2. (2019)

12 2 2
                                    

Passei tanto tempo em meus pensamentos que o mundo amendotrava-me.
Nos ultimos tempos, pensar em Samamtha e em Bullock eram os assuntos que as almas mais falavam, ainda mais sobre a suposta morte de Sam, eu sabia, Samantha não haverá morrido da mesma forma que nem Bullock.
Infelizmente o convivio social entre as almas não foram as melhores, algumas fugiram em barcos improvisados de bambu mar afora, enquanto outras apenas se calaram a nova administração mesmo sendo tão democrática. Já outras...
- NÃO PODEMOS ACEITAR - gritou uma mulher idosa, sua voz era tão alta e jovial que questionei-me sobre sua real idade - NÃO PODEMOS MAIS NOS CALAR EM RELAÇÃO A ESSAS DUAS ALMAS!
Em seguida, um grupo de dez almas gritaram em resposta, todos na praça principal improvisada por eles  quando Bullock os escravizava para sugar suas almas e vende-las.

- FAZIAMOS PARTE DO MERCADO DE VENDA DAS ALMAS! - Um homem enfurecido jogou uma garrafa em um toco de pedra - AGORA ESTAMOS SEM DINHEIRO! E ESTAMOS A MEIO PASSO DE MORRER...
- LI-GUEM- A - FOR-NA-LHA! - Uma meninha gritou, com sua voz suave, tinha sete anos, cabelos ruívos, era Nina, conheci de longe - LIGUEM A FORNALHA!
Olhei para tudo aquilo da janela do segundo andar do orfanato. Josie apoiou sua mão em meus ombros dizendo coisas como " Eles não sabem o que falam..."
Olhar para aquilo me fez ficar nauseado, virei-me para Josie que ainda permanecia em pé.
- Eu sei que eles não sabem o que falam... - Fui até alguns mapas mal colados em uma parede lisa amarela - Eu sei como é ficar viciado em essência de alma, eu sei!
Jô engoliu a seco, reciosa com o que falaria a seguir mas permaneceu quieta.
Ficamos em silêncio por minutos, sem nos preocuparmos em falar, o silêncio fluido transitando entre nós, em seguida sendo guiada sobre nossos pensamentos.

* * *

O motor cansado de um camburrão passava extridente sobre a rua escura, deixando um trilho de linha preta sobre o ar, duzia de almas desamparadas foram deixadas lá próximo ao orfanato, metades com cicatrizes nas costa, o que deduzi, como anjos que negaram sua original forma.
Dei um passo a frente encontrando aqueles pequenos olhinhos amendrotados, Josie me acompanhara .  Estava abaixada conversando com uma ou três delas.

- Bem-vindos ao orfanato Samantha - Reverenciei a entrada do orfanato com certo orgulho, ainda encolhidas aquelas almas me olhavam - O melhor lugar para estar morto!
- Theo! - Ela me repreendeu - Ele está brincando, do jeito dele, mas está brincando.
Cinco das doze crianças sorriram, reforçando o que eu pensava, não tem como resistir ao meu humor.
- Tá vendo, Josie! - Disse com um leve sorriso no canto da boca - Podem me chamar de tio Theo...
Fiz uma reverência e voltei a olha-los. Uma das crianças segurava um relógio de bolso dourado.
- Posso ver?
Josie me olhou sério, diferente da criança que levantou o objeto dourado e mostrou, era um legítmo relógio de bolso de ouro.
- Não precisa fazer isso - Jô sorriu gentilmente para a criança - Quem está com fome?
- Eu! - Todas gritaram alegres, um pouco mórbidas, mas alegres.
Por um momento vi um fragmento da essência infantil, ingênuas, frágeis, sucetiveis a futuros traumas.
Formamos uma grande fila em direção a cozinha, onde Jack com as outras almas preparavam algo. Organizadamente, colocamos cada alma em sua devida mesa, se preocupando com a nova leva. Aquele lugar estava ficando cheio.

- Sabe o que aconteceu com eles? - Sussurei para Josie, com medo de que as crianças escutassem - Consegue ver algum resquicío da morte?

Josie disse enquanto ajudava Jéssica a se sentar, a menina havia parilisia, o que demandava maiores cuidados como qualquer outra alma especial. Vinicíus por exemplo, era um garoto autista, dezoito anos, raspava o cabelo com frequência, dizia que a sensação do cabelo crescendo no coro cabeludo o incomodava.

- Massacre em alguma creche - Disse ela secamente - É... Deve ser isso...

Me perguntava como Josie não expressou nenhum sentimento ao mencionar "massacre" e "creche" na mesma frase.
Não que ela fosse insensível, mas permanecer emotiva e sensível aqui era sinônimo de enlouquecimento.
Por isso que a maioria das almas sensitivas, se jogavam em fogueiras que elas mesma faziam para se queimar.
Respirei fundo aliviando a tensão.
- Fico imaginando como deve ser díficil a elas... - Olhei para aquele grupo de crianças recolhidas sorrindo baixo enquanto conversavam sobre alguma coisa - Crianças que passam por situações assim precisam de tratamento médico... Isso! Um psicologo...
Josie revirou os olhos.

❇ ❇ ❇

CIDADE DOS ANJOSOnde as histórias ganham vida. Descobre agora