Rotina

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Dicionário privado de Jackeline R. Eglington.

ROTINA

Substantivo feminino

Hábito de fazer algo sempre do mesmo modo, mecanicamente;  Caminho utilizado normalmente; itinerário habitual; rotineira.

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Pov Jackie

Por mais que eu queira não consigo compreender como alguém pode deixar toda a razão de lado e agir exatamente contra o instinto mais básico do ser humano, que é a sobrevivência, e escolher morrer. 

Enquanto eu terminava de ler Romeu e Julieta, pela segunda vez (sim segunda vez), pois na primeira vez eu fiquei extremamente chocada com o fim da trama, que não consegui fazer a dissertação do livro para minha aula de literatura.

Passei um bom tempo olhando para o nada pensando no amor dos dois protagonistas. Alguém poderia amar tanto uma pessoa ao ponto de optar por morrer a viver sem a pessoa amada?

Essa questão me consumiu por longas horas depois de eu deixar o livro na estante perfeitamente arrumada do meu quarto perfeitamente arrumado.

Nem mesmo eu, que vivo dentro deste casa, isolada do mundo desde sempre, não me imagino fazendo tal coisa. Talvez seja porque nunca me apaixonei. Dizem que a paixão cega as pessoas e as fazem fazer coisas que não fariam normalmente.

Eu ainda olhava para a folha a minha frente sem saber como começar minha dissertação, quando ouvi a voz de Jane as minhas costas.

- Porque está com essa caneta na mão e olhando para o papel a quase meia hora sem se mexer?

- Não sei o que escrever.

- Deve ser um assunto muito difícil, para ter feito você ficar assim.

- É uma dissertação sobre o livro de Romeu e Julieta.

- Ahhhhhhh William Shakespeare, e suas estórias de amor. Romeu e Julieta é meu favorito.

Olhei para Jane, e minha cara devia estar transparecendo minha incredulidade, pois ela torceu a boca em sinal de desagrado. Ela sempre faz isso quando não gosta de algo que eu falo. E fez agora sem nem mesmo eu falar alguma coisa.

- O que foi? Vai me dizer o porque desse cara?

- Nada não. Só não achei que você gostasse de livros sobre suicídios adolescentes. É muito mórbido Jane e pra falar a verdade nem um pouco realista."

- Ai meu Deus. Que ninguém te ouça blasfemar sobre  Shakespeare.

- Bom. Você pode ficar tranquila pois ninguém nunca vai ouvir.

Jane me olhou por um momento, ela geralmente não fazia observações assim, mas hoje ela esqueceu que, de todas as pessoas do mundo eu era a única que não podia pisar um único pé fora de casa.

Eu sou doente, na realidade não estou doente agora, mas posso ficar se sair de casa. Minha doença não me permite combater nenhum microorganismo estranho, fazendo de mim a pessoa mais alérgica do mundo. Se eu tocar em algum objeto empoeirado, mofado, velho ou sujo de qualquer maneira meu sistema imunológico entra em colapso e provavelmente me leve ao óbito. 

Então é basicamente isso se eu fizer carinho no gato da visinha, eu morro. Se eu rolar na grama molhada depois de uma chuva de verão, eu morro. Se eu decidisse pegar o metrô adivinha só, eu morro.

Por isso passo meus dias dentro de casa, que para minha sorte foi projetada para me manter viva. O ar e a água são purificados diariamente, nada entra sem antes ser verificado e descontaminado. E ninguém, eu disse ninguém me visita. Com exceção do meu pai, meu médico e da Jane, que cuida de mim a mais de quinze anos, ninguém entra nessa casa.

Uma janela para o amorWhere stories live. Discover now