Capítulo 02

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"Ah, o amor adolescente

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"Ah, o amor adolescente..." Vincent invadiu o quarto de Dan, seu tom de voz relativamente alto para conseguir acordar os dois jovens adormecidos. "Posso ouvir o tilintar dos sinos e o cântico dos anjos querubins. Não é mesmo, Misaki?" Continuou e recebeu gemidos de protesto como resposta. Atingira seu objetivo.

Aos olhos de Daniel, Vincent era a pior pessoa que já dividira apartamento. Contudo, era evidente que ele era o mais sagaz. Daniel tinha plena certeza de que ele sabia sobre seus sentimentos por Aaron, embora Vince nunca ter expressado diretamente seu conhecimento. Então, ele ocasionalmente proferia sentenças que continham um alto teor de insinuações.

"Os raios de sol da tarde vos convidam a levantar." Vincent escancarou as grossas cortinas amarelas para revelar o brilhante dia que se fazia presente atrás da janela colossal do quarto de Dan. "Ao menos deem as devidas saudações à Misaki."

Ao perceber que os garotos não iriam lhe dar atenção, Vincent se despenhou na cama, acabando por cair entre os dois. Daniel inspirou profundamente a fim de conter a vontade de arremessar Vince pela janela e, após terapêuticas porções de oxigênio, sentou-se na cama. Os olhos de Daniel procuraram Aaron discretamente, seu coração tendo um sobressalto ao ver a bela imagem de seu melhor amigo adormecido.

Talvez não deveria ser dada tanta relevância para o que Daniel sentia por Aaron, pois não é tema dessa infame narrativa. Porém, essa exacerbada valorização de paixões é característica de um dos movimentos literários em que a obra está inserida. O outro movimento literário é caracterizado pelas críticas a alta sociedade e linha de pensamento positivista.

"Aposto que estás a se divertir demasiadamente em Paris e o sentimento da saudade não te invadiu uma sequer vez." Vincent soava melancólico e sua expressão facial comprovava. Daniel revirou os olhos, pois não possuía paciência suficiente para aturar o exagero do colega de quarto.

"Com essa dramaticidade excessiva, quase que o confundi com um mestre das artes cênicas." A imagem de Misaki sorrindo pelo pequeno visor do celular de Vincent deixava clara a ambiguidade da sentença. Vincent estudava teatro em uma das melhores universidades de artes do mundo. "Sinto falta de todos. É deveras solitário qualquer ambiente em que não desfruto da vossa companhia." A honestidade nas palavras de Misaki arrancou sorrisos, inclusive de Aaron, que ainda mantinha seus olhos fechados.

Misaki, conhecida por ter uma paciência invejável e excelentes conselhos, era querida por todos. Conheceram-se durante o primeiro ano do ensino médio por intermédio da antiga namorada de Aaron e, agora, faziam parte de um vasto grupo de amigos. Porém, atualmente, Misaki não se fazia presente no tal grupo, porque havia se mudado para Paris nas férias de verão com o atual namorado, Louis.

"De qualquer forma, és uma moça de tremenda sorte por ter deixado este apartamento. O odor adolescente de Dan está impregnado em todos os cômodos." Vincent torceu o nariz, sua voz nasalada e seu sotaque misturavam-se em um som agudo e irritante aos olhos de Dan e Aaron.

"Vincent, tenha escrúpulos! Mudei-me há apenas um mês e não me vem a memória um dia sequer que Daniel estivesse malcheiroso." Misaki bronqueou, adotando a entonação materna que sempre usava com Vince. Dan soltou uma risada de escárnio, mas não perdurou, pois Vincent continuou a falar.

Entretanto, Daniel tratou de levantar-se depressa da cama e ir à procura de seu celular após chegar a conclusão de que estava enfastiado de escutar as asneiras que saíam da boca do britânico de cabelo platinado. Localizou facilmente o pequeno objeto de alta tecnologia e olhou suas notificações, percebendo que perdera alguns acontecimentos memoráveis da festa que ocorreu algumas horas atrás. Contudo, a primeira mensagem que abriu foi a de sua mãe.

Mãe: "Ainda que distribuísse toda a minha fortuna para o sustento dos pobres e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, mas não tivesse amor, nada disso me valeria." 1 Coríntios 13:3

Mãe: Amo-te, filho querido.

