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1º Capítulo

Suspirei, penteando com os dedos os meus longos cabelos cacheados. A lua já estava no céu, mas ainda se viam os últimos raios de sol no horizonte, que me fazia lembrar as tardes que passavam a noites a ler, sentada na varanda do meu quarto. Como eu sentia saudades de comer um bom jantar quente, ler um livro, ou fazer um bolo. Aqui eu não consigo fazer nada disto. Passei as minhas mãos pelo sítio onde estiveram as minhas pernas, mas agora apenas está um monte de escamas. Cravei as minhas unhas na cauda e fiz um movimento ascendente até a minha coxa. O rasto de quatro feridas rapidamente se sarava.

“Psst Luna.” Ouvi.

“O que foi Renee?” revirei os meus olhos azuis.

“Estás atrasada para o jantar.”

“Mais algas.” Bufei e saltei da rocha onde estava sentada para o mar.

O meu cabelo. Estive pacientemente á espera que ele secasse e agora toda a minha espera foi em vão. Raios partam a água que molha.

“Fizeste alguma coisa á cauda? Ela está mais brilhante hoje.” Renee perguntou.

“Não. Nada de nada.” Respondi, abanando a cabeça.

“Hum…” ela murmurou e baixou a cabeça. “Estiveste a pensar na tua vida lá de cima outra vez não foi?”

“Renee, por mais que eu adore a vida aqui no mar, a minha vida lá em cima será sempre melhor para mim. E tu sabes isso.” Repeti o mesmo discurso de todos os dias.

Todos os dias eu acordava, penteava o meu cabelo, ia para cima da rocha na baía, depois almoçar, rocha na baía, jantar, rocha na baía, dormir... Uma rotina muito variada-ou então não.

“Se tivesses hipótese voltavas lá para cima?”

“Sim.”

“E deixavas-me aqui?” Renee pára de nadar e olha para mim seriamente.

“Se pudesse, tu vinhas comigo.” Sorri.

“Eu adoraria ir conhecer os teus pais e o teu irmão e os teus amigos… Mas eu não posso deixar os meus pais e as minhas irmãs.” Ela confessa e uma ponta de irritação começa a correr nas minhas veias.

“Claro.” Comecei, com ironia. “A princesa Renee não pode deixar os papás e as manas, mas aqui a menina banal Luna foi contactada num momento de depressão e PUMBAS para debaixo do mar.”

“Eu não tenho culpa por ser filha do rei desta espelunca okay?” Ela faz um movimento de mãos a apontar para o castelo que se situava á nossa frente. Atlântida é o seu nome.

“Como é que as sereias dão á luz?” Perguntei.

“Acho que tens de cortar a barriga ou assim.”

“Como é que as sereias praticam o acto sexual?” Voltei a perguntar.

“Eu sei lá!”

Eu ri com a sua inocência e entrei pelos grandes portões do castelo.

“O que será o jantar hoje?” A minha pergunta retórica soou pelos corredores.

“Algas!” Responderam da cozinha, como se fosse óbvio.

“Está calada Luna! O meu pai está ali e se te ouve ainda és expulsa daqui.” Ela sussurra.

“O teu pai tem piores razões para me expulsar daqui.” Ri baixinho.

Ela bufou e entrou na sala de jantar, com uma mesa enorme para apenas seis pessoas.

O seu pai estava sentado á cabeceira da mesa, com as suas compridas barbas brancas quase a entrar para o prato de algas.

“Então Luna, o que fizeste hoje?” perguntou a senhora que se sentava na outra ponta da mesa.

“Nada de especial, Sua Majestade.” Sorri.

“Fizeste o costume, não foi?” Renee ajudou-me.

A baía já era fora das fronteiras do reino. Eu não podia estar lá.

“Sim.” Um sorriso ainda mais falso que o último ocupou a minha cara.

O resto do jantar foi feito em silêncio. Anastacia e Gaia ficaram caladas e ausentaram-se sem pedir licença.

“Tritan, tens de ensinar ás tuas filhas que tem de se pedir para sair.” A rainha pediu ao marido.

“Ensinarei.” O rei assentiu.

“Pai, eu e a Luna podemos sair?” Renee pediu educadamente.

“Claro que sim filha.”

Ambas afastámos as cadeiras e nadámos até á fronteira do reino novamente.

“Se não quiseres vir, eu fico bem sozinha.” Ofereci. Eu bem sei que Renee não gosta de sair dos domínios do pai.

“Ficas?”

“Sim.” Assegurei.

Ela deu um pequeno salto no ar e voltou a cair na água, nadando em direção a casa.

Suspirei e nadei até á rocha. Esta era baixa, de modo a que a minha cauda dourada ficasse submersa, mas os meus cabelos ficavam expostos ao vento para secarem. Mesmo na minha vida anterior á de sereia eu vinha aqui. Aliás, foi aqui que Renee me encontrou e que me levou para o outro mundo que é o mar. Mas este continua a ser o meu sítio para deprimir. Ninguém mo vai tirar.

Ao longe avistei uma figura masculina. Reparei que ele me olhava, mas felizmente a minha cauda não era percetível daquele ângulo. Eu voltei a olhá-lo. A sua silhueta estava pintada de preto, de modo a eu apenas ver um pouco dos seus olhos. Os seus cabelos eram selvagens, assim como os meus.

“Luna?” a sua voz fez-se ouvir e eu estremeci.

Não não não não. Merda merda merda merda.

♒ MERMAID ♒ || h.s.Where stories live. Discover now