Capítulo 17

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Nota do autor: A música do capítulo é Para Machucar Meu Coração do João Gilberto. Disponível também na playlist 'Itapoga' no spotify.

Conversas frenéticas, saias na altura do joelho e adolescentes civilizados

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Conversas frenéticas, saias na altura do joelho e adolescentes civilizados. Em outros tempos, era motivo de um profundo ódio por aquela instituição; no presente momento, era apenas cenário para sua excessiva morbidez. Via tudo movimentar-se lentamente ao som de um doce saxofone.

Diferentemente do usual Morbid Angel ou qualquer outra banda que estava sempre a escutar, João Gilberto tinha um modo calmo de cantar, deprimindo-o ao se identificar com a letra de "Para Machucar Meu Coração". O estilo musical o fazia lembrar de Pedro e de como sua voz aveludada soava ao cantar uma das mais belas canções do músico.

Pedro... Um substantivo próprio tão simples e composto por apenas duas sílabas, seu significado a coisa mais ordinária que existe: pedra. Tudo o que Daniel gostaria é que o nome fosse tão banal quanto a gramática propunha, que não fosse acompanhado de lembranças e um imenso vazio que preenchia seu doído peito.

Entrou no refeitório e pediu aos céus que fosse contagiado pela animação dos jovens ali presentes, pois odiava estar triste por alguém que não merecia. Queria rir de coisas triviais, planejar sair no fim de semana para se divertir, mostrar suas músicas favoritas aos seus amigos.

"Precisamos conversar." Foi o que primeiro ouviu de Aaron ao largar a bandeja de comida na mesa em que seus amigos estavam.

Sabia que Barbra publicara alguns stories da festa de sexta-feira e que havia marcado sua conta do Instagram nos ditos vídeos. Também sabia que ouviria um sermão por não tê-los convidado. Então, sentou-se bem devagar antes de tirar os fones do ouvido.

"O que está a acontecer?" Henry quebrou o silêncio. "Vemos-te apenas em algumas aulas, porque está sempre acompanhado das líderes de torcida. Quando não tem um harém inteiro a te rodear, segue Pedro de um lado para o outro como um pupilo." Daniel engoliu em seco, sentindo seu estômago pesar e a garganta fechar ao ouvir aquele nome.

"Achei que éramos seus amigos, mas, pelo modo como nos evita, questiono-me sobre suas intenções." Foi a vez de Aaron falar. Apesar de todo o drama em seu discurso, sentiu verdade em suas palavras. "Eu nunca tinha presenciado uma sequer vez em que fora convidado para um evento e não nos chamou também. Confesso que estou ressentido."

"Não gostaria de contribuir para esta pseudo-intervenção, mas também nunca o vi fumando meio quilo de erva sozinho. Estás a se sentir bem?" Faraji tentava olhar além dos longos cabelos que cobriam seu rosto, fundo em seus olhos.

Tinha plena ciência de que estava alheio ao que acontecia nas vidas de seus amigos desde que entrara para o grupo de líderes de torcida e conhecera o brasileiro. Sentiu-se estúpido ao chegar em tal conclusão, pois ignorou quem esteve sempre a ouví-lo e idolatrou quem não dava a mínima para seus sentimentos.

Seus pensamentos eram ondas de uma maré violenta, chocando-se entre si. Tudo o que sentia estava preso na garganta, sufocando-o. Gostaria de contar o que aconteceu nas últimas semanas em que esteve com o rapaz, mas não estava preparado para revelar sua sexualidade para os três garotos a sua volta. Passou a não conseguir respirar, o pânico tomando conta de todo o seu corpo.

Foi a primeira vez que sentiu sua mente colapsar. Era impossível conter o choro, controlar a respiração e se livrar da aflição. Estava desorientado, não entendia o ocorrido e o porquê. Era incapaz de formar uma resposta, seus lábios tremendo enquanto seus pulmões pediam desesperadamente por ar.

"Daniel." Alguém o chamava, mas a voz parecia muito distante. "Daniel, olhe para mim. Está tudo bem." O rosto de Aaron se fez presente em seu campo de visão, embaçado por conta das inúmeras lágrimas que desciam furiosamente suas bochechas. "Está tudo bem, não cobraremos resposta se isso te aflige tanto." Ele envolveu o pobre menino nos braços, que passou a chorar compulsivamente em seu peito.

"Talvez não exista algo que gostaria mais de dizer a vocês, mas sinto que este não é um ensejo." Forçou a sentença para fora de si entre sôfregas arfadas, esperando que seus amigos compreendessem que chegaria um dia em que ele retomaria o assunto e sairia do armário.

Não houveram retaliações da parte de Henry e Faraji, que viram Aaron e suas mãos incrivelmente fortes, como as do brasileiro, escoltando-o para fora do refeitório. Na mente doentia de Daniel, comparava o ato de seu melhor amigo ao de seu interesse romântico de uns dias atrás.

Com as costas contra o frio e brilhante azulejo do banheiro masculino, Daniel voltava a si. A sensação de que era um ser humano desprezível continuava, mas, pelo menos, conseguia respirar sem muita dificuldade. Limpou as lágrimas na manga da blusa social do uniforme e olhou para Aaron, que estava em pé e de braços cruzados.

"Sei que não está confortável para me deixar a par da sua atual situação, mas creio que não fará bem ser o único refúgio de todos esses segredos. Aconselho-te que procure ajuda de um profissional." Soava genuinamente preocupado, como nunca havia feito anteriormente.

O loiro mexeu a cabeça de forma sutil, assentindo, e retirou o celular, que sentiu vibrar, do bolso. Não se considerava obcecado pelo entretenimento vazio que o objeto fornecia, mas sempre olhava na esperança de sua mãe mandar notícias de seu tratamento psicológico. Infelizmente, sua progenitora permanecia em silêncio absoluto e a notificação era de uma nova postagem de Itapoga.

Daniel queria morrer bem ali, escorado na parede de um banheiro e pensando em como o universo adorava lhe pregar peças. Entretanto, deu um longo suspiro e abriu a foto. Sua consciência o condenava por ser curioso e não ter o mínimo de dignidade.

Confusão definia o que se passava na mente do garoto, que encarava a tela como se a mesma fosse desvendar o mistério que Pedro era

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Confusão definia o que se passava na mente do garoto, que encarava a tela como se a mesma fosse desvendar o mistério que Pedro era. Era um post divergente dos outros, que costumavam narrar a história de um senhor reflexivo sobre os problemas que vivia em seu país de origem. O texto diante de seus olhos parecia expor a própria vivência de quem o escreveu.

Nota do autor: Tentei ao máximo diminuir a tristeza do capítulo.

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