65 - Multidões, Discursos e Ameaças

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A viagem de helicóptero foi infinitamente mais rápida que a minha primeira viagem de ônibus. Mesmo assim, não alcançamos o meu irmão. Me pergunto como ele tinha conseguido agendar uma viagem de helicóptero sem que meu pai soubesse.

O meu pai inclusive praticamente surtou quando me viu no heliporto, mas não havia muita coisa que ele pudesse fazer para me impedir, não é como se ele pudesse me empurrar para fora do helicóptero quando entrei correndo atrás dele, bem a tempo, e ainda puxei a Felícia comigo. Esbravejar e me ameaçar não adiantaram contra a minha resolução. Por fim, sem poder perder tempo, ele teve que concordar em levantar voo.

Eu não vou mentir, eu tinha tentado ligar para o Christopher algo de quinhentas vezes depois que saí de casa. Para surpresa de ninguém, ele não atendeu nenhuma vez. E não é como se eu pudesse culpa-lo. Porque eu sabia que ele não estava me ignorando ou qualquer coisa assim, ele só estava ocupado demais. E mesmo com todas as minhas preces, ele não atendeu a droga do celular. Irritada, mandei umas duzentas mensagens que eu sabia que não iriam ser visualizadas.

O lance era que eu estava com um péssimo pressentimento sobre as intenções do meu irmão. Não que o Felipe fosse louco ou algo assim, mas eu sabia que ele podia ser um pouco obsessivo quando decidia algo — como quando decidiu que queria aprender a montar como um profissional e começou a treinar como um campeão olímpico de hipismo aos doze anos. E a forma como ele havia sugerido que queria "acelerar o início da guerra" no outro dia me fazia crer que essa coisa estava se tornando uma obsessão.

E outra coisa que eu também sabia era como meu irmão foi fascinado uma época por leituras sobre a Primeira Guerra Mundial. E todos sabemos que matar o arquiduque Francisco Ferdinando foi a pior ideia que alguém poderia ter tido. Digamos que não terminou nada bem.

Em todos os dias era proibido o acesso de carros na rua do palácio, mas nesse dia já não tinha mais lugar para estacionar carros a vários quarteirões de distância. O piloto do helicóptero o desceu basicamente no meio de uma rua vazia, e desci às pressas antes que meu pai o fizesse. Como eu já conhecia o caminho, ao contrário dele, foi meio fácil correr e me adiantar, deixando-o para trás. Eu não queria que a Felícia me seguisse, mas ela insistiu, autoritária, e eu não tinha tempo para ficar discutindo.

Havia guardas reais na rua e alguns deles me cumprimentaram quando passei. É claro que eu notei o olhar interrogativo que a Felícia me lançou, mas me fiz de desentendida e ignorei. Até porque finalmente tínhamos ultrapassado os portões do palácio.

Como já era esperado, os portões estavam abertos ao público. E, sem dúvida, o público estava presente. Milhares de pessoa se aglomeravam para ouvir o discurso do rei Carlos Alberto. O rei estava falando do alto de uma sacada — acho que era a sacada da biblioteca —, vestindo um uniforme de oficial militar cheio de insígnias e condecorações. Ele parecia estar no meio de um discurso bastante inflamado.

Não consegui conter o salto que meu coração deu quando notei o Christopher em pé ao fundo. Com o cabelo impecavelmente arrumado, ele usava um terno azul-marinho e uma gravata azul-claro. Sua cabeça estava erguida, mas tinha os olhos voltados para o chão. Talvez para alguém parecesse que ele estava extremamente concentrado nas palavras do pai, mas eu sabia que ele estava apenas profundamente entediado.

Com muito custo, desviei os olhos dele e dei uma olhada ao redor na tentativa de encontrar meu pai e meu irmão. Nem sinal de nenhum dos dois. Mas, francamente, eu ficaria surpresa se os encontrasse no meio daquela multidão. Me desvencilhei das pessoas com dificuldade e andei um pouco mais para perto da casa.

Eu tinha certeza que o Felipe planejava alguma idiotice, mas até onde eu sabia, ele não tinha um rifle ou qualquer coisa assim. Não é como se ele fosse se tornar um sniper. Mas eu estava começando a ficar realmente apavorada.

Eu não estava prestando atenção em nenhuma palavra do que o rei falava enquanto fitava a multidão com aqueles olhos gélidos. Definitivamente eu não gostava dele. Voltei os olhos para o Christopher de novo no instante em que ele ergueu os olhos para as pessoas e um segundo depois, como se eu tivesse chamado seu nome em voz alta, seu olhar pousou sobre mim. Ele piscou e levou um milésimo de segundo para disfarçar a surpresa. O encarei de volta com olhos arregalados.

Vi quando ele deu uma olhada fugaz para o rei, que estava envolvido demais em suas próprias palavras para notar quando o filho se moveu discretamente para trás e saiu da sacada, sumindo de vista.

Imediatamente, comecei a desviar das pessoas o mais rápido possível, pedindo desculpas aqui e ali. Ouvi quando a Felícia gritou "alteza" enquanto tentava me acompanhar, mas me perdi na multidão rapidamente.

Eu não tinha a menor ideia do que estava fazendo, nem do que precisava fazer para encontrar meu irmão, mas me peguei parando na varanda de uma das entradas laterais, onde o fluxo de pessoas já se tornara praticamente inexistente, exceto pelos guardas.

Realmente me surpreendi quando quase trombei com o Christopher, que vinha apressadamente na direção contrária. Só precisei de uma olhadinha rápida para ver o aborrecimento estampado nos olhos dele, apesar de sua expressão indiferente.

Ele cruzou o espaço que nos separava, mas em vez de me abraçar ou algo desse tipo, sem dizer nada, ele envolveu meu punho e me rebocou dali. Eu o segui sem titubear. Ele atravessou todo o gramado e entrou no pomar cada vez mais, até finalmente encontrarmos um gazebo no meio das árvores.

Enfim, ele me soltou — não que eu tivesse reclamado nem nada — e olhou diretamente para mim. Pensei em abraça-lo, mas desisti quando percebi que dessa vez ele não fazia a menor questão de disfarçar sua irritação.

— O que você está fazendo aqui!? — Ele sibilou. Antes que eu pudesse responder, ele continuou: — Você consegue perceber o quanto é perigoso para você ficar aqui agora?

— Eu estou com a minha guarda-costas.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Não parece.

— Bem... claro, ela não está aqui comigo agora, mas ela está por perto.

— Tenho certeza que sim — ele falou, uma pontinha de ironia escapava tão sutilmente que era quase imperceptível.

— Para o seu governo, Christopher Morgstern, eu estou mais segura que você nesse momento. — A ficha caiu naquele instante: — Aliás, você devia entrar. Não devia estar aqui.

— Por quê? — Ele estava sério agora.

Uma voz muito familiar para mim, mas que pareceu surpreender o Christopher soou às minhas costas. Me virei, de súbito, e nós dois encaramos o recém-chegado.

— Ele não vai à parte alguma — meu irmão disse, enquanto subia os três degraus da entrada do gazebo lentamente. Claramente a intenção dele era parecer ameaçador, mas ele estava mesmo muito tenso. — O que você está fazendo aqui, Sarah?

— Estou tentando evitar que você cometa um erro grave.

Meus olhos foram atraídos por algo que ele trazia na mão direita. Meu coração falhou uma batida quando percebi a pistola que ele segurava.

RealWhere stories live. Discover now