fones de ouvido e ajustaram o antigo mp3 player, escolhendo uma de suas músicas favoritas. O aparelho, que milagrosamente funcionava ainda que depois de dez anos, era a relíquia de uma adolescência que, na maior parte do tempo, parecia ter sido a vida de uma pessoa completamente diferente.

Mas ele não queria pensar naquilo.

Murmurando a letra da canção em sincronia com Robert Plant, ele se pôs em movimento, repetindo para si mesmo que faz-tudo em uma obra era um ótimo emprego para um ex-presidiário. A exaustão, a longa jornada ou que seu trabalho fosse puramente mecânico, assentando pisos ou erguendo paredes, eram apenas fatores menores na equação geral de quem se convencia diariamente de que tinha mesmo muita sorte simplesmente por estar empregado.

Zach tinha ciência de que a vida poderia estar muito pior – como já estivera – e, por isso, não reclamava. Não em voz alta, ao menos. Em vez disso, grudava os olhos no chão e enfiava as mãos nos bolsos do casaco e, sem muita determinação, virava a mesma esquina por que passava todos os dias, seus sentidos sempre amortecidos pela música e pelo frio.

Naquela noite, no entanto, ele chegaria mais tarde em casa, e só se deu conta disso quando um soco o atingiu em cheio. E logo outro. E mais um.

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Era um lance de respeito, fumar do lado de fora.

Depois dos anos fumando escondida dos pais, enquanto ainda morava com eles, era de se esperar que, agora que era dona do próprio nariz, Wren fumasse onde bem entendesse. Mas, não, não era assim que funcionava: ela continuava indo para o lado de fora fumar, ainda que fosse inverno ou que o bar estivesse vazio.

Era, afinal, um lance de respeito.

A luz da manhã ainda era fria e ela observava os transeuntes, balançando-se como se o leve saltitar fosse capaz de aquecê-la. No fim da rua, uma pessoa em particular chamou sua atenção: carregando uma maleta de ferramentas, ele caminhava lentamente. O casaco surrado parecia se esforçar para se manter fechado e os cabelos escuros caíam-lhe sobre os olhos, escapando de um coque que provavelmente ficaria ridículo em outros homens, mas que nele parecia funcionar, mesmo à distância. Cabisbaixo, fitava o chão como se as pedras na calçada fossem a coisa mais interessante ao seu redor. Algo nele era peculiar e interessante, mesmo antes de Wren perceber sua beleza – o que só aconteceu no momento em que ele se aproximou o suficiente para empurrar a porta do pub, ao lado dela.

– Posso te ajudar? – Ainda o encarando, soprou a fumaça para longe.

O olhar dele sobre ela foi intenso, do modo como quando alguém tenta decidir se conhece ou não a pessoa à sua frente.

– Cara? – Ela insistiu, tentando evitar fixar-se no roxo do olho ou no ferido da bochecha.

– Eu... – O estranho sacudiu a cabeça por um instante – Estou procurando os irmãos Wolf.

– Você não tem cara de agente de cobrança – ela brincou, seus lábios bem pintados se curvando em um sorriso, gesto que foi timidamente espelhado por ele.

Em Alto e Bom SomDonde viven las historias. Descúbrelo ahora