Uma sofrência danada, parte 2

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Mas, para minha sorte, o potencial de terror de Dona Marlene passou batido por mim e se concentrou exclusivamente em Olivia.

Coitada da minha amiga.

A frequência de maus bocados que enfrentava com a sogra aumentou exponencialmente desde que ela sugeriu que Jonas passasse a morar com ela.

Mesmo que Dona Marlene lutasse com intensidade e desespero pelo bem do garoto, não estava disposta a abrir mão do seu bebezinho para morar com a dondoca da namorada e o cachorro malcriado dela.

Palavras ditas em bom e altíssimo som pela própria Dona Marlene logo na entrada da festinha, para todo mundo que quisesse ouvir. Ainda bem que todo mundo se fez de surdo.

Até porque, qualquer um com um pingo de bom senso concordava que seria muito melhor para a qualidade de vida de Jonas se ele morasse mais perto do trabalho e da faculdade.

E eu apostava que morar com Olivia, sentir o gostinho da independência, temperada com a maresia vinda da praia de Copacabana, também não faria mal ao garoto.

Ao mesmo tempo, torcia que Dona Marlene nunca fosse capaz de ouvir meus pensamentos. Ser alvo da ira da mãe de Jonas era algo que não se desejava a ninguém. Muito menos a si próprio. Poderia ser considerado uma atitude de autoflagelação.

A força da animosidade dela ficou ainda mais clara quando a comemoração alcançou a hora de cortar os bolos. Conforme o prometido, tinha um para cada um de nós. Um mais lindo que o outro, com bonequinhos de biscuit representando a gente exercendo nossas futuras profissões.

Mas o que importava mesmo era a explosão de sabores. A fama inigualável dos bolos de Dona Marlene consistia toda nisso.

O de Jonas era de chocolate com recheio de ganache.

As primeiras pessoas a comerem um pedaço uivaram de prazer.

O meu era de coco e tinha um recheio de aparência deliciosa.

Formou-se uma fila na frente do bolo para que os interessados recebessem um pedaço com o mínimo de ordem.

Quanto ao bolo de Olivia...

— Que sabor é esse? — minha amiga perguntou logo após a primeira mordida, seu rosto se contorcia numa expressão de interrogação.

— Fubá – Dona Marlene revelou. — Sem-graça, né? Igual a atmosfera dessa casa vai ficar quando você roubar meu menino de mim.

— Eu não quero roubar ninguém — Olivia se defendeu com a voz esganiçada, deixando o bolo de lado. — Só acho que seu filho merece uma vida mais confortável.

— Claro que você acha! Vai ter meu filho todo pra você! Quem não quer uma coisa dessas? — Dona Marlene rebateu. — Mas eu quero saber dele, é isso mesmo que ele quer? Abandonar o seio da família?

— Mãe... – Jonas resmungou enquanto cortava uma fatia de bolo. – Será que a gente não pode conversar numa outra hora? Quando a casa não estiver cheia de convidados? Quando eu não estiver concentrado manuseando uma faca pra cortar o bolo?

— E quanto da sua concentração você usou pra cortar meu coração? — Dona Marlene perguntou, mudando de estratégia da agressividade para o melodrama. — Hein? — ela instigou ao perceber que Jonas cerrava o maxilar e continuava a cortar as fatias. — Estou esperando a resposta.

Devo confessar, eu também estava.

Inclusive, estava a ponto de negligenciar a tarefa de fatiar o bolo e distribuir aos convidados. Cheguei até a pegar uma fatia para beliscar enquanto assistia ao circo pegar fogo.

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