O pior capítulo do livro

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Ulukie acordou com uma dor terrível no nariz.

Mal conseguia respirar, então se sentou rapidamente, sentindo uma tontura momentânea que lhe fez pensar que iria vomitar as próprias tripas fora. Tocou o nariz e doeu ainda mais, e por reflexo olhou para a mão, que agora estava completamente encharcada com seu sangue esquisito de cor violeta.

- O menino acordou. - Cheryl anunciou ao ouvir Ulukie praguejando baixo quando percebeu o nariz quebrado. A vampira estava ali, plena, jogando gotas de Tylenol na boca de Frank que permanecia desacordado e em sua forma de caveira, enquanto Demian apenas continuava se embebedando no chão. De fundo ainda se ouviam os gritos raivosos de Loydie, que parecia estar dentro de uma piscina de óleo fervendo de tanto que gritava. O lugar inteiro parecia um hospício abandonado ou cenário de algum filme de terror, e o vazio do lado de fora apenas contribuía para essa visão.

- VOCÊ QUEBROU MEU NARIZ! - A coisa pequena encolhida no chão berrou de forma raivosa para Cheryl, que continuou focada em seu trabalho de despejar todas as gotas possíveis do analgésico na boca esquelética do estagiário.

- Ela não quebrou seu nariz, mini homem. Ela estava apenas contribuindo para derrubar a burguesia, e às vezes a revolução é violenta mesmo.- O demônio jogado no chão disse, ajeitando seus óculos vermelhos de maneira intelectual, logo tomando um último gole de sua garrafa de vinho barato. Ulukie devia ser a própria encarnação da burguesia pelo jeito que Demian falava, e não era tão mentira assim, já que ele tinha aquela cara de rico que só rico tem, apesar de não ter a melhor aparência do mundo por não dormir uma noite inteira desde que tinha cinco anos.

Todos ignoraram as declarações políticas de Demian, e Cheryl continuou em seu trabalho, ainda pálida e meio trêmula, com raiva do universo. E com fome. 

- Seu sangue é roxo, meu casamento foi arruinado, Charlie foi sequestrado e seu amigo foi metralhado até virar queijo suíço. O mundo é um lugar estranho e injusto, cheio de infortúnios irritantes, como narizes quebrados, então eu espero que você cale a boca logo pois eu estou ocupada. - Cheryl praticamente rosnou as últimas palavras, com uma das sobrancelhas arqueadas. Aquele não era o melhor dia da vida dela.

Ulukie observou o monólogo de Cheryl, calou a boca por um segundo desgostoso e encarou as dezenas de balas retiradas de Frank que jaziam no chão. Misericórdia, eram muitas balas. Muitas mesmo, e isso assustava. Às vezes, Ulukie sentia que olhar pra a situação de imortalidade de Frank lhe fazia se sentir um pouco conformado com a sua morte cronometrada, mesmo que soubesse que isso era errado já que se tratava de sofrimento alheio, e realmente Frank não era alguém que merecesse sofrer tanto assim. Não que Ulukie tivesse qualquer tipo de jurisdição para decidir quem merecia ou não sofrer, é claro, mas apesar de saber que o mundo era injusto e podre, ele ainda esperava que as coisas não fossem tão péssimas assim para o estagiário, ou sei lá, pra qualquer um. Mas elas eram, e ele já havia aceitado isso faz tempos. Ele às vezes pensava demais.

Xingou uma última vez, e se levantou, se apoiando no balcão, enquanto sangue continuava escorrendo de seu nariz.

- Tanto faz. - Disse em um murmúrio - Ele tá bem? Cês tiraram todas as balas? O que você tá colocando na boca dele? - O chefe perguntou, procurando saber informações de seu subordinado, em uma preocupação disfarçada de descaso. Mesmo assim ele tremia um pouco de nervoso. Precisava tomar um café pra se manter em pé.

- Ele vai ficar bem. Nós o entupimos de Tylenol, e vai servir. Ao menos dor ele não vai sentir. - Cheryl tinha noção o suficiente de que não iria servir, mas não sabia o que diabos iria, já que ela nem sabia que tipo de bicho aquele homem era, nem como ele não havia morrido depois de tantos tiros, nem como seu corpo funcionava, nem nada. E Cheryl não era médica. Também não podia levar ele para um de verdade, pelos mesmos motivos citados anteriormente de ela não fazer ideia da onde aquela criatura tinha vindo e de como funcionava, então um médico também não saberia como lidar com esse tipo de paciente. Dopar o homem de Tylenol infantil em gotas parecia ser a opção mais certa a se fazer, e foi isso que ela fez.

Demônios, maldições, e todas essas coisas que jovens gostam.Where stories live. Discover now