Desabrochar, por @AnaBeatrizMineu

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- Por Deus, seu Biné, fale logo o que foi!

Ele uniu as sobrancelhas e estendeu um dos papéis até mim.

- Como você sabe, - ele continuou em um tom delicado - seu contrato exige que você mantenha em bom estado a propriedade.

Houve uma pausa antes dele prosseguir:

-Toda a propriedade.

Senti o peso daquelas palavras fazer meu corpo afundar na poltrona.

Eu cuidava da casa, do meu cantinho; era tudo muito limpo e organizado, mas lá fora... Eu não me atrevia a mexer lá.

Eu não gostava nem de lembrar do meu terraço, passava por ele com muita pressa sempre que ia trabalhar e praticamente corria em direção ao meu refúgio na volta. Queria me esconder da bagunça que eu mesma criei, assim como fiz com o Marcos e a Maria Lúcia.

- Mas... – supliquei. - Eu sempre paguei o aluguel em dia e o senhor mesmo disse que a casa está em perfeito estado!

Biné suspirou.

- Eu sinto muito, dona Helô, - e ele parecia sentir mesmo - mas é o que consta no contrato e o proprietário já se decidiu. Você tem um mês para organizar sua bagunça ou terá que se retirar.

Com um leve aceno de cabeça, o seu Biné se despediu e eu o observei pular de volta até o portãozinho da frente, deixando-me com uma cópia do contrato.

Ainda anestesiada, coloquei-a em cima do rack com cuidado e meus olhos ficaram fixos naquela cópia, como se ela pudesse me atacar e me expulsar de casa a qualquer instante.

Então, meus olhos correram para o porta-retrato atrás dela.

Dando um sorriso tristonho, peguei-o e passei o polegar sobre a imagem de Marcos com carinho e então sobre a da Malu, que estava sorridente no colo dele.

A falta que os dois faziam doía quase fisicamente.

Eu os queria de volta, mas não tinha coragem de ir atrás deles. Eles não mereciam que eu os incomodasse com meus dramas e muito menos incertezas.

Ainda com o porta-retrato em mãos, forcei-me a caminhar até o centro do jardim e lá sentei com as pernas cruzadas, prestando atenção em cada folha que me cercava.

Era a primeira vez que eu realmente notava aquilo, o quanto eu deixara as circunstâncias simplesmente me engolirem nos últimos dois anos – e agora precisava virar o jogo em um prazo de um mês.

Capítulo Dois: Dona Rosa

Apertei os olhos, ajeitei os óculos e me inclinei sobre o parapeito para tentar ver a besteira que a doida da Heloísa estava fazendo lá embaixo no terraço dela.

Saltitava de um lado a outro com umas botas que pareciam ser dois números maior que o seu e tinha um pano amarrado na cabeça que volta e meia engatava na pá que carregava.

Ignorei quando meu filho, Davi, pediu que eu me afastasse de janela e segui observando atenta.

Já estava acompanhando-a desde antes dele acordar.

Ela saíra mais cedo e voltara com alguns instrumentos novos de jardinagem. Eu soube naquela hora mesmo, só de ver o jeito que ela os carregava, que ela não sabia o que estava fazendo, mas jamais seria capaz de imaginar o desastre que ela iria causar.

- Aonde vai, mamãe?

Eu empinei o nariz, me movendo com a pressa que minhas velhas articulações permitiam.

Os Quatro AmoresWhere stories live. Discover now