Habib

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Music on* I Love You – Billie Eilish

Era diferente que daquela vez ela tivesse de repreender a viver, todas as sensações que seu corpo foi capaz de sentir até a aquele ponto de sua vida se intensificaram. Se amava então amava demasiado, se estava triste então era uma tristeza ao extremo, se sentia saudades, era copiosamente as maiores saudades que podia sentir, tudo acontecia em proporções que nunca imaginou ser capaz.

Todas as noites em que seu corpo já tão pesado tentava descansar, ela priorizava sorrir diante de Ali, o colocando em sua cama até que caísse em seu sono para que pudesse ter a companhia solitária de suas próprias lágrimas sem sentir-se culpada em mostrar fragilidades ao pequeno. Seus lábios secos se pressionavam ao se deitar em sua cama, confortável... era confortável porque as mulheres daquela vila priorizavam que ela pudesse ter mais tecidos para tornar seu sono mais confortante durante as noites por estar... grávida.

Sofria todas as noites porque sabia que era necessário, sentia-se solitária e necessitada, queria os confortantes braços da mulher que amava, queria os bons conselhos de sua melhor amiga, o cuidado exagerado de seus seguranças que agiam como seus guardiões, queria até mesmo o som sutil do lago de sua casa, queria seu corão e seus banhos que limpassem a alma, sentia falta de si mesma em tantos aspectos que aquilo corroía cada centímetro de sua própria e nova identidade. Era o mal mais necessário que podia ter, sofreu o inferno em meio a luxo durante anos, e sabia que não era a falta do luxo ou do conforto que lhe machucava, era a ausência de Lauren a quem atribuía unicamente o seu amor com todo o seu coração.

Se tivesse seu conforto e seu amor, estaria bem como nunca antes, a saudade lhe machucava como nada antes machucou.

Estava grávida, sentia-se fraca e se esforçava a alimentar em todos os momentos necessários, mesmo que não sentisse fome, sabia que à àquela altura era ser egoísta demais querer que tudo aquilo se acabasse, que todo o isolamento e a solidão, mesmo rodeada de tantas mulheres gentis, deixasse de existir. Sua barriga havia crescido, o que a impedia de caminhar para tão longe, e quando Ali estava acordado ela fazia questão de lhe ensinar e esboçar os melhores sorrisos que guardava em si, eram manhãs intensas e complicadas em meio a dores que nunca sentiu, ao desconforto que habitava sua pele, sabia que corria riscos com aquela gravidez, já não era tão jovem, aquela impossibilidade ainda a assustava, porque não sabia o que esperar de Lauren quando ela descobrisse, ficaria tão feliz? Ainda se sentia despreparada? O que sentiriam juntas?

Não conseguia fechar seus olhos ao pensar naquilo tudo.

Não havia meios tecnológicos de última geração que pudesse acompanhar a gravidez, não podia despertar suspeitas porque era decretar sua morte, havia o momento certo para se mostrar ao mundo de seu esconderijo, o momento em que Al Sisi estivesse em completo declínio, o momento de eleições, o que a fez se submeter aos cuidados de um jovem médico que ia naquela vila uma vez a cada mês para cuidar das mulheres isoladas da sociedade egípcia, ele foi o único a acompanhar sua saúde, mesmo sem saber quem era, a tratou com tanta gentileza que Karila fez questão de guardar seu rosto assim como o de cada mulher daquela vila.

Suas vidas mudariam assim que ela pudesse ser ela novamente, havia se prometido aquilo. A mãe de Ina não seria mais uma mulher que dependeria de cuidados alheios para sobreviver, a tiraria daquele lugar como havia prometido a sua filha quando a deixou ir para uma vida de luxo em um país isolado em que ninguém sabia de sua identidade.

Mesmo sofrendo tanto, sentindo tanta dor, não era capaz de tecer reclamações, de romper os protocolos e regras, não reclamou que queria mais conforto, que queria comidas diferentes, que queria seu Corão ou que precisava de um celular para destruir todos os sacrifícios que haviam feito para que ficasse viva, ela simplesmente aceitou cada empecilho, se agarrando ao lenço que Lauren havia deixado consigo para obter forças e se levantar todas as manhãs.

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