Uma reação adequada

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Diferente dos demônios, que permanecem vivos pois nem a morte quer conta com eles, os Nahuatl eram tão perseguidos pela morte que fugir dela já havia virado esporte.

Aretha acorda. Metade de seu corpo doí, arde, coça, queima e doí mais ainda, como se ela estivesse sendo talhada viva. Talhada viva com uma motosserra enferrujada completamente coberta de sal.

Ela reprime um grito, enquanto encara o teto de pedra laranja, que é a única coisa que lhe conforta naquele momento. Aretha amava aquele teto, mas nem aquele amor era suficiente para servir de anestesia, portanto ela continuou cerrando os dentes enquanto vivia a própria quase morte. Tudo doía tanto que ela se esquecia de que ela era ela, pois parecia que ela havia se tornado apenas dor.

Não se sabe quanto tempo demorou para ela se acostumar com a dor do inferno, mas em algum momento ela conseguiu se levantar, se apoiando na parede com um dos braços, pois o outro estava imóvel por conta das queimaduras. Ela preferiu não olhar aonde estava doendo, mas conseguiu ver pelo canto do olho a mancha vermelha e preta da carne queimada, mancha que se estendia por todo o seu braço e um pouco da perna.

Aretha respira para tentar não enlouquecer. Respira e respira de novo, e dá um passo para frente, inspirando novamente, tentando fingir que a dor não existe. Aretha quer muito gritar. Não só de dor, mas de raiva, raiva da desgraçada da Itzel que é uma maluca sem precedentes e que queimou metade de seu corpo SEM A PORRA DE UM BOM MOTIVO. SEM MOTIVO! Aretha tinha feito o máximo para trazer Frank de volta, e Frank iria voltar, só não tão rápido quanto foi planejado. Aretha tinha perdido Loydie naquela dimensão esquisita para trazer Frank de volta. Aretha tinha carregado um cara idiota que a irritava muito, apenas pra trazer Frank de volta. E o que ela ganhava? ELA GANHAVA A PORRA DUMA QUEIMADURA GIGANTESCA QUE A FAZIA PARECER UM PEDAÇO DE FRANGO EMPANADO QUE PASSOU DO PONTO.

Aretha estava muito brava.

Ela queria arrancar a cabeça de Itzel com o chicote, e depois jogar futebol com ela. Depois pisoteá-la. E cuspir em cima dela. Mas antes, ela precisava pegar Loydie de volta, pois Loydie também gostava de chutar cabeças, e ela também tinha medo de que estivessem fazendo algo de mal para ele.

Continuou se arrastando pelo corredor, se apoiando na parede. Ao menos ali tinha paredes, e elas continuariam ali para todo o sempre, e isso era bom. Também havia um teto sob sua cabeça. O chão não era cheio de folhas e terra suja, e sim pedra polida, como se fosse um castelo para os príncipes, ou quiçá os deuses. Era um lugar bonito, um lugar muito melhor que a floresta. Era muito injusto que as crianças devessem morar na floresta até virarem adultos, e talvez fosse por isso que Aretha seguiu Itzel quando ela resolveu fazer tudo o que fez. Pois ela queria um teto e ela merecia um teto tanto quanto os adultos, mas não iriam lhe dar um tão cedo, mesmo que ela não fosse mais criança, então era mais fácil tomá-lo a força.

E por ser fácil, ela o tinha feito, e amava aquele teto que tinha conquistado e poderia o encarar pelo resto da vida.

Ela já havia andado alguns metros quando ouviu um estranho PLIM vindo de uma sala no final do corredor. Pegou o chicote, pois desconfiava de barulhos estranhos quando estava quase morrendo. Ela não podia com o chicote quando a adversária era Itzel, mas qualquer um outro perderia pra ela, pois era ótima usando aquilo, mesmo que toda ferrada e com a mobilidade de um zumbi.

Ulukie saiu da sala no final do corredor segurando uma arma. Fazia quase dois dias que estavam dentro daquele maldito elevador, e não era uma experiência agradável, muito menos na situação de Ulukie, que por causa desses bugs temporais agora só tinha 26 dias de vida. Ele olhou para um lado e para outro, meio paranóico, e deu um pulo assustado ao ver Aretha. Apontou a arma pra ela. Frank apareceu um segundo depois. Ulukie tinha dado a sua segunda arma para Frank, e ele a segurava de maneira menos tensa que o chefe, sem apontá-la para ninguém.

Demônios, maldições, e todas essas coisas que jovens gostam.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora