Prólogo: O que vou descobrir...

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O carro dava solavancos que me traziam de volta para a realidade, lembrando-me que eu ainda não havia chegado ao destino tão antecipado por minha mente. Enquanto o jipe não chegava ao local eu me transportava para lá com a imaginação; mal podia esperar para que pudesse presenciar com meus próprios olhos os laboratórios da AlanProjects. Eu já amava o nome, uma homenagem muito bem usada a Alan Turing; tal nome apenas aumentava minha ansiedade para a experiência que estava prestes a ter, mesmo sem saber o que ela seria de fato.

Sem dúvidas será algo sobre Inteligência Artificial; impossível ser outra coisa.

-Animado, em? -Apontou o motorista ao meu lado. provavelmente reconheceu minha ansiedade com o balançar frenético de minha perna; nem me incomodei de cessar o movimento, pois a sensação me lembrava de uma ansiedade infantil que sinto falta.

-Muito. Você é um dos trabalhadores do laboratório? -Perguntei, ávido por qualquer espécie de pista sobre o que me esperava quando chegássemos ao destino. Acredito que a maioria sentaria no banco de trás e manteria os pensamentos para si mesmo, porém eu não poderia segurar minha antecipação por muito tempo, não sem compartilha-la com alguém; quase o fiz com um estranho a minha frente no trem que peguei antes de ser buscado pelo motorista do jipe.

Além disso, considero um pouco de má educação deixar o motorista sozinho na frente do carro, embora todos me digam que isso seja bobagem minha.

-Não, só fui contratado como motorista mesmo. Não queria falar nada, mas fui muito bem pago só para buscar você e mais ninguém. Deve ser um evento grande mesmo, não é? -O carro balançava demais e eu mal conseguia me concentrar nos olhos dele enquanto falava; não que eu me preocupasse muito com isso.

Havíamos entrado em uma área completamente isolada de qualquer vestígio da pequena cidade deixada para trás na estação de trem. Agora tudo era apenas uma bonita paisagem verde escura que enchia o horizonte com morros e montes cobertos de árvores enquanto aqui, nós percorríamos uma trilha recentemente feita em meio a uma clareira com uma grama mais clara.

-Sim, é uma empresa bem importante da área de tecnologia. Aliás, considero uma das melhores na verdade.

-Ah, é japonesa ou algo assim? Fiquei sabendo que logo vamos ter robôs fazendo nossas tarefas. Eu não acredito muito nessas coisas pra ser sincero... -Não pude conter um pequeno sorriso com o comentário, não sei se porquê era apenas uma opinião meio supersticiosa sobre a inteligência artificial ou se, na verdade, a superstição parecia prestes a se tornar realidade.

-Sim, é um casal Japonês que comanda os projetos. E não é sobre robôs realmente, está mais para computadores que podem conversar como se fossem humanos de verdade. Acho que eu e o resto dos participantes estamos aqui pra testas algumas novas maquinas. -Me esforcei para não me empolgar muito com a fala. Apenas a ideia de poder testar uma inteligência artificial complexa já me dava arrepios.

-Entendi, você e os outros concorreram para o passeio ou tiveram que passar por uma prova? -Aquela pergunta quase me irritou. "Passeio"... O que eu estava prestes a participar pode facilmente ser um dos maiores avanços da história da Inteligência Artificial; com certeza é mais que um passeio (embora eu me sinta como se estivesse indo para um).

-Nós fomos... selecionados. A empresa colocou algumas inteligências artificiais para operarem em atendimentos por telefone de algumas empresas diversas para que interagissem com os clientes. As sete primeiras pessoas que percebessem que estavam interagindo com uma máquina participariam dessa nova versão do Teste de Turing. -Sentia como se eu estivesse narrando um conto épico digno de uma adaptação para um filme ou livro best-seller. Mas não...

Era apenas a realidade.

Passou-se um momento silencioso, com o motorista absorvendo as informações, bolando uma nova resposta, enquanto eu simulava situações hipotéticas que poderiam acontecer no experimento.

-Então não vão ter robôs?

Quase respondi que não imediatamente, porém ao abrir a boca para falar pensei naquela pergunta. Então ergui leve sorriso no canto da boca.

-Eu acho que vão ter alguns, sim. -Ambos sorrimos com a possibilidade.

-Que legal... Mas então esse teste é conversar com um robô? -Eu queria poder ter uma reposta que fizesse o homem entender o quão complexa essa tarefa seria, mas...

-Basicamente. -...Eu não tinha.

-Entendo. Não seria chato então? -Fiquei confuso e honestamente surpreso com a pergunta de meu companheiro.

-Por que?

-Bom, eu e você estamos conversando por que temos vida. Você fica ansioso e eu consigo saber que você está animado porque eu também sou humano, por isso a gente conversa. Como que você vai conversar com um robô se ele não tem vida nem emoções?

Aquilo freou minha adrenalina juvenil como se eu tivesse batido o rosto num poste durante uma corrida distraída. Aquela pergunta, por mais simples que fosse feita pelo motorista, era a pergunta que impedia o avanço da ciência. A filosofia.

Uma das únicas fraquezas do Teste de Turing era provar que a maquina também possuía alguma consciência. Afinal, se ela se comporta tão bem ao interagir com humanos seria porque ela foi programada para isso, ou realmente age por fruto de um pensamento?

Eu não gostava de discutir esses assuntos. O que me interessava na Inteligência Artificial era a habilidade que ela teria em praticar atividades que os humanos tem muita dificuldade em fazer, como cálculos, raciocínios complexos instantâneos, perfeito armazenamento de informações e processamento de dados necessários para resolução de problemas.

Mesmo assim, sabendo fazer todas essas coisas de uma maneira muito mais eficiente que uma pessoa, ainda é uma tecnologia que luta contra uma das tarefas mais básicas do ser humano. A comunicação.

Aliás, depois de refletir sobre a pergunta, as vezes penso que gosto tanto dessas inteligências artificiais porque me identifico com elas.

Percebendo agora que nem sequer dei sinal de resposta ao motorista, durante um tempo consideravelmente longo, tentei processar o melhor que eu poderia fornecer:

-É o que vou descobrir...

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