52 - Tapetes Felpudos, Diálogos e Seres Vivos

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- É um gato - ele disse, enfim, observando o animalzinho de pelo longo e negro que saía da caixa, desconfiado.

- Sim.

Finalmente, o Christopher ergueu as sobrancelhas e soltou um risinho inaudível. Suspirei, aliviada. Ele não tinha odiado. Na verdade, agora ele parecia bastante efusivo. Seus olhos brilhavam.

Me abaixei para pegar o gato e o levei até ele, tomando a liberdade de colocá-lo direto em seu colo.

- Me adiantei e já dei um nome para ele - contei, displicente. Ele riu um pouco, estranhando o gato em seu colo. - Eu te apresento o Darth Vader.

Ele desviou os olhos para mim.

- Você o nomeou de Darth Vader? - Assenti. Ele mordeu o lábio inferior, contendo um sorriso. - Eu não lembro de ter contado que gosto de Star Wars.

- Digamos que não era necessário que você contasse.

Eu tinha encontrado uma feira de doação de animais quando fui ao mercado, no último final de semana. Por isso eu não menti quando disse que não tinha comprado - apesar de ter precisado comprar a caixa para transportá-lo e a ração, já que eu tinha ficado com o Darth no meu quarto durante toda a semana. Eu não tinha pensado em dar um ser vivo de presente para o Christopher, mas, no momento que vi aqueles olhinhos azuis me encarando, a ideia me arrebatou. E na hora me pareceu uma boa ideia. Tipo assim, um gato poderia ser uma companhia para ele.

Para minha descrença, o Darth deitou sem nenhuma cerimônia sobre as pernas do Christopher, como se já p conhecesse, quando na realidade, eu é que tinha me preocupado em lhe dar comida e limpar sua caixa de areia nos últimos dias. O Christopher titubeou antes de tentar passar a mão no pelo do gato, mas quando o fez, o Darth ronronou alto.

Me inclinei um pouco para acariciar a parte de trás das orelhas das orelhinhas dele.

- Você é mesmo um traíra. Já está se bandeando para o lado do seu novo dono - falei para o gato, com uma nota de ressentimento na voz, embora tivesse apenas tentado soar divertida. Ele olhou para mi e piscou, sonolento.

- Tem certeza de que quer me dar o gato? - O Chris perguntou, me fazendo desviar os olhos para o rosto dele.

Franzi as sobrancelhas, confusa.

- Eu achei que você tivesse gostado.

- Eu adorei - ele respondeu, de pronto. - Mas você parece ter se afeiçoado um pouco a ele.

Como eu ainda continuava inclinada desconfortavelmente, ele se afastou um pouco, tomando cuidado para não incomodar o gato e abriu espaço para mim ao seu lado. Antes que eu realmente tivesse processado a informação, já havia aceitado seu convite silencioso e sentado no tapete felpudo, que era tão macio que quase dava para esquecer que ficava no chão.

- Não. Ele é seu - afirmei, com convicção. - Além do mais, eu não poderia leva-lo para casa. Minha mãe nunca deixou que eu tivesse animais de estimação porque o Felipe, meu irmão, tem alergia.

- Que pena. Você parece gostar.

- Sim. Mas tudo bem, eu acho. Hoje em dia, com a escola e tal, eu só conseguiria vê-lo aos finais de semana. Acho que não ia mesmo ser legal.

Ele assentiu.

- Eu também nunca tive animais. Meu pai não permitia. Mas apenas porque ele dizia ser um desperdício de tempo. Eu tinha coisas mais importantes para me preocupar.

A cada vez que ele me contava alguma coisa sobre o rei, eu conhecia uma nova lembrança ruim que ele guardava do pai. Será que ele não tinha nenhuma coisa boa para lembrar em relação ao rei? Era possível que não.

Me acomodei no tapete e dei uma olhada na televisão. Estava começando Esqueceram de Mim - pode me julgar, mas era um filme que eu adorava assistir, mesmo que já fosse a milésima vez. Puxei o edredom sobre mim.

- Chris, você tem alguma lembrança boa do seu pai?

Ele desviou os olhos para mim, pensativo.