O suspiro inconsciente que Dan soltou após ler a mensagem carregava mais sentimentos do que ele gostaria. Havia um certo tempo que não trocavam palavras suficientes para o ato ser considerado uma conversa, sendo o principal motivo do distanciamento a insanidade que sua mãe negava. Ela claramente possuía um severo caso de síndrome messiânica, pois acreditava ter sido escolhida para salvar a humanidade por meio da religião; e, talvez, seja por isso que seu pai deixou o país com uma concubina.

Por fim, decidiu que a mensagem permaneceria ignorada e, para distrair-se do que afligia a mente, abriu o Instagram. A falsa felicidade das pessoas que surgiam em seu feed não o agradava, sentia que as redes sociais estavam a criar uma geração alienada dos problemas a sua volta. Porém, continuou a olhar a vida alheia, provando que a moral do rebanho é um conceito verdadeiro.

Daniel é uma exemplificação do paradoxo da vida contemporânea: sempre reclama de hábitos que não percebe que também possui. Ah, a crítica... Seria de extrema sutileza se esse breve parágrafo deixasse de existir.

Alheio à reflexão acima citada, Daniel sorriu ao reconhecer a imagem que se formara diante de seus olhos. Faraji havia publicado uma foto em que Aaron, Henry e Daniel contorciam as faces em caretas, denominando-os de "árcades contemporâneos". O apelido não continha veracidade, pois odiavam literatura, especialmente o bucolismo. Talvez fosse o fato de que eram membros da classe alta que expressavam desprezo pelo meio em que viviam e enalteciam outro período histórico que levava Faraji a imaginá-los como sendo pertencentes a uma Arcadia dos novos tempos.

Os pensamentos de Dan sobre arcadismo foram dissipados quando surgiu uma nova notificação no aplicativo que estava usando. Vendo que se tratava de um novo seguidor, logo abriu o perfil do indivíduo. Fotos de Amber, a garota que beijou na festa, faziam-se presentes diante de seus olhos. Ele estava chocado, pois esperava não ter que vê-la nunca mais enquanto habitasse este plano. Então, Daniel fez o que qualquer outro adolescente faria:

"Aaron, preciso que veja isto." Chamou pelo amigo e não demorou muito para que o outro surgisse no corredor que levava a cozinha. Certamente, o tom de voz amedrontado que Dan usou para invocar Aaron influenciara na rapidez da aproximação do garoto.

"Estás a se sentir bem?" Perguntou Aaron, que carregava genuína preocupação na sentença proclamada. Daniel, porém, não respondeu com palavras vocalizadas, apenas mostrou-lhe a tela do celular. Segundos depois de perceber do que se tratava, ele riu aliviado. "É a garota que beijastes na festa?" Daniel assentiu. "Confesso que considero o ato um tanto precipitado, mas fico feliz que esteja interessada. É provável, então, que essa seja a sua hora de flertar de volta, meu caro amigo. Considerando que amanhã coincide em ser o nosso primeiro dia de aula, sugiro que procure-a pelos corredores da escola para continuar o que foi interrompido na festa." Aaron emanava mais animação pelo acontecido que Dan.

Após mostrar um sorriso convincente para o amigo, Daniel refletiu sobre a possibilidade de arranjar uma namorada para mascarar a sua orientação sexual. Sentia que haveria um dia em que seus amigos deixariam de acreditar na sua escolha de esperar a "garota certa", por esse motivo julgava ser ideal se envolver com alguém do sexo oposto. Uma escolha egoísta fadada ao fracasso, como a análise lógica e racional nos mostra.

Não conseguiu muito tempo parar continuar com a sua reflexão irracional baseada em medo, porque logo o cabelo extremamente claro de Vincent ofuscou a visão de Dan. Sua boca se movia em palavras incoerentes para o ouvido desatento de Daniel, que, não muito depois, começou a fazer a conexão necessária para o pleno entendimento.

"Estamos sem pão e essa é a sua vez de comprar mais. Leve seu namorado junto." Disse e empurrou Aaron na direção de Dan para que pudesse abrir caminho para a cozinha.

Daniel agradeceu aos céus por possuir um cabelo longo, ideal para cobrir bochechas coradas em tempos como esse. Porém, o que sentia nesse momento era raiva de Vincent e sua boca incontrolável. Sentia que suas insinuações acarretariam em Aaron descobrindo a verdade.

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