15 | p e s a d e l o s

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Com os seus bons cinquenta anos, o Sr. Arnold é uma das pessoas mais intelectuais que já conheci. Filosofia sempre fora um assunto que me interessou, mas o professor conseguiu deixar a matéria ainda mais interessante.

— Heráclito — respondo.

Os olhos agitados do Sr. Arnold pousam em mim.

— Levante a mão antes de responder, Sr. Hughes — ele me repreende, a sombra de um sorriso despontando em seus lábios finos. — Sim, Heráclito de Éfeso, atual Turquia. E no que o nosso amigo filósofo acreditava?

Apesar da pergunta ter sido feita de modo geral, os olhos do professor continuam em mim.

— Ele acreditava que ninguém se banhava no mesmo rio duas vezes — respondo outra vez, sem me dar ao trabalho de erguer o braço. — E que quando imergíamos, águas novas substituíam aquelas que haviam nos banhado antes.

Ele assente brevemente.

— Correto. De novo — sorrindo, ele deixa de me encarar para se dirigir ao restante dos alunos. — Para Heráclito, o universo anda num eterno fluir, com cada coisa sendo e não sendo ao mesmo tempo. Ele acreditava que era o logos, algo como razão ou inteligência, que governava o mundo.

— Mas nem todos possuíam o logos — alguém murmura do fundo da sala.

O Sr. Arnold balança a cabeça, negando.

— Heráclito reconhecia que todos os homens possuíam o logos, mas acreditava que a maioria não desenvolvia essa inteligência.

— Os chamados "adormecidos" — uma outra pessoa complementa. Reconheço sua voz imediatamente. Aura.

— Exato — o professor concorda antes de prosseguir: — Apenas os "despertos" utilizavam o logos de modo consciente.

— E Heráclito não era um deles — zombo, me dando conta, tardiamente, de que falei alto demais.

— E por quê? — A pergunta não vem do professor, mas de uma aluna em específico.

Giro o pescoço para encontrar Aura me encarando, a expressão seriamente interrogativa.

— O cara cobriu todo o corpo de esterco e foi até a praça para ser devorado por cães

— E o que o faz pensar que isso o torna uma pessoa ignorante? — Ela indaga, não me dando a chance de responder ao continuar: — Eu acho que o suicídio de Heráclito apenas mostra o quão inteligente ele era. Muita inteligência e acurada visão de mundo não são caronas para a felicidade.

Esperta, penso. E um tanto astuta. Acato seu modo de pensar, realmente vendo sentido em suas palavras. Então, concordo com um aceno, deixando-a levar a razão.

— Como diria Schopenhauer, "a solidão é o destino de todos os grandes espíritos".

— Isso — a morena aquiesce, seus lábios se erguendo em um sorriso satisfeito.

O sinal toca antes que qualquer um de nós dois possa dizer mais alguma coisa, e logo somos liberados. Os estudantes correm para fora da sala com agonia, como se fossem alces fugindo de um grupo de leões famintos.

Enquanto eu, por outro lado, não passo da porta. O Sr. Arnold me chama e, quando eu me viro em sua direção, noto que não estou só.

— Os dois, venham cá.

Aura me lança um olhar confuso, mas faz o que o professor pediu.

— Sim, Sr. Arnold?

— Eu tenho uma proposta. Para os dois — ele enfatiza, as orbes estreitas me analisando com insatisfação. — Oras Caleb, venha até aqui de uma vez.

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