- Algumas - ele respondeu simplesmente. Achei que fosse ser essa a única resposta que eu obteria. Mas após um minuto, ele disse: - Às vezes, quando eu era criança, ele me levava amo Museu de História Natural e era fechado só para nós, claro. - Assenti, entendendo. Ter um lugar fechado só para a minha família não era raro para mim. - Ele ficava me fazendo perguntas a respeito do que quer que estivesse sendo exposto. Datas, nomes, informações técnicas... esse tipo de coisa. Ele ficava me testando, na realidade. Mas eu gostava porque eu conseguia responder e, por mais difíceis que as questões pudessem ser, eu sabia que saberia a resposta. Era um tempo que poderíamos ter juntos sem que eu tivesse que me preocupar em não decepcioná-lo, como acontecia a maior parte das vezes.

Ele tirou o Darth do colo e o colocou ao seu lado para poder deitar - e incrivelmente, o gato realmente ficou exatamente no mesmo lugar -, apoiando a cabeça em outra almofada e deslizando para debaixo do edredom.

- Por gentileza - falei, descontraída -, se algum dia nós formos ao museu juntos, não fique bancando o guia.

Ele riu.

- Certo. - Ele me observou por um tempo, me fazendo corar. Esperei que ele não tivesse notado, embora, pela expressão dele, eu tivesse certeza que ele tinha notado totalmente. Mas em vez de comentar, ele perguntou, de repente: - Qual o melhor presente que você já ganhou? - Antes que eu pudesse abrir a boca, ele explicou: - Não deve ser levado em consideração nenhum que você tenha ganhado nas últimas vinte e quatro horas.

Parei um instante. Eu nunca tinha pensado nisso.

- Acho que eu deveria escolher a viagem para a Disney que minha família fez no meu aniversário de anos. Mas não foi realmente um presente para mim, já que todo mundo foi. - Ele continuou me olhando atenciosamente: - Pode parecer idiota, mas acho que me senti mais feliz no meu aniversário de oito anos, quando eu ganhei uma edição especial de Alice no País das Maravilhas.

- Verdade? Eu achei que você dizer que foi o seu piano.

- Bem, digamos que, na época, eu não fiquei exatamente feliz com o piano. Porque meus pais o compraram quando eu comecei a ter aulas e eu ainda era meio que obrigada a tocar. Mas eu devia mesmo ter mentido em vez de parecer uma boba.

- Sarah, a sua resposta não parece boba. Na verdade, faz com que eu me sinta menos bobo com a minha resposta.

Contive o impulso e erguer as sobrancelhas ao perceber que ele pretendia me contar alguma coisa sem que eu precisasse perguntar. Em vez disso, me mantive sem expressão, esperando. Ele se ajeitou melhor e passou a mão distraidamente no gato, que ainda dormia a sono solto entre nós.

- Ao contrário de você, eu ganhava muitos livros quando era criança - ele disse, olhando para baixo. - Ainda ganho, na verdade. Não significa que eu não goste de ganhar livros, pelo contrário. Mas admito que gosto muito mais nos últimos anos. No meu aniversário de nove anos, eu ganhei um Lego da Millenium Falcon e eu lembro de ter ficado completamente maravilhado. Provavelmente foi a primeira vez em quase doze meses que eu me sentia mesmo feliz.

- E agora? Você está feliz? - Me ouvi perguntar antes de realmente planejar fazê-lo.

- Sim - ele respondeu, de imediato, antes que eu tivesse a chance de me explicar. - Para ser sincero, eu não tinha uma noite de Natal tão... agradável há muito tempo.

- Eu também me diverti.

- Obrigado.

- Pelo gato?

Ele voltou o rosto para mim.

- Por tudo.

Ele definitivamente não devia falar assim. Não era justo. Sabe, eu poderia mesmo ter um ataque cardíaco naquele momento.

- Ok. Certo. De nada - balbuciei aleatoriamente. - Foi um prazer... - eu precisava parar de falar. Urgentemente.

Em vez de passar ainda mais vergonha, peguei o controle remoto e aumentei o volume da televisão. E me concentrei em assistir Esqueceram de Mim pela milésima primeira vez.

RealWhere stories live. Discover